quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Lápide- Capítulo 9






Nada sei dos mistérios da morte,
não conheço as certezas da vida,
não entendo a linguagem dos anjos...
Mas sei que há uma mensagem escondida
nos lábios de quem ama e (se) perde,
um luto, sem campa, sem flores, sem corpo,
que não se mede em palavras.

http://librisscriptaest.blogspot.pt/2017/08/2-moedas-para-o-homem-da-barca.html





JÁ NÃO HÁ CANÇÕES DE AMOR 


Terra, século XXI e a Cinderela já não perde o sapatinho, as maçãs envenenadas são servidas em banquete a todos os presentes, às claras sem grande alarido  e já não há príncipe encantado disposto a um beijo redentor, a lutar contra dragões ou a subir por cabelos dourados. Não. Já não há canções de amor, tocadas e cantadas em ardentes versos ou lírica que o valha. O que há são desilusões, dor e cansaço. O que existe são salpicos de pequenos nadas cobertos da viscosidade da humanidade e enterradas no lugar mais profundo da nossa alma onde o coração não chega e não sente.
Juramos amar só porque sim, só porque no momento nos parece correcto, talvez andemos demasiado tempo envenenados pela definição de amor proferida pela boca dos outros. Talvez andemos convencidos, martelados por folhetins avulsos, que é normal gostarmos e se gostamos é normal amarmos. Não, não é! Amar, descubro eu agora quase aos cinquenta anos é um pontapé nos queixos, dado quando andas distraído. um soco na boca do estômago, uma cuspidela atirada sem aviso.
Amar é na minha insana loucura, desejar nunca sentir isto . Desejar nunca passar por isto . Sejamos francos, quantas pessoas gostam de ser pontapeadas no queixo?
Já nada sei que valha a pena transmitir entre beijos, abraços e sorrisos, sobre a glória do amor no mundo ou sobre uma vida a dois. Ao fim e ao cabo, já não há finais felizes , se é que realmente os houve um dia, porque o amor não se escreve ou se fala numa linha recta. O amor enquanto dura é um sobe e desce de lágrimas, de interjeições de segredos mal guardados, de gemidos perdidos que jamais se perdura. Nasce no peito de uma criatura, para morrer de cansaço, com câimbras de tanto aguardar  o eterno retorno. Neste momento e para mim, o amor é só um parasita, um vírus ou uma bactéria que nos ataca, nos dá febre, nos tira o apetite e metamorfoseia-se em algo adverso e negro a que chamam ódio. A menos, é claro, que entretanto se administre uma espécie de antibiótico, chamado falsa esperança e o "bichito" nunca chega a ser ódio, ficando na fase do desprezo ( a meu ver igualmente mortal).
No fundo, esquecida Leonor já jurei amar, já amei, já prometi voltar a amar, já tentei voltar a amar, já pensei que amava, já julguei que também tu me amavas e agora já não sei amar. Já não consigo, já não me presto a esse acto. Como dizes? São coisas do coração que não se entendem, se explicam ou se conseguem gerir? Pois, mas tu geriste essa coisa do amar até chegar muito bem. Saltavas qual fada celeste de nenúfar em nenúfar, em bicos de pés, mantendo a candura, a elegância, o porte e no entanto ziguezagueavas planos obscuros dignos de uma Mata Hary , de queixo erguido e sem olhar a remorsos. Mas então, perguntas tu na tua bipolaridade de meter dó o que eu faço  com este pedaço de céu de duas pernas de nome bíblico, nome de santa se já não sei amar? Faço o que me apetece, faço o que tiver de fazer para a satisfazer e faço o que me competir para a entreter. Não é amor é paixão, um misto de combustão de combustível de foguetão e de lava de vulcão. Algo quente, ardente, irracional, intencional e imoral. Sou adolescente de novo, perto dela o meu coração bate desenfreadamente e tremo e me porto irracionalmente e me sinto inseguro e só me apetece morder-lhe, atirá-la ao chão, violentá-la, beijá-la e tudo o que de mais insano te passe nessa cabeça oca. Sou animal, sou um lobo feroz, sou átomos de fúria e força, sou companheiro de mau caminho, fera de sangue quente e sexo fervente...Sou eu. Um novo eu, um eu reciclado, transformado na força do sexo lascivo, predador incansável e feroz de pernas, mamas, beijos...dela.
Pela primeira vez em muitos e maus anos estou deitado na banheira, com água a ferver até ao queixo, sem qualquer tipo de espuma na água. Bebo calmamente um belo copo de Petrus Pomerol de 2014 (lembras-te quando o comprei parva Laura? quase mil euros a garrafa e porque estava em promoção...Ah,Ah,Ah cada vez que recordo a tua cara incrédula, quase engasgada. Tolice não foi? Pois foi, sobretudo agora que metade desta garrafa não a podes sacar pelo ATM. A ideia seria bebermos os dois, quando a reforma chegasse, numa despedida da vida activa...Ironicamente bebo num regresso à vida activa, ao renascimento da minha alma.)
