sexta-feira, 4 de março de 2011

A Vã Glória de Te Amar - Capitulo 4 - Parte 4


Era absolutamente indiscritível o prazer com que Marta Reis se dedicava a analisar e desfragmentar um passado mal esquecido e nunca negligenciado. A “fome” de escrever era proporcional ás lágrimas, que o corpo nunca mais poderia esconder.
No fundo era a sua terapia,o seu salvo-conduto para a paz de espirito que há muito buscava.
Quando escrevia, sentia que “fugia” do que a rodeava, que partia em direcção ao espaço imenso, onde a via láctea eram os seus pensamentos e os Planetas os medos que não conseguia perder.
A cada linha porém, o seu corpo ficava mais forte, os seus lábios recuperavam a cor de um beijo de Verão e  a sua alma secretamente cantava.
De súbito, estacou diante da folha do rascunho e bateu da mão aberta,no tampo da mesa de cabeceira, adaptada a secretária. Música, era isso que lhe faltava! Sorriu ante a ideia e dobrando uma folha A4 imaculada em duas partes, apressou-se a tomar nota: ” Comprar um rádio….e Tabaco!”.
Tudo havia começado quando descobriu por acidente um caderno de um tal Vega, que sem se aperceber, foi-se tornando a sua única companhia. Marta que sempre adorara ler, nunca atribuíra no entanto grande sigificado aos livros em si. Lia para se entreter e muitas vezes, nem cuidava que alguém de carne e osso  se oferecia, para através das palavras lhe proporcionar uma “fuga” ao meio envolvente.
Mas com Vega isso acontecera! Ela havia tomado consciência que por vezes a melhor forma de enfrentar um medo ou uma adversidade era através da escrita. Por outro lado, sentia a sedução de escrever para ela e apenas para ela, bem diferente de quanto tinha de escrever relatórios médicos, com o cuidado especial de tentar perceber se seria inteligivel e clara para quem a lia.
Com Vega, percebeu que no fundo, a melhor forma de escrever era para ela mesma, uma espécie de diário mas simultaneamente um manual de inspiração para outras mulheres, vitimas de violência doméstica.
Era isso que verdadeiramente a movia, isso que verdadeiramente a catapultava. Não escrevia com a grande vontade de um dia editar um livro, não acreditava muito nisso, mas acima de tudo de esconder o diário para a próxima alma que o encontrasse.
Apesar de escrever de improviso, com base nas recordações do seu passado, escrevia de uma forma estruturada, organizada. Toscamente alinhara uns rabiscos numa folha, como capítulos ou módulos e ia seguindo esse principio.
Como ela cedo percebera a tarefa de escrever não só era absorvente como lhe ocupava todos os minutos. Escrevia para se libertar da Marta vitima e acima de tudo escrevia para se enfrentar, num mano a mano com ela mesma e esperar que de tal contenda saísse uma Marta mais forte, mais verdadeira, mais justa.
Paralelamente o dinheiro que havia conseguido para encetar a fuga do passado e iniciar uma vida nova começava sériamente a escassear e sabia que mais cedo ou mais tarde, poderia ser confrontada a sair do quarto que à pressa alugara.
Ela que nunca se viu em dificudades económicas, ao pensar neste item, pousou a caneta, sacudiu os cabelos e coçando a testa num sinal de meditação, concluiu que já não poderia avançar muito mais na escrita nesse dia.
Serviu-se de uma bolacha de água e sal, (que fazia parte da sua ração de “combate” diária, nestes últimos tempos) e numa tentativa de ignorar a fome, pegou trémulemente no caderno de Vega e sentou-se a ler.
Vega estipulara um capitulo inteiro à entrega do trabalho à sua chefe Glória. Marta reparou no cuidado com que o autor agrafara um bilhete dos STCP e com um sorriso sentimental consultou a impressão do bilhete. Viu o numero da carreira ( autocarro 28) e a hora 19,45H. O pormenor de Vega em marcar uma dobra no bilhete, provavelmente com um X-Acto ou tesoura, para que o leitor pudesse ser, sem arrancar o bilhete surpreendeu-a. Aumentando mais ainda a sua curiosidade, o autor tinha escrito numa letra diferente, mais redonda, mais lúcida, mais interessante, para que o leitor não perdesse qualquer frase da página:

