terça-feira, 22 de novembro de 2011

O acordar dos sentidos - Capítulo 1 - parte 5 - " Dia da comunicação ao País"


"Vivemos aquilo que a vida nos põe na mesa,
na certeza porém,
de que não adianta reclamar,
se está salgado, ou insosso,
ou existe alergia alimentar...
Ela venda-nos os olhos e obriga-nos a comer."


http://librisscriptaest.blogspot.com/2011/10/as-intermitencias-da-vida.html


Novembro de 2012- Gabinete do Primeiro-Ministro. Lisboa

Ainda atónito por tão estranho acordar, o Primeiro-Ministro esforçava-se por se mantêr calmo e indiferente à fina chuva que caía, num dia tão peculiar quanto o que agora se iniciava.
Preparava uma comunicação ao País, pressionado pelos constantes cortes orçamentais e aumento de impostos impostos pela Troika e apesar de não ter na manga qualquer trunfo, não poderia deixar transparecêr ao País, que apesar de todos os cortes, apesar de todos os sacríficios que em 2011, na aprovação do Orçamento de Estado pedira aos Portugueses, as metas propostas pela Troika, não estavam de facto asseguradas.
Mais grave que tudo isso, éra a necessidade urgente de nova tranche financeira que teria de vir do Banco Central Europeu. Era a unica esperança para um território dizimado pela fome e pela contenção.
Os Portugueses eram um povo brando, com a consciência criada em 2011 que com os esforços pedidos, a crise seria atenuada e em fins de 2012, Portugal retomaria a sua economia, retomaria o caminho de fuga dessa mesma crise.
Afinal, as coisas não eram bem assim. Por mais cortes que foram feitos, por mais acertos na máquina governativa que foram implementados, as metas não estavam ao alcance ainda de Portugal.
Só haveria uma solução....O aumento de mais impostos, o tentar percebêr novas formas de taxar no povo, o tentar um milagre de recurso.
Em 2011 a própria Espanha tinha optado por um novo rumo, elegendo um membro do Partido popular, cujas ideias e reformas eram similares às então adoptadas pelo Governo Português perante a troika.
O incómodo do surgimento de Franco, numa mera tentativa de desestabilizar mais a opinião pública tinha vindo de facto na pior altura para o seu governo e sem ter tempo para respirar, o Primeiro-Ministro atendeu uma chamada, após ponderar uns segundos se deveria ou não a atender:
-Senhor Presidente, bom dia.
-Bom dia, creio que já se apercebeu dos cartazes de propaganda no País? - O timbre de voz do representante máximo da Nação era sêco e cortante.
-Perfeitamente senhor.
-Bom e o que tenciona fazer em relação a isso?
Esta era aquela pergunta para a qual ele de momento não estava na disposição de responder, mas como era óbvio não o poderia deixar de fazer, sobretudo quando é o próprio Presidente da Républica que o questiona. Nervosamente, tentou articular a ideia de que o melhor caminho, seria desvalorizar o seu antagonista:
-Senhor Presidente, creio que se trata de uma manobra, que tem como único fundamento, o desestabilizar da ordem pública. Estou certo que poderiamos exercer certa pressão, ao abrigo do código penal contra este sujeito, dado que se trata claramente de um atentado ao Estado de Direito e por justaposição à Républica.
-Pode crêr que é um vil atentado...
-Mas, senhor presidente, creio igualmente que se formos por esse caminho só iremos dar força a um plano terrívelmente terrorista para desacreditar o Governo.
Após um curto silêncio, o Presidente murmurou com pouca convicção:
-Então na sua opinião, devemos estar calados e quietos?
-Bom, não tanto. Eu hoje vou, como sabe, fazer um comunicado ao País e no final, concentrarei em mim as atenções da imprensa e desvalorizarei em público esta palhaçada.
Um sorriso sarcástico estalou do outro lado:
-Claro, que grande plano! Vai estar uns minutos a anunciar ao Povo Português, que todos estes incríveis sacríficios não foram suficientes , que vai ser preciso gerar novas receitas através de impostos e no fim, quando eles já estiverem incrédulos, ainda dirá que essa nova oposição não sabe do que fala? Francamente, duvido que possa ser bem sucedido.
O Primeiro-Ministro engoliu em sêco, procurando digerir com toda a calma o comentário sarcástico do seu interlocutor:
-Bem, talvez eu desvie as atenções, se o disser de outra forma!
-Se algo o seu antecessor tinha era uma capacidade única de "tapar o sol com a peneira". O que eu acho é que esta nova oposição não deva ser ignorada, nem tão pouco criticada. O que eu acho, é que deveria aproveitar este balanço desse Franco e dos seus cartazes, para o transformar numa preocupação colectiva.
-Não sei se compreendo, senhor...
-Calculei que não. O que pretendo afirmar, é que tal como a Oposição, tambem o próprio Governo sofre com estas medidas e que está do lado do povo, mas tem de fazer crêr, que este é mesmo o caminho certo, que esta é a única medida possível.
-Compreendo.
-Compreenda tambem que há uma enorme pressão da Alemanha e França para que Portugal se segure. Não queremos qualquer "colagem" com a Grécia, como em 2011, muito menos com a Itália no inicio de 2012!
-Sem dúvida.
-Futuramente esteja mais vigilante!
-Senhor,creio contudo que seria oportuno conhecermos mais sobre este Franco.
-Tenho o S.I.S. a tratar disso, se houver uma única nódoa saberemos.
-Perfeitamente.
-O tempo corre depressa e seja convicto na sua declaração ao País!
-Serei, senhor Presidente.
-Que ideia era aquela de o Governo cortar o rendimento mínimo?
-Apenas um boato sem qualquer fundamento, senhor Presidente.
-Tenha cuidado com o que faz.
-Perfeitamente.
Assim que a chamada terminou ele atirou com o telémovel para cima do tampo da mêsa, enfrentando o seu braço-direito, assim que este entrou no gabinete:
-Quem é este homem, o que ele sabe, onde ele vive, quantas amantes tem?
-Não sabemos ainda senhor.
