sábado, 12 de maio de 2012

Monólogo a Juzante e Mais Além - Parte 2




2- Divinus

A morte é o fenómeno natural que mais se tem discutido tanto em religião, ciência, opiniões diversas. O Homem, desde o princípio dos tempos, tem a caracterizado com misticismo, magia, mistério, segredo. Para os cépticos, a morte compreende o cessar da consciência, exatamente quando o cérebro deixa de executar suas funcionalidades.



Agora que efectivamente morri, digo abertamente que poucos de nós estamos preparados para tal facto. Creio mesmo que aquela minoria que se diz preparada para a "caminhada final", na verdade tenta-se enganar a si mesmo. Ninguém está preparado ou minimamente consciente para o longo adeus.
Contudo há uma certa magia na forma como idealizamos o nosso momento final. Bom, pelo menos a mim isso ocorria-me assiduamente, naqueles minutos e horas gastas a meditar.Como seria, como acontecia, se seria repentino, se deixaria algo por fazer, se....
A chatice de se estar morto é que finalmente posso ver respondidas aquelas eternas questões que nos perseguiam, no que à religião diz respeito e acreditem-me irão ter o mesmo desgosto que tiveram quando descobriram que o Pai Natal era invenção.
Há um mito social e urbano muito em voga , de que supostamente perto da nossa hora de morte ou coisa que o valha, vemos uma luz e tal e coisa, a teoria do eterno corredor escuro com a luz ao fundo...
Bom para ser sincero consigo caro leitor, nem o corredor do hospital me lembro, apesar de vagamente me lembrar do hospital.Não vi qualquer luz, ou ouvi sinos, ou  vi fogos do Inferno. Na verdade, nada de extraordinário aconteceu comigo depois de morrer, excepto...Exactamente caro leitor, excepto aqueles míseros segundos em que realemente pensamos Nele, no Criador.
Ateus ou não, católicos ou Judeus, fazemos sempre a mesma pergunta...Porquê?
Poderia descrever agora o imenso vazio, o soturno nada que aconteceu após a minha morte, mas é difícil falar de algo que praticamente nada tem para se falar.
Curioso, que passamos uma vida inteira a prepararmo-nos para este mísero dia, para aguardar esta hora final e depois de a passarmos...só resta o tédio.
Nunca fui moço de religião, não sendo propriamente ateu,( já que cumpri, por imposição dos meus pais todo o baptismo Apostólico Romano, toda a catequese, todos os domingos enfiado numa sala a ouvir estórias...) confesso que sempre tive dificuldade em acreditar num Deus, ou algo superior. Porque se é verdade que desde que nascemos estamos condenados a este fim ultimo, também acredito e sempre acreditei que já que cá estamos e respiramos pudéssemos fazer o melhor possível para que este sofrimento de existir fosse de certa amenizado. 
Seja como for, agora que tenho uma eternidade para aceder ao meu banco de memórias, cá me vou entretendo, como aquelas donas de casa, que aproveitam a Páscoa para arrumações e limpezas.
Não quero de certa forma especular sobre a crença do leitor, sobre as suas expectativas, sobre a sua consciência. Não! Desculpem-me a sinceridade e o egoísmo, mas pretendia apenas falar de mim e dos outros, aqueles que pularam na minha existência,
Um dos temas que mais me espantou e sempre me fascinou foi o conceito em si de "morte cerebral". A simples ideia de morrer de não pensar, não raciocinar, não meditar, não improvisar e isso caro leitor, era um tormento.
Pense comigo, que se de certa forma durante a nossa existência não temos tempo para pensar, mal temos tempo para nós, então seria suposto e tentador que após a nossa partida, pudéssemos finalmente dedicar a nossa eternidade a esse pequeno exercício. Seria no fundo uma espécie de Julgamento final, mas em que seriamos simultaneamente os réu e juiz.