“Chegara o grande dia e em sitonia com tamanha vontade eu acordara deliciado pela chance que teria de causar furor na Glória. Talvez fosse de facto mais fácil simplesmente convidar a pessoa em questão para jantar, ou ir ao cinema, mas caro leitor eu receava ser aniquilado com um Não como resposta e assim colocar em causa não só o meu posto de trabalho, bem como o meu Ego. Por outro lado, se eu me afirmasse dentro do jornal e cativasse a sua atenção, decerto que surgeria inevitávelmente a oportunidade de uma conversa mais informal e quem sabe poder abrir dum fórum até casa dela.
Escolhi o melhor fato que tinha e de sapatos de verniz, fui a pé aproveitando a serena manhã de verão até ao jornal. Como habitualmente, passei pelo café ali perto, devorando um pastel de nata acompanhado de um cimbalino.
Não sei como explicar mas gosto de ver a agitação de um balcão de café logo pela manhã e gosto do cheiro dos bolos e do café no ar.
Estava num excelente estado de espírito e nem a presença do meu rival do jornal perto me demoveu.
Fui o primeiro a chegar à redacção e foi com esforço que tentei esconder o meu sorriso rasgado de vitória.
Num acaso da vida, próprios daqueles momentos em que julgando termos a certeza de nossos actos e julgando-nos super confiantes, num acidente a verdade se revela. Como habitualmente faço na redacção assim que chego, dou um pequeno ” giro” pelas secretárias vazias, olhando por alto os papeis nos tampos das mesmas. É apenas uma “cusquice” profissional e não própriamente um espiar profissional.Acima de tudo, creio é uma tentativa vã de comparar-me aos jornalistas a sério e ver em que grandes reportagens trabalham.
Foi assim, que acidentalmente a minha vaidade e coragem ruiu como um castelo de cartas em segundos!
No tampo da mesa de trabalho de Morais, uma capa pomposa de cartolina guardava religiosamente as folhas da sua composição sobre o trabalho a apresentar. Ignorando uma leitura do texto de introdução, dei uma vista de olhos ao cabeçalho e para meu desgosto e assombro constato que o “animal” está encarregue do mesmo tema que eu!
Sem reflectir , corri a fechar a porta da redacção  e sentei-me abruptamente a ler. Era um trabalho de 12 páginas bem escrito, com pareceres de psicólogos contactados, com gráficos de classes etárias, com….Com muito mais apresentação e profissionalismo que o meu.
Eu, que andei a perder tempo a aturar miúdas de 12 e 14 anos, que me fiz passar por agente de estudos de mercado, constato agora que não passei de um amador diante de Morais.
As pernas tremiam-me e em pânico meditava nas minhas 5 páginas escritas sem qualquer base de sustentação.
“A liberdade dos jovens na escolha dos mais diversos estilos de visual.” Era afinal o meu enterro! Claro que poderia fazer desaparecer o trabalho, mas o mesmo já devia estar redigido à máquina e entregue a quem de direito. Só iria servir para me expor mais ao ridiculo!
Como se transportasse todo o peso do Mundo nas minhas costas, arrastei-me de volta á porta da redacção, onde a custo soltei o trinco e pesarosamente ocupei o meu lugar diante da minha mesa de trabalho. Atrapalhado consultei o relógio, eram exactamente dez para as nove. Ás nove em ponto, Glória chegaria e outro remédio  eu não teria senão entregar a minha outrora brilhante peça de jornalismo.
A verdade é que não havia muito por onde fugir e desta vez, a esperteza saloia não me fornecia qualquer carta na manga.
Sinceramente Vega, o que tu pensavas? Que ias porventura chegar a uma grande cidade e impressionar todos com as mais finas prosas jornalísticas de todos os tempos? Que ias ensinar aos já “cegos” desta redacção como se descobrem grandes furos? Que outro resultado poderia suceder senão a tua completa humilhação? . As questões que me colocava a si mesmo eram como socos dirigidos à boca do meu estômago. Subitamente sentiu-se mal, com suores frios e bastante indisposto.
O Stress e a agonia misturavam-se no meu ser revolvendo o pastel de nata e o café na minha barriga.
Em segundos parecia que a minha cabeça iria explodir, quando qual carrasco de machado erguido e afiado ela entrou.
Mesmo sabendo que iria ser humilhado não pude deixar de sentir melhorias no meu ser. Era como se o oxigénio fosse sendo renovado á medida que ela passava, no alto dos seus saltos altos de sorriso aberto e cabelo cuidado.
Que diabos, poderia ser humilhado, mas só o prazer de ter esta visão todos os dias bem valia o linchamento.
Observei pelo canto do olho o Morais a reunir as folhas, e pude constatar facilmente o ar de superior do individuo. Ah, mas ele devia ser algo, pois ao guardar o seu trabalho, notei que me olhou com um ar altivo, próprio de quem tem dois Ases num jogo de póker.
Cumprindo o ritual da redacão, assim que mentalmente demos tempo para Glória se sentar avançamos em uníssono para o seu gabinete carregando as folhas do artigo, como quem carrega um testamento.”
A leitura aprisionava-lhe a curiosidade quando, sem qualquer aviso o insólito apanhou Marta desprevenida.
Um pardal ousara romper a fronteira do seu pequeno quarto, aventurando-se num voo irregular, numa invasão se plano delineado.
Refeita do susto, ela deteve-se por segundos a calcular a melhor forma de se ver livre do intruso. Não o queria magoar e reconhecia o seu pouco jeito, como cidadina que era para lidar com animais.
Não sabia como resolver a questão e a verdade é que sabia que ambos estavam assustados!
Deum lado para o outro o pardal circulava no seu pequeno quarto, chocando esporadicamente com a mobília, ate que num voo rasante encontrou a saída deixando uma Marta ainda incrédula com a visita.

1 comentário:

  1. A beber um cházinho e a ler este conto romantico, hummm maravilha!!!

    Sera que o artigo dele vai ser o escolhido??!! (eu acredito q sim ;) )

    deixas me sempre curiosa, ansiosa para ler mais!!!
    Que venha mais

    bjos

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