segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O acordar dos Sentidos - Capítulo 2 -parte 3



"Nascemos peões felizes querendo experimentar o mundo,
atingimos a maioridade num galope ambicioso...
Somos apresentados à magoa e à desilusão e descobrimos
que somos torres edificadas de resistência,
mas vulneráveis aos sismos da vida..."

Inês Dunas: " Xeque-Mate"
http://librisscriptaest.blogspot.com/2011/12/xeque-mate.html

Fins de Novembro de 2012 - Saldanha.Lisboa
De mãos nos bolsos numa atitude de clara preocupação o líder da fracção de Extrema-Direita,digeria devagar o discurso de Franco na televisão.
Havia qualquer coisa naquele homem, que o impedia de o odiar e ele era um sujeito que amava odiar alguém.
Aprendera na força da vida que o ódio é o perfume das massa, o vírus da desgraça,o método mais fácil de condução de sentimentos.
Todos nós aprendemos e sabemos odiar, como lhe dissera em tempos o seu tutôr. nada mais verdadeiro, pensou ele com um sorriso plastificado.
Num modo ausente percorria a calçada, indiferente aos décibeis das colunas estratégicamente colocadas, que o invadiam com melodias de Natal.
Não fazia frio e a chuva não surgira e mais uma vez, tudo apontava para que no dia da Grande-Marcha, anunciada por Franco não iria chover.
A verdade porém, é que o seu vil plano de provocar o caos e a insanidade, através de actos de violência durante a mesma, esfriara até níveis glaciares e o que mais o atormentava era ter de enfrentar o seu séquito, com essa mesma notícia.
Bolas, pensou ele remoendo um coro de crianças que lhe profanavam os tímpanos, eu sou o líder, de mim esperam que eu proceda de acordo com o que nos foi transmitido, de acordo com o carácter preciso desta missão que nos foi incubida. Não, não os poderia de forma alguma enfrentar, ou sequer revelar a indecisão do seu íntimo. Este era o momento certo, tal como ele vira nos ecrãs de televisão por essa Europa fora. Se havia uma altura específica para o caos, esta era a ideal.
Por um lado, o povo estava farto de promessas, de cortes, estava com medo no futuro.Por outro lado, as forças policiais, estavam sem moral, tambem elas com cortes e decididamente havia cada vez menos polícia nas ruas, menos viaturas a circular, logo menos chances de serem efectivos.
A grande questão que realmente o atormentava era essa Grande -marcha. Depois do discurso de Franco, certamente a polícia iria tomar precauções, certamente haveria reforço policial, podendo mesmo dar-se o caso de existir um sério contingente de polícia de choque,
Com uma paciência de santo, indiferente a quem passava, enrolou um charro, acendeu-o e sem olhar em volta, continuou a circundar a rotunda , passando pelo Monumental, dirigindo-se para o apartamento alugado, onde estava o resto do seu bando.
De uma forma peculiar, ele odiava Lisboa. Ou melhor, odiava o nicho de minorias éticas que circulavam pela calçada lusa, como se fossem donos de tudo aquilo. Era esta petulância, que ele sempre se decidira a combatêr.
Parou uins minutos a contemplar um casal de côr, que discutia acaloradamente, perto da passadeira e instintivamente tacteou o interior do bolso, tacteando a sua ponta e mola. Era demasiado fácil cometêr uma loucura. Porque não? Porque hesitava?
Instintivamente o seu olhar crescente de ódio, contemplou o cartaz de propaganda do partido de Franco. Deteve-se concentrado no olhar do político, como Gioconda, no célebre quadro de Da Vinci, parecia que os olhos dele o seguiam, o observavam, o censuravam. Afastou a mão do bolso, quase sem se dar conta, apertou os botões do casaco, tentando ignorar aquela figura de austeridade e visívelmente incomodado, voltou-lhe as costas, ignorando o casal e desistindo do regresso ao quarto, deambulou em sentido contrário.
Agora tudo se tornava claro para ele. tinha medo de Franco, pois intimamente ele lembrava-lhe o seu pai, recordava-lhe as sovas de cinto que levara na infância. Recordava-se da força dos punhos movidos a aguardente barata do café, com que o seu pai o brindava no regresso a casa.
Sem conter algumas lágrimas que surgiam intempestivas nos seus olhos verdes, limpou-as apressadamente , vasculhou os bolsos para reunir todo o dinheiro que tinha e resolveu que precisava de uma compabhia feminina, pelo menos aquela para a qual o dinheiro que trazia chegasse.
Precisava acima de tudo de ganhar estofo e coragem e esquecer rápidamente os seus fantasmas.
Amanhã, iria estar presente na Grande - Marcha com o seu bando e iria provocar todo o caos que a sua mente irada lhe gritava. Amanhã mostraria ao País, que a Extrema-Direita estava viva e Franco nenhum o poderia impedir.

