quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Crime ...disse ele - capitulo 2 - parte 2




Sob o início de um Sol Outonal, o Ford cinzento serpenteou por entre a estrada de terra batida e pouco depois de contornar a última curva, saiu lentamente da estrada e estacou diante da sombra de uma árvore.
No interior da viatura Julien, espreguiçou-se, acendeu um Marlboro e pacientemente consultou o mostrador do seu Tissot negro. Chegara na hora certa e de acordo com as suas fontes, dentro de meia hora, o padre Anselmo acabaria a sua missa da manhã.
Mentalmente reviu o processo que a sua cliente lhe entregara na noite passada. Um padre como suspeito era de facto algo penoso para ele.
Julien Bettencourt crescera num seminário, sob a rígida doutrina e disciplina dos padres e à sua maneira, aprendera a os respeitar e agora só a fugaz ideia de que o padre pudesse ser responsável pelo desaparecimento da rapariga, martirizava-o.
Ele era um anjo redentor. Para uns um assassino cruel, para ele era um justiceiro que castigava o que a justiça não condenava.
O auto-rádio do carro anunciava as nove horas da manhã. Sem revelar o mínimo traço de ansiedade, saiu da viatura e caminhou pacientemente até ao interior da igreja.
A missa findava agora e esperando que os devotos abandonassem a igreja e sorrindo entrou, ajoelhou-se e benzeu-se. Depois sentou-se num banco pesado de madeira encarando o altar.
Percebendo que o padre se retirava para a sacristia, Julien levantou-se e seguiu-o.
O processo era detalhado, e com fotografia e pelo que ele consultara, havia de facto grandes motivos de suspeita sobre o padre. Claro que ele poderia fazer umas investigações, umas perguntas, sondar o suspeito…Mas não era o seu método de trabalho. Julien gostava da confrontação pura e simples. Detectava uma mentira a quilómetros e nada lhe dava mais gozo, que o ar surpreso de um criminoso.
Os seus métodos podiam ser questionáveis, as suas intervenções podiam ser censuráveis, mas o conforto dos sorrisos de quem lhe encomendara o trabalho, de quem lhe pedia que rectificasse a injustiça, eram o seu bálsamo.
Uma grossa e seca batida de dedos na porta da sacristia e uma voz aguda:
-Entre!
-Dá licença?
-Com certeza, meu jovem. Em que o posso ajudar?
O padre Anselmo era um sujeito calvo, outrora atlético, mas que os seus cinquenta anos não poupavam. No entanto havia algo nas suas expressões que o tornavam rude e frio.
-Procuro a paz de espírito.
-Ah, faz bem. Na certa que Jesus o aconselhará.
-Ele já o fez, senhor padre. – O tom de Julien era cada vez mais cortante.
-E mesmo assim, precisa de mim?
-Desesperadamente.
O padre Anselmo pareceu hesitar por uns segundos, como que sondando o seu interlocutor e ansiando para acabar com aquele diálogo enervante, retorquiu:
-Pois diga de sua Justiça, o que o traz até mim?
-Exactamente isso, senhor padre. A justiça!
Perante o olhar estupefacto do padre, o sujeito levantou-se e após ter rodado a chave na fechadura da sacristia, sentou-se e esclareceu:
-Padre Luís Anselmo?
-Sim.
-Iria pedir um pouco do seu tempo, para que pudesse analisar esta fotografia.
Sem se deter, Julien retirou a fotografia da rapariga desaparecida e entregou ao padre.
O sujeito esboçou um esgar de medo e como se recusando a ver um fantasma, apressou-se a esclarecer:
-Lamento, não sei quem possa ser.
Julien sorriu ao de leve e aconselhou:
-Estamos na casa de Deus. Não usemos a mentira no templo do senhor.
Envergonhado, o sujeito baixou a cara e apressou-se a rectificar:
-Quem é que julga que é? Eu já comentei com a polícia o que sabia.
-Muito bem, eu não sou polícia. Comente comigo.
-Para quê?
-Para eu saber.
-Que interesse tem para si?
-Alguém muito desgostoso me pediu para o fazer.
-Ouça bem, eu nada tenho a ver com isso. É certo que ela era da minha paróquia, e que por vezes me ajudava à missa….Mas apenas isso.
-Apenas isso?
-Repare, a população já fala sobre isso. Já comentam!
Ignorando o tom de piedade que o padre apresentava, abriu o casaco cinzento e retirou polidamente uma cigarreira de prata:
-Vai fumar aqui?
-Não se preocupe. Continue…
-Bom, dizem que fui o único a ver a miúda com vida. Se isso é verdade, (repare que nada ficou provado), ela saiu pela porta principal e não a voltei a ver.
-Padre Anselmo, eu tenho acesso ao processo e vim apenas comunicar que irei encontrar a rapariga em 24 horas. Se Deus o permitir, esta é a nossa última conversa…Caso contrário voltarei.
-De certeza que não é da polícia?
-Tenho ar disso?
-Ar de advogado na verdade.
-Infelizmente não irá precisar de um, se for culpado.
O idoso sujeito encarou o rosto confiante e desafiador, bem barbeado e de olhar penetrante. Sabia o tom de uma ameaça e sabia, no seu íntimo, que ele falava a verdade.
Apercebendo-se de que era estudado pelo padre, Julien levantou-se, apagando a beata no chão e escondendo-a no bolso do casaco, fazendo questão de mostrar a arma no cinto ao padre e polidamente sentenciou:
-Até já, Sr. padre. – Sorriu o enigmático sujeito.
-Vai com deus, meu filho.
Horas depois, escondido o mais que podia, junto ao velho carvalho, Julien assistia impávido á saída apressada do padre, demasiado ocupado no seu passo acelerado para reparar nele.
- Run, Rabit Run…- Pensou Julien.

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