quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O acordar dos Sentidos - Capítulo 2 - O discurso de Franco


"Bandeira da Mocidade Portuguesa Feminina"

"Houveram gestos de promessas que não fizemos,
que comeram os restos que ficaram no prato das frustrações...
E aqui jazem as migalhas das ilusões todas,
entre a chuva que escorre por ti abaixo,
debaixo do olhar de tanta gente."

http://librisscriptaest.blogspot.com/2011/12/chuva-acida.html

Finais de Novembro de 2012 -Rotunda do Marquês de Pombal. Lisboa

Ao contrário do que todos viram pela televisão na figura do Primeiro-Ministro, Franco surgiu na hora agendada diante do varandim que dava para um dos principais acessos à rotunda.
Não chovia, não fazia muito frio e como se ele tivesse ensaiado esse numero mais de cem vezes, esperou que o hino do partido acabasse de tocar e surgiu com a sua farda impecávelmente limpa e o seu pequeno chapéu a imitar De Gaulle, com olhos de lince e numa imagem de completa austeridade que era impossível para os que assistiam pela televisão, ficarem indiferentes àquele poder que ele transmitia.
Automáticamente, três dos seus homens , igualmente fardados acompanharam-no no varandim,enquanto no piso de baixo, a vigiar a porta principal do edifício outros três homens fardados, cruzaram os braços diante de um reduzido numero de simpatizantes ou apoiantes que aguradavam pelo discurso de Franco.
O sujeito, pareceu ignorar a fraca assistência, como se acreditasse apenas na força do televisão, ali presente e sorriu. Num sorriso quase interceptível, quase misterioso, quase supérfulo. Mas um sorriso que complementava todo aquele visual e que acrescentava ainda mais força à sua figura. Não era de todo um sorriso forçado, plastificado, treinado. era um sorriso genuíno de quem acreditava ter chegado a sua hora de brilhar.
Verónica, a repórter do Canal 5, que tivera a sorte de desde o início se encontrar na vanguarda do auge deste partido, torcia os dedos num secreto tique nervoso, pois tambem ela se deixara cativar não só pela figura do líder do partido, mas acima de tudo pela coragem deste em dar a cara e num momento tão difícil da economia Nacional e Mundial, apostar no orgulho e afirmação do povo português.
Contudo e apesar de ser ainda jovem , verónica tinha a perfeita consciência que só um discurso potente, eficiente e emotivo, poderia de facto lançar Franco na simpatia da opinião pública.
Do alto do varandim, regulando a altura do microfone da rádio TFF e do Canal 5, a voz pausada e austera de Franco surgiu prontamente audível nos lares Portugueses, nos auto-rádios dos carros, nos pequenos e grandes escritórios e ecoou na rotunda, cortando o ar como um trovão:
-Caros Amigos; tinha de facto um discurso escrito, preparado, cuidado. Um discurso que me levou dias a escrever, na secreta ânsia de escolher as palavras certas, na secreta ideia vos agradar.
Num gesto mecânico, Franco procurou a câmara de televisão, para continuar:
-Mas caros amigos, depois de ter presenciado o discurso do Primeiro Ministro cheguei à conclusão de que mais do que nunca, todos vós precisam de ouvir algo genuino, improvisado não pensado. Assim que numa forma, talvez não muito ética de estar na política, abrirei o meu coração e pensamento a vocês. Serei, no fundo uma espécie de trapezista sem rede. Serão vocês a ajuizar aquilo que realemnte tenho para vos dizer.
Num calafrio Verónica arrepiou-se. A ideia dele em improvisar, não lhe parecia de todo uma ideia feliz e agora que ele tinha a grande possibilidade de brilhar após o fracasso do discurso do Governo, parecia-lhe  excessiva toda este improviso.
-Assim, que em primeiro lugar, e enquanto Português, não posso ficar indiferente ao estado da nossa Nação.Pergunto, o que é feito da garra do Povo português? Nos que cruzamos mares,que demos novos mundos ao mundo, que abrimos caminhos impensàveis, mostrando novos Povos e novas culturas, somos agora paus mandados de uma União Europeia, de uma política de globalização, cuja única preocupação é obrigar, não só Portugal, mas copmo Grécia e itália, a não produzir, a não investir. Forçam-nos a comprar o que é deles, estabelecem limites à nossa agricultura, estipulam cotas máximas de produção de leite e...Nós ficamos parados, conformados, entregues ao vil consumismo desenfreado.Depois da excitação do Euro, depois de nos terem surripado essa moeda histórica, parte da nossa cultura que era o escudo, agora especulam sobre o fim do Euro, sobre o regresso ao Escudo, aos dracmas, às Liras.Então eu pergunto...Mas andamos a brincar todos estes anos?
De braços abertos e erguidos como Cristo redentôr, Franco encarava os primeiros aplausos com o mesmo ar sério e fechado, com que iniciara o discurso.
Não havia na verdade, qualquer folha de papel diante de Franco, não havia, segundo o que Verónica podia vêr, nenhuma prévia articulação de ideias. Encostada no seu canto, perfeitamente focada e concentrada nas palavras de Franco, ela sentia que de facto, o que ouvia nunca poderia ter sido memorizado:
-Não me interpretem mal, eu apoio a républica enquanto garante dos nossos direitos, liberdades e garantias enquanto cidadãos. Eu apoio a livre iniciativa, a livre troca de ideias, o direito à palavra que nos chega desde a Grécia Antiga. Mas aquilo que eu não aceito é que se possa castigar todos aqueles que acreditaram e elegeram um membro para o Governo para defender os seus interesses. Penso que durante este processo, houve sempre algo que se perdeu e francamente tenho dúvidas se este possa ser o modelo perfeito para todos nós. A Républica, tal como a conhecemos hoje, é exactamente como o Euro. Uma ilusão!
Por momentos, Verónica sentiu um certo desconforto entre a assistência:
-Mas meus amigos, não sou um salvador da pátria, nem me compete a mim hostilizar o já degradado interesse Nacional. Aquilo que realmente defendo é a ideia de que nós Portugueses, enquanto empreendedores fazermos a diferença. Arregaçando mangas, recuperando o nosso orgulho e demonstyrando de uma vez por todas as nossas capacidades. Afinal, temos uma território abençoado, temos um conhecimento agrícola elevado, temos uma costa pescatória e gente do mar, capaz de fazer a diferença.
Temos no comércio, marcas portuguesas de elevada qualidade, quer no ramo da cortiça, quer no ramo do mobiliário, quer mesmo no calçado. Então eu pergunto, conseguimos ou não fazer melhor que outros Povos?
Uma verdadeira chuva de aplausos ecoou com estrondo, apanhando uma Verónica desconcertada na assistência:
-Povo Português, é urgente acordar! É necessário sair desta letargia trazida por uma Europa a duas velocidades. E sabem porquê? Porque falar Alemão ou Francês, não é a mesma coisa que cantar o nosso fado em Português! Por isso, este partido adoptou a ideia de uma marcha silênciosa até à Assembleia da Républica. Somos contra as greves, pois achamos que o País, não pode nem deve deixar de produzir, mas simultaneamente acreditamos no dever e direito do Povo Português se manifestar. Por isso eu proponho que o façamos juntos, em silêncio, daqui a dois dias. Iniciaremos a marcha às seis horas da tarde, sem tambores, sem gritos, sem canções. faremos uma vigília nocturna por Portugal diante da Assembleia e se ainda houver resistentes, cantaremos a alvorada mostrando que somos conscientes da nossa situação, amantes da nossa história e dispostos a lutar pelo nosso Futuro.
Os aplausos continuavam incessantes:
-Aquilo que eu proponho é uma nova forma de estar, de inovar. Um vento de mudança, um grito de confiança em nós e por nós. Meus amigos, este é o momento, esta é a altura certa de acordar, de protestar e de mudar. Talvez o futuro seja como as dores de parto, duras mas necessárias. Talvez muitos de nós tenhamos de suportar de novo as dores de crescimento, mas aquilo que realmente poderemos fazer, é o nosso alento. Homens, mulheres e crianças, vamos amar Portugal!
Nesse preciso momento, saindo pela porta principal um pelotão de jovens raparigas, empunhando a bandeira do partido, apressou-se a desfilar de um modo correcto, distribuindo chapéus, velas e bandeiras com o dístico do Partido, recomeçando o som do Hino do Partido a vibrar nas colunas improvisadas sob o varandim, num refrão de fácil mentalização:

"És a minha alma, ó Terra abençoada
 És a minha Diva, ó Terra Amada
A Ti eu amo numa fé Imortal
 A Ti digo, para sempre Portugal!"

Para surpresa geral, as jovens, Franco e os seus homens acompanhavam a cantar em coro o refrão e quase sem se dar conta tambem Verónica o cantarolou, diante da estupefacção do seu colega de estúdio, que se esforçava por desviar a objectiva dela, não querendo mostrar a sua falta de ética.
Aproveitando toda aquela dinâmica, agora que Franco se retirava, a jovem centrou-se diante da câmera e concluiu o seu directo:
-Directamente da rotunda do Marquês de Pombal, esta foi a transmissão do discurso do líder do Partido da frente Revolucionária, discurso esse que marcou um claro apelo à mobilização do Povo Português para a Grande-Marcha, que iguialmente será transmitida em directo, aqui no Canal 5. A todos os que nos acompanharam pela televisão, uma muito boa tarde.
Assim que a luz vermelha da câmara se desligou, Verónica olhou de soslaio para o varandim, e enquanto as jovens recolhiam ao interior do edifício, soltou entre dentes:
-Diabos me levem, se ele não memorizou o discurso. Isto foi mesmo ensaiado. -Acendendo um SG Ventil, continuou o monólogo - Sacana do gajo é mesmo bom!
Estarrecido diante do televisor, o Primeiro-Ministro sacudiu a cabeça negativamente e a sós ,percebeu claramente que Franco lhe iria trazer problemas graves.

2 comentários:

  1. Cá estou eu, na primeira fila maravilhada com a tua imaginação e igualmente maravilhada com este conto que não pára de surpreender.
    Brutal a ideia das miúdas
    Eu votava neste Franco! Lol

    Eh pá. continua!
    (anita)

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  2. LOLOL Este Franco é inspirador!! Sabe mesmo usar os holofotes e apelar ao padrão dos descobrimentos q existe dentro de cada um de nós!
    :))))
    O primeiro ministro está tramado!! ;)
    Beijinho grande em ti!
    Inês

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