-Raios. Não vou ser humilhado por um idiota armado em general Spínola.
-Sidónio Pais, senhor!
-Como?
-Certos meios de comunicação já o comparam a Sidónio Pais, pelo seu carisma e pela capacidade de envolver o povo.
O sujeito de gravata azul, assumiu um ar furioso, passou nervosamente a mão pelos cabelos e sentando-se à secretária, encarou o seu sub-alterno com um olhar fulminante:
-Mas que raio s passa convosco? Um triste, sem pasdsado partidário, surge a anunciar umas teorias de cordel e já é um Sidónio Pais? daqui a pouco vão dizer que ele é D.Sebastião ou Sá Carneiro! Ele é um triste com as costas quentes e creio que muito quentes, mas apenas isso.
-Compreendo senhor Primeiro-Ministro...
-O próprio presidente trata-o como se fosse uma ameaça....Deu-me nas orelhas, a mim que sou cada vez mais o futuro político deste País!
O tom exaltado do dujeito cortava o ar como uma série de trovões:
-Eu afastei o anterior ministro com uma táctica irrepreensível, usei todos os argumentos, estive na batalha pelo poder, de uma forma tão correcta quanto um futuro líder poderia estar.
-Sem dúvida e aquela saída de tambem ter uma costela africana granjeou alguns fotos.
O sujeito encarou o seu sub-alterno e visívelmente incomodado com o aparte, continuou:
-No campo da política, por vezes temos de ser líricos ou poetas, que o diga o meu amigo Manuel Febre, mas isso não inviabiliza a estratégia em si...Aliás é isso mesmo!
Habituado a monólogos por parte do seu suprior, o seu braço-direito, deixou-se ficar impávido e sereno. Sabia que quanto mais abrisse a boca, mais o enervaria:
-Sabe o que eu preciso?
-Não senhor.
-De um novo ponto de vista!Trate de descobrir alguem que me oriente em frente às câmaras. Alguem que me ensine os modos correctos, que me dê carisma.
O olhar de descrédito e surpresa surgiu estampado no rosto do seu interlocutor e a custo, proferiu:
-Mas senhor, já temos alguem que...
-Não serve. Não tem vocação para isto. Certamente esse franco deve ter alguem....Trate disso!
Como que encolhido diante da nova missão, o sujeito levantou-se pesadamente, estudando meticulosamente uma forma de intervir e como não a encontrando, dirigiu-se para a porta:
-Espere. Convoque o meu Staff para uma reunião informal após a comunicação ao país. Quero sabêr exactamente o que cada um deles pensou!
-Sim senhor.
-Tenha tambem consciência que....
Um leve bater na porta, interrompeu o seu pensamentó e eianda muito enervado, ordenou:
-Entre!
-Desculpe incomodar senhor Primeiro-Ministro, mas acho que deve vêr isto o quanto antes!
O anfitreão olhou outro seu sub-aletrno, ainda incrédulo perante uma interrupção pouco ética:
-Jaime que diabo, sabe perfeitamente que não pode entrar sem avisar que...
-Senhor, penso mesmo que deve vêr isto o quanto antes!
-Muito bem....Vêr o quê?
Agindo activamente, o jovem pertencente ao Governo na pasta das minorias éticas e filiado na JSD, avançou obstinado e ligou o televisor no canal 5.
Num misto de incredulidade e nervosismo redobrado, o Ministro escutou atentamente o que franco dizia:
-Estou certo que hoje Portugal acordou confuso e sinceramente registo com agrado, todas as manifestaçãos de carinho e apoio que tenho recebido nestas ultimas horas. Os Portugueses podem estar descansados, pois não pretendo de forma alguma colocar o nosso Estado de Direito em perigo e muito menos atentar contra o principio de liberdades e garantias estabelecidas na Constituição. O que o meu partido pretende é apenas consciêncializar um Povo, uma Nação. Assim, se realmente for lícito da minha parte expôr ao certo o que se pretende com a "Grande Marcha", terei todo o gosto de aqui e agora, convocar uma comunicação à impresnsa, na sede do nosso partido, por volta das 14 horas.
De cabelo apanhado atrás das costas e não escondendo um sorriso de satisfação, a repórter atirou a questão:
-Porque não o comunica agora, dado que já está "no ar"?
O líder sorriu perante a provocação e sem perder o seu ar calmo e o seu olhar penetrante, respondeu:
-Porque esta grande nação merece que lhe fale de uma forma sustentada e segura. Porque seria pouco ético,privar os seus colegas de outras estações do direito a conseguirem igualmente essa informação.
-Mas porquê as 14 horas? como sabe, o Primeiro-Ministro têm agendado para essa mesma hora...
-Apenas por uma questão de agenda, nada mais. Como disse anteriormente, vivêmos num País Democrático e por coincidência, os seus colegas solicitaram uma entrevista, pelo que a unica forma de reunir o bem-estar de todos e o acesso à informação será apenas nessa conferência de imprensa na abertura das 14 horas. No entanto, para o bem-estar da nação e para evitar qualquer mal entendido, farei seguir, se preferirem um comunicado escrito e evitarei assim ser mal interpretado na junção de horários.
-Então, será um comunicado aberto á comunicação social ou não? - A repórter estava já ligeiramente confusa.
-A ideia é essa, mas só será viável se alguem aparecêr para a cobertura, caso contrário enviarei por escrito.
Surgindo a face de verónica em grande plano no ecrã televisivo, ela confirmou:
-Cerca das 14 horas, o líder do Partido da Frente Revolucionária, fará em primeira mão o anúncio e o verdadeiro conteúdo e significado da Grande-Marcha, anunciada para um dia antes da Greve Geral e aqui no canal 5, poderá seguir essa declaração em directo.
-Merda! - Bradou o Primeiro-Ministro-Que pode ele esperar? Entrar em guerra de audiências consigo? Por amor de Deus, o pobre coitado vai ser ignorado.
-Talvez. Mas o canal 5 estará lá! - respondeu secamente o político.
-Mas mesmo assim, esse canal mal tem audiência.
-Saiam. preciso de pensar...Saiam!
Com um nervoso miudinho, os dois sujeitos saíram, com a crença efectiva que os dias não mais seriam iguais.

