terça-feira, 9 de novembro de 2010

Crime ...disse ele - capitulo 1


O sujeito estacionou o Ford cinzento, diante do velho edificio.
Acabara agora de chover e ele dava uma ultima olhada ao cabelo bem penteado, com gel e de corte limpo e clássico.
Tez morena e olhos brilhantes, saltou para fora do veículo, com um sorriso próprio de quem se orgulha do que faz, e dando um ultimo jeito na gravata Giorgio Armani, em tons azulados, segurou nos lábios finos, o resto do Marlboro, que fumegava ao ritmo dos seus passos.
Era a primeira vez que visitava o Porto e esperava ele, a ultima. Não gostava da cidade, pois por norma, não gosta de chuva, sobretudo em Abril. E os sapatos que ele optara por usar, não se revelavam a escolha acertada, pois escorregavam como sabão no piso molhado.
Estacando diante da entrada do edifício, ele sorriu e levado pelo improviso, cortou uma rosa vermelha do jardim da entrada do prédio e entrou.


No segundo piso, a jovem de cabelos ondulados e olhos verdes, mordiscava a cauda da caneta BIC, sonhando com praia e verão, quando ele entrou.
Por uns segundos, deteve-se imóvel a observá-lo.De Armani vestido, parecia um galã, saido de um filme de espionagem e sem saber como, cativara-a aquele olhar calmo e um sorriso franco:
-Bom dia, em que posso ser útil?
Sem se deter, debruçou-se sobre o balcão e entregando-lhe a rosa, sorriu serenamente:
-Gostaria de falar com o Sr. Bastos!
-Com certeza. Tem hora marcada?
-A Morte nunca tem hora marcada!
Um arrepio percorreu-lhe a espinho e estudou-o momentaneamente. Como ele continuava sereno e a sorrir, encolheu os ombros e indagou:
-Quem devo anunciar?
-Betencourt. Julien Betencourt!
-Muito bem, aguarde um momento, por favor.
Gingando sobre os calcanhares, dirigiu-se até á pequena porta ao fundo, enquanto Julien estudava as suas unhas metodicamente tratadas e cuidadas.
Uns minutos passaram, até que ela surgiu sorridente:
-O Sr. Bastos, vai recebê-lo agora. Siga-me por favor.
Julien esboçou um aceno com a cabeça e seguiu-a, absorvendo o aroma de maçãs verdes que ela usava como colónia.
Num modo profissional e atento, ela abriu a porta, estendendo a palma da mão para o interior, convidando-o a entrar. Ele entrou, e segredou algo em francês ao ouvido dela, que a fez rir e só depois de ela ter fechado a porta encarou o seu anfitreão:
Bastos era um sujeito quarentão, que contrastava com os vinte e três anos de Julien, calvo, pequeno e algo gordo. Bastos tinha começado a sua actividade de Economista, numa pequena industria de Conservas em Vila do Conde, e hoje era um dos mais bem falados economistas da Cidade.
O pequeno sujeito, estudou-o momentaneamente, e levantando-se apressou-se a cumprimentá-lo:
-Bom dia, em que lhe posso ser Útil?
Julien dirigiu-lhe o olhar, e mostrando-se incrédulo com o que via, confirmou:
-Bom dia. O meu nome é Julien Betencourt e creio que não vim ao engano. Sr. António Barros?
-Correcto.
-António de Sousa Barros?
-Sim.
-Residente na Rua Valverde 540, que conduz um Mercedes SLK prateado?
-Correcto.
-Pai de duas meninas menores e casado com…
-Sim, sou eu. Por favor, de que se trata a sua visita?
-Negócios.
-Óptimo. E que tipo de negócios estamos a falar?
Julien sorriu, e sem desviar o olhar do seu anfitrião, passou a mão pelo rosto bem barbeado, cruzou as pernas e clarificou:
-Justiça.
-Como?
-Justiça.
-Ah caro amigo. Sou contabilista, não advogado.
-Contabilista?
-Sim…
-Não, não é!
-Como?
-Não é contabilista.
-Ai não? Então o que eu sou?
-Um abusador de menores e violador de crianças inocentes.
O ar de pânico invadiu momentaneamente os pequenos olhos de Bastos, para de seguida se levantar iradamente e ameaçar:
-Mas quem se julga que é? Que história vem a ser essa?
Julien manteve-se impávido e sereno, contemplando o seu opositor. Depois, pausadamente levou o indicador ao lábio, e sugeriu por gestos que ele se sentasse.
Como que hipnotizado ele obedeceu. Gotas de suor escorriam na testa branca. O visitante aguardou uns segundos e calmamente, retirou duas fotos tipo passe da gabardina e colocou suavemente na frente dele:
-Creio que conheceu estas meninas, na sua quinta em Vila do Conde. Marta e Ana, gémeas, suicidaram-se á duas semanas.
-Nunca as vi, não sei do que fala!
Julien ergueu um dedo da mão direita, e sentenciou:
-Esta é a sua primeira mentira de hoje….Como lhe estava a dizer, elas foram violadas por si, durante um fim de semana…
-Chega. É preciso ter lata, não as conheço, nunca as vi.
Julien ergueu 2 dedos da mão direita, encostou-se na cadeira e descruzou as pernas, para de seguida, continuar:
-Houve um processo em tribunal, na qual esteve presenta na qualidade de réu. A mãe das pequenas era sua amiga de infância…
-Cale-se. Quem raio julga que é?
-Eu tenho muitos nomes. Mas para si, sou Julien.
-Chega, eu não tenho que tolerar isto em minha casa. Acaba aqui.
O visitante, num modo calmo, abriu cigarreira de prata, retirou um cigarro e sem desviar os olhos do anfitrião, continuou:
-Eu estou mesmo a terminar.
-Não pode fumar aqui….Inês….chame a policia.
Quando Bastos encarou o seu visitante, viu o revólver com silenciador,apontado para ele, e quando a jovem recepcionista surgiu, o pálido homem, ficou sem saber o que dizer. Foi Julien a tomar a palavra, rodando a cabeça na direcção dela, num tom calmo e de sorriso rasgado, comentou:
-O Sr. Bastos está quase a morrer…por um café. Será que seria possível…
-Com certeza. Trago café Sr.Bastos?
-Dois por favor. Ah, o meu com dois pacotes de açúcar, que eu sou muito dado a doçuras.
A jovem aguardou um pouco, esperando a confirmação do seu superior, até que prontamente ele assentiu, com um ar carregado:
-Isso, traga dois cafés. A ver se isto acalma.
A jovem encolheu os ombros e retirou-se. Assim que a porta fechou, Julien afastou a gabardina, exibindo novamente o revolver, levantou-se e apontou-o na direcção de Bastos:
-Está louco homem. Eu fui ilibado pela justiça, você não pode..
-Eu, Julien , pelo poder que me foi dado pelas mães de todas as crianças que molestou…
-Calma, vamos falar. Eu tenho recursos, podemos chegar a um acordo
-….por todas as crianças inocentes que violentou, e abusou..
-Eu passo-lhe um cheque. Em branco…a sério.
-…Declaro-o culpado e pecador. Seja feita a Justiça divina.
-Não, espere eu..