Chegado aqui, medito se nos seria permitido o uso de testemunhas, abonatórias ou não, da nossa curta existência terrena, em que seriam relatados na sala de audiências os prós e os contras, os factos dissecados. De um lado os que já partiram antes de mim, que comprovariam os factos à luz do período que estiveram comigo. Do outro lado, a minha análise sobre o meu problema do método de existir.
Bem feitas as contas isto, caro leitor, era coisa para levar muito mais tempo que o caso "Casa Pia", para reunir uma papelada bem mais intensa que o caso Portucalle, mas com uma importante vantagem. Tínhamos todo o tempo da nossa eternidade para aguardar o veredicto.
Mas com esta divagação, desviei-me da minha grande questão que é a seguinte, se Deus existisse então creio que ele se deve ter atrasado, dado não o Ter à minha espera. Bom e daí talvez não seja digno da sua Presença.Na verdade, nem Deus, nem S.Pedro, nem...qualquer outra individualidade Celeste ou terrena.
Não me interprete mal, caro leitor , não fiquei desapontado ou decepcionado com tal ausência, mas depois de termos visto chegar os concorrentes à casa dos segredos, de passadeira vermelha e limusina , achei que seria diferente esta minha chegada aqui...Onde quer que esteja.
Um  terço, uma cruz, um Salmo, a Páscoa, o Natal, o Alcorão, a Bíblia, apenas alguns conceitos que me perseguiam na minha existência, adornos de uma manifestação de fé. Apenas isso o que significa para mim, mas caro leitor, fé era precisamente o que me faltava. Era a ausência desta água no meu deserto, a minha busca existencial, talvez mesmo o meu projecto de vida.
Uma questão de fé, que me motivou escritos, poemas, pensamentos e para a qual nunca cheguei a qualquer solução.Dissequei Descartes, analisei Hume, saltei sobre pensamentos empiristas, escolásticos, eclesiásticos e sinceramente de cada vez que me sentia tentado a saber mais, mais me sentia afastado da questão.
Sempre acreditei que tinha de existir um segredo, algo que passaria ao longo da existência da Humanidade, escondido dos olhares dos mortais e que só após o final seria revelado e por acreditar, sempre me dediquei à tarefa de o desvendar. Umas vezes errei na abordagem, noutras o conceito se escapou, noutras ainda cheguei a becos sem saída. Foi uma das poucas tarefas por mim erguidas que realmente me cativaram e monopolizaram todo o meu Ser.
Mas confesso que só a ideia de imaginar a existência de um tal segredo era o suficiente para me lançar no trilho da sua procura. Mas volto a frisar não por uma questão de fé, mas pelo capricho de satisfazer a minha curiosidade....Eu adoro segredos, mas gosto ainda mais de os desvendar! E agora, depois de horas e horas dedicadas a tentar desvendar o segredo de fé, mal posso acreditar que me é finalmente revelado o segredo de uma vida.
Compreende agora o caro leitor a minha frustração? Anos e anos dedicados a uma busca infindável, a cálculos vários, a juízos múltiplos e de repente morro, o que é mau. Mas pior, muito pior e que é quase inacreditável é saber que agora, que na verdade a resposta a essa longa questão não me importa, a mesma é revelada ao meu espírito sem qualquer esforço, ou meditação.
Agora que efectivamente estou morto, vejo por fim explicada um pouco dessa magia da fé. Atingi finalmente o segredo existencial.
Posso pois orgulhar-me de lhe poder revelar esse mesmo segredo e de certa forma suavizar a sua existência, caro leitor.
Tenho a certeza absoluta que serei o único a deixar documentado aos olhos de quem me quer ler, não só a origem do segredo, mas igualmente em que consiste.
Não, caro leitor, não tenciono colocar longas frases em latim, ou grandes rodeios ou até prolongar o suspense...Sem mais demoras, comunico pela primeira vez e em primeira mão o Verdadeiro segredo existência, a prova irrefutável que de uma vez acabará com a eterna questão da existência de Deus.
A verdade caro leitor é que....

  





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