E essa centelha de genialidade que acaba de explodir no meu pensamento faz todo o sentido. Nada será como dantes e nesta casa só há fantasmas, sombras e desgosto. Neste pseudo-lar escondem-se memórias que deixarão de fazer sentido num futuro breve. Merda, estas paredes, estas toalhas, esta banheira, estes cremes de rosto e gel de banho que nunca foram meus, nada me dizem. Esta não é a minha casa, não é a minha banheira, isto não é o meu lar é um sarcófago de um eu que morreu violentamente trocado por outro triste, outro palhaço que fará os malabarismos que puder para te agradar, que se sacrificará às tuas parvas vontades e que morrerá um dia de sede de viver e de fome de amar. Bolas, até lhe faço um brinde por solidariedade. Observo distraidamente o meu corpo por entre a água que o cerca como uma ilha... Sou tão gajo, sou tão activo, tenho ainda tudo no sítio e modéstia à parte ainda estou aí para as curvas...e contracurvas na estrada nacional de Maria minha senhora de eternos pecados.
Passou cerca de uma semana que tu partiste. Uma semana e no entanto parece que foi há bocado que li a tua carta e numa semana tudo muda! Já não sou mais a vítima do infortúnio de ter sido trocado, cuspido, deixado de lado, amarrotado como um guardanapo de papel sujo. Agora eu sei o quero, agora eu sei o que preciso e apesar de ainda não saber bem o que irei fazer, uma coisa te garanto, espectro Leonor...Tu não estarás presente! Pensando bem esta talvez seja uma das últimas cartas que te escrevo no meu pensamento. Não por não ter que dizer ou te falar, porque tenho tantas coisas para te atirar à cara e dizem que recordar é viver, mas eu sinto que já sobrevivi o suficiente naquilo que chamávamos de vida e agora que vou finalmente começar a viver não perderei o meu tempo, nem ocuparei as minhas horas mortas com o teu fantasma. Caminha para a luz, coisa Leonor que eu ficarei bem entregue a desfazer o império que criaste com o meu silêncio e parte do meu esforço.
Estamos em Novembro, sinto que amanhã é natal e desta vez este menino jesus que nascerá à meia noite, não terá reis magos à sua volta, nem burros, nem vacas, nem ovelhas nem qualquer outro quadrúpede, terá apenas e só uma Maria e melhor ainda, posso te garantir estúpida Leonor que este menino não irá a jantares de natal com a estúpida da tua família, nem usará aquela ridícula camisola das renas que sempre me "obrigavas " a usar e acredita que este cristo que na tua cruz o prendeste por muitos anos, não será mais crucificado numa Páscoa qualquer, que a Maria a minha santa Maria não o deixará.
Há vida de facto para além destas quatro paredes. Até hoje estive retido na minha falsa dor, no meu falso luto....Chamemos-lhe pausa existencial. Longe de tudo, sem me cuidar, sem querer sair para o exterior no medo secreto de te encontrar em qualquer canto escuro de mão dada com qualquer barbudo e ter de engolir em seco, disfarçar ao máximo a minha surpresa de no meu peito o meu coração ainda doer, enquanto te via a sorrir e a beijá-lo como se eu tivesse sido apenas um estúpido brinquedo, um peluche ou Ken articulado que mostravas às tuas amigas, à tua família e que subitamente perdeu a graça.
Sofri também o medo secreto de encarar a malta do escritório e o meu patrão, afinal padrinho de um dos nossos filhos e querer explicar o que realmente sucedeu connosco e não poder, por não saber ao certo. Medo de voltar a apanhar o mesmo comboio matinal de sempre e temer olhares inquisidores, gente conhecida que poderia encontrar e que inevitavelmente perguntariam por ti, pela família e que diria?
Mas agora não tenho medo, sei o que quero sei para onde vou e a meia garrafa de vinho bebida aconselhou-me muito bem. Pela primeira vez em muitos anos tiro a aliança do dedo, leio a inscrição e desato a rir...
Amanhã estarei vivo de novo e há tanto para fazer! Enxaguo-me à pressa, agarro na meia garrafa de vinho e vou fazer do colo da minha santa o meu altar...Amanhã é sempre perto demais e sabes o que digo sonsa Leonor, à laia de despedida?
Nunca temos quem realmente amamos e nunca amamos quem realmente temos...So simple as that!!





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