….Tump…Tump…


Ao longe ouvia-se o trabalhar da máquina de café. Calmamente, Julien apagou o cigarro, guardou a beata no bolso. Do outro bolso, retirou a máquina Sony, tirou duas fotos. Rapidamente rodou a cadeira de Bastos, de modo a que ficasse de costas para a porta e comentou entre dentes ( duas mentiras, duas balas), e saiu
Como calculara, desde que entrara e vira que a máquina de café ficava no sentido contrário à porta da saída, ele sabia que teria tempo de chegar à rua antes que o corpo fosse descoberto.
E já cá fora, o grito estridente e o som de chávenas a cair, mostraram que ele tinha razão.
Ligando o motor do seu Ford, Julien lambeu algumas gotas de chuva que escorriam pela face, e gracejou:
-”Lágrimas de Deus , em face de anjo…Amo!”.

1 comentário:

  1. Sinceramente RP tens aqui matéria para criares nova história inesquecivel.
    Uma personagem central controversa , este Julien, uma espécie de justiceiro, o mesmo diálogo non sense que em ti é hábito, e os pormenores. Sempre os pormenores visuais da flor, do fato, dos sapatos, do cigarro.
    RP desenvolve e aposta mais, esta é , creio eu, a terceira vez que tentas pegar em Julien.
    Já li este no Waf, e no em jeito.
    Eu aposto que á terceira é de vez.

    Hugo

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