Finais de Novembro de 2012. Largo do Rato - Lisboa.
O Primeiro-Ministro estava verdadeiramente colérico. Tentara ainda digerir a justificação do seu braço-direito para a presença de público, naquele que deveria ser apenas e tão só um discurso à Nação, apenas presenciado pela Imprensa Nacional.
Visionara vezes sem conta as imagens dos contestatários durante o seu discurso. Mandara igualmente imagens dos mesmos para a polícia para que se procedesse a uma identificação dos mesmos e acima de tudo fizera todos os possíveis para se esquecer do discurso de Franco.
Rodeado do seu staff, procurava todo o tipo de explicações e bodes expiatórios, para o despiste do seu discurso.
Preocupava-o agora cada vez mais a figura de Franco e subitamente a ideia da Grande-Marcha,que de início lhe motivara risinhos inocentes, agora tinha todo o ar de lhe vir a dar verdadeiras dores de cabeça.
Nervosamente atirou um olhar preocupado, de relance, às primeiras páginas dos mais importantes diários Portugueses e cada vez maisinquieto, sondou o seu ministro:
-Diz-me a verdade!
-Muito mau. Todos os politólogos da nossa praça gastam colunas e colunas dos jornais a falar nele.
-E sobre o meu discurso?
-Bem, creio que...
-A verdade, apenas a verdade!
-Bem, o termo mais carinhoso que vi, foi de desastre.
-Hum, como pensei.
-Mas ainda temos alguma margem, de manobra...
-E vamos usá-la já!
-Como?
-Como Ministro da administração Interna, convoca todo um aparato policial para essa marcha da treta.
-Mas senhor, penso que isso só irá criar ainda mais instabilidade.
-Precisamente. É necessário que o Povo tenha medo, que intimamente a figura de Franco fique associada a medo.
-Mas para isso era necessário haver desordem publica.
-E irá haver. A polícia que carregue ao minimo pretexto!
O Ministro afagou nervosamente a barba grisalha, não ousando encarar o chefe do Governo:
-Têm a certeza?
-Claro que sim. não se preocupe, penso que motivos não faltarão. Este Franco é um fanfarrão e sei de fonte segura que atrairá alguns membros de fracções...mais perigosas.
-Bom, assim seja. A ordem pública tem de ser salvaguardada.
-Precisamente.
Assim que se apanhou sozinho, o Primeiro Ministro, marcou um número confidencial no seu telemóvel pafrticular e aguardou:
-Sim?
-Como estão os preparativos?
-perfeitamente em ordem.
-Optimo, onde está o vosso responsável?
-Ele saiu.Foi estudar o local.
-Usem todoo tipo de força, entendido?
-Claro. Um verdadeiro caos.
-Espero que justifiquem o dinheiro gasto em vocês!
-Não se preocupe.
Mal desligou a chamada, o membro da fracção da Extrema-Direita encarou o resto do grupo e a sorrir, atirou:
-Carta branca para a Marcha, quando ele chegar o chefe vai gostar de ouvir isto.
Um sorriso de confiança estalou nos rostos do resto do grupo.