6 comentários:

  1. O primeiro ministro denota, já, um certo nervosismo em relação ao seu inconveniente opositor, na verdade aquilo q ele alcunhou de mera petulância começa a ganhar contornos ameaçadores de popularidade!
    Esta semana ainda há mais??? LOLOL
    Beijinhos em ti!
    Inês

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  2. Inês Dunas,

    De facto o cerco começa a apertar em relação não só ao Primeiro ministro como a todo o Governo.
    Franco parece ter o condão de ser quem o Povo precisa e a rotulagem a Sidónio Pais, não é apenas uma caricatura.
    A ver o que sai.

    Sempre deliciado por teus comentários.
    :)

    Beijos

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  3. Existe alguma maldade nos seus textos,talvez por alguma má-deformação partidária em colocar um primeiro ministro tão negativo,quando na verdade o não é. Tudo o resto são imaginações sem rigôr. Mas podia ser muito pior.

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  4. Sr Anónimo:

    Desde já grato pela sua visita, e creia-me, encantado com o seu comentário.
    Na verdade o simples facto de depois de ter lido esta pequena peça de ficção, a conseguir verdadeiramente enquadrar no Portugal actual, mostra a mim, enquanto autor o trabalho de dever cumprido.
    Garanto-lhe contudo que não possuo fidelidade partidária, religiosa ou outra, excepto a futebolística e nada me move contra o Governo actual ou seus representantes.
    O intuito é tão somente o de criar um conto que promova um acordar de pensamentos.
    De facto podia ser muito pior, mas quer acredite quer não, estou deliciado com os resultados alcançados até este momento.

    Um abraço

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