Finais de Novembro de 2012 - Praça dos Clérigos - Porto
O ultimo autocarro partia sob o olhar atento do principal financiador do Partido Frente Revolucionária.
Num total de doze autocarros que tinham partido intervaladamente para a Capital a fim de não serem tão facilmente notados e de poder causar o efeito-surpresa desejado.
De olhar lânguido e calculista  Santos Veiga, esfregou as palmas das mãos, num tique de confiança e sem olhar para o homem que permanecia calado e discreto ao seu lado, confidenciou:
-Que te disse eu? Isto vai correr bem.
-Realmente depois do discurso de ontem...
-Vais ver como o dinheiro pode ser bem empregue!
-Foi perspicaz a ideia de os reunir primeiro no pavilhão.
-Claro. Partirão de lá, fardados e cheios de bandeira para a marcha. Inundarão as ruas, chamarão a atenção e nessa altura, já ninguém poderá fazer nada.
Por uns momentos o sujeito alto meditou nas palavras e então, como que ganhando coragem, interrompeu:
-Mas...Se tenciona proceder deste modo, calculo que não conte com muita adesão?
-Claro que não. O povo está farto de manifestações, procissões e coisa que os valha. A nossa jogada é termos esta claque a postos...Por isso digo, vai correr bem.
-De facto. Cento e vinte pessoas chamam a atenção.
-Não duvides. Se não fossem eles, aquilo estava às moscas.
-É gratificante saber que pensa em tudo.
Num sorriso de confiança. Santos Veiga, abandonou a praça e entrou discretamente no seu BMW preto na companhia do sujeito magro, esperando que o seu motorista os levasse ao seu destino.

Finais de Novembro de 2012. Estúdio do Canal 5 - Lisboa
Verónica acabava de rever a peça jornalística sobre o discurso de Franco e cada vez mais estava convencida de que tinha sido um acto teatral sobejamente executado.
A grande questão é se tal teatro tinha sido para servir de engodo ao povo, ou se apenas e tão somente uma boa dose de Marketing partidário para, como Franco disse, acordar as gentes.
Ela sentia-se verdadeiramente entrosada e  o hino, aquele hino de rimas fáceis, ainda perdurava nos seus lábios.
Sim, pensou ela girando apressadamente o Mouse na mão, sem dúvida que fora apenas para acordar as gentes. Portugal precisava de alguém assim criasse dinamismo, que gerasse entrega no fundo que gerasse paixão. E esse alguém só podia ser este Franco.
A verdade é que nos últimos dias, Verónica dera por si a comentar política no café com os amigos, a ler afincadamente todos os artigos de opinião sobre Franco e principalmente a dispensar horas do seu descanso, na consulta de sites e blogues, que surgiam como cogumelos no Mundo Virtual.
Secretamente, também ela estava a preparar-se para a grande marcha e certificando-se de que ninguém a observava, retirou o pin metálico do partido e colocou-o por dentro do blusão. Sorriu, esta era a primeira vez que adoptava uma causa política e iria se filiar após a Grande-Marcha, mesmo que ela corresse mal.
Tal facto podia de facto suceder, pois mesmo atendendo aos blogs mais fieis ao partido, o previsível número de apoiantes presentes, não excederia as trezentas pessoas, se de facto os sindicatos não aderissem.
Depois da crítica de Franco ao sistema de Greves, dificilmente os Sindicatos marcariam presença.
De qualquer forma com o surgimento de franco e de toda esta cobertura mediática, Verónica ganhara um gabinete novo, uma melhoria de ordenado e acima de tudo, um contrato de exclusividade com o Canal 5. 
Acabara-se o seu regime de Free-Lancer e estava finalmente onde queria estar.
Num sorriso de satisfação, ocultou o pin, abandonou o gabinete e entre dentes atirou:
-Vou estar lá, na Grande-Marcha, para o bem e para o mal!




1 comentário:

  1. Cada vez mais empolgante!
    Penso que nós, teus fieis leitores tambem lá estaremos,para o bem e para o mal. LOL
    A curtir bastante este conto.

    (anita)

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