sábado, 31 de outubro de 2015

A Saga de Arkhan - Pretorius - Capítulo 21 - parte 1



Talvez possa morrer em paz,
Se é que isto faz algum sentido,
um vicio adormecido,
resquício de felicidade interrompida
pelas intempéries da vida…

Inês Dunas : Dopamina
http://librisscriptaest.blogspot.pt/2015/02/dopamina.html




LET IT FALL 
(parte 1)


A manhã surgia em Arkhan sem sol, sem brilho e algo enevoada, ainda coberta por nuvens teimosamente baixas que contudo não apagavam os vestígios de uma noite agitada e insólita em Orgutt.
No imponente castelo o imperador Braddus era a imagem do desespero dos seus excessos e a amargura das suas atitudes tinham lhe roubado o sono e o respectivo descanso.
Era um homem só, triste e abandonado na sala do trono, sentado na sua magnífica cadeira com rebordos de ouro e costas de pele de alce. Braddus não sabia o que aguardava, nem tão pouco tinha um plano de acção concreto. Em breve, de acordo com os planos tidos três dias antes (como lhe parecera uma eternidade a passagem destes três dias) , deveria aguardar a chegada dos seus dois condecorados generais para enfim ultimar a grande invasão a Ischtfall e a sua derradeira conquista, mas já nem isso lhe apetecia fazer.Durante toda a noite, enquanto se encharcava em vinho, ouvia os passos perdidos dos serviçais entrando e saindo a correr dos aposentos da imperatriz. Constatara o ar atarantado dos guardas de honra que não sabiam bem o que se havia passado, ou o que deveriam fazer e quando o médico da casa imperial chegou, nem uma palavra deu a Braddus. Limitou-se a uma curta vénia, embora parecesse ao imperador que forçada e subiu escadas acima em passo ligeiro.
A verdade, concluía ele arrotando ao vinho é que uma vez mais havia perdido a cabeça e deixara de novo o mau Braddus tomar conta de si. Obviamente que se arrependera de ter marcado a imperatriz com ferro a ferver, como se marcasse uma égua, mas tudo isso era passado e nada do que ele fizesse alteraria o que fez. Como ele sentia saudades daquele Braddus tranquilo e covarde, filho de ferreiro e sem grandes responsabilidades. Hoje, ele constatava que havia criado um monstro, não só na sua pessoa, como referente à dimensão do império. Que louco ele tinha sido, ao imaginar que o seu filho queria tamanho fardo nas mãos!
Discretamente recolheu com as costas da mão direita uma lágrima que lhe rolava pela face quando o chefe da guarda imperial se aproximou, ajoelhando-se na sua presença:
-Majestade, trago notícias da patrulha!
-Da Patrulha? - Inquiriu Braddus disfarçando a voz rouca do vinho.
-Sim majestade. A patrulha descobriu cadáveres a Este, perto da ponte suspiral.
-Oh, tratai do caso. 
-Majestade, tratam-se de soldados do império. 
A face de Braddus endureceu:
-Que dizeis? Soldados do nosso exército?
-Sob as ordens do general Vill majestade!
-Contai-me tudo! - Explodiu o imperador.
-Pouco há  a contar majestade, apenas que encontramos dois cadáveres de soldados imperiais. Um deles degolado e um terceiro cadáver, um aguadeiro do império.
-Um aguadeiro? Mas que raio....
-São as informações que disponho, majestade!
-O General Vill foi informado?
-Não por nós, majestade.
-Óptimo. Guardai essas informações por agora e tratai de descobrir mais sobre esse aguadeiro.
-Afirmativo senhor!
Um arrepio de desconforto assolou o pescoço do imperador. Nestes últimos dias tinha aprendido a não desvalorizar o mais pequeno percalço e se não fosse a insistência do seu chefe da guarda pessoal, cometeria novamente o erro. Agora só precisava de saber o que fazer com a informação.
Para o príncipe Pretorius a noite havia sido a melhor conselheira que poderia ter tido. Vagueara por umas horas com o corpo de Brunnus e o seu cavalo, sem saber efectivamente aonde ir. Sabia apenas que não poderia voltar ao castelo e rumou para fora dos domínios de Orgutt, sem destino específico, numa tentativa de clarificar algumas ideias e definir os próximos passos a tomar. Sem se aperceber, quase instintivamente deu por si dianta da habitação de Sexteto Martinnus, o líder do extinto Concelho Imperial. O Idoso sujeito não escondendo a admiração de tão tardia e inesperada visita convidou-o a entrar, não tendo pejo em receber o príncipe em túnica de dormir:
-Perdoai-me majestade, mas estava deitado.
-Sou eu quem deve pedir perdão amigo Sexteto, por vir a estas horas. Mas na verdade não tinha mais ninguém a quem recorrer!
Sexteto, outrora cidadão ilustre de Orgutt e presidente do extinto Concelho Do Império, encontrava-se há cerca de três anos votado ao esquecimento, tendo sido forçado a abandonar os luxos da zona alta do império, para se mudar para a periferia numa quase clandestinidade. Tudo porque ousara contrariar o parecer de Zvar,numa das reunões:
-Majestade, a que devo a honra da sua visita? - Sexteto era conhecido por não perder tempo com formalidades.
-Não me chameis de Majestade. Venho pedir um seu conselho.
-Um conselho? 
-Como posso reactivar o Concelho Imperial?
O sujeito afundou-se na cadeira pensativo e tacitamente respondeu:
-Bom, o Concelho foi extinto pelo imperador. Só ele o poderá reactivar!
-E enquanto seu filho eu não o poderia?
-Necessitaria sempre da ordem do imperador.
-E se o imperador já não estiver nas suas posses mentais?
Sexteto assobiou baixinho, como se confirmasse uma questão por ele formulada:
-Mesmo assim, sem o Concelho activo. Teria de ser deposto, ao abrigo de qualquer parecer médico...
-Merda! - Explodiu Pretorius
-A não ser.... - Advertiu o idoso sujeito apalpando o pulso ao príncipe.
-Sim?
-Que fosse forçado a abandonar! Existe uma forma, chamada de lei quadra, está escrita no Grande Livro e como tal até o seu pai a tem de respeitar.
-Mas sempre existe o Grande Livro? Pensei que tivesse sido abolido.
Sexteto sorriu diante da ingenuidade do príncipe:
-O Grande livro é a compilação de todas as leis do Império, desde a sua criação até ao momento em que o Concelho foi afastado. Contudo terá sido o imperador a ditar a maior parte das leis. O facto de não ter oposição não quer dizer que não existam
- Como posso accionar essa lei?
-Bom, terá de reunir vários pareceres e reunir-se com quem o imperador designar para as discutir e ...
-Não. Não temos temo para isso...O império está em queda, o exército está desmoralizado...
-Então, meu caro príncipe...No seu lugar eu começaria exactamente por aí!
O jovem meditou alguns minutos como que digerindo a dica e pela primeira vez nessa noite  sorriu e abraçou Sexteto:
-Uni o Concelho, embora clandestinamente e estai preparado para uma convocatória do imperador. Em breve ireis ao castelo!
Minutos depois o príncipe voltava para Orgutt, a galopar em trote acelerado até perto do castelo, onde o sétimo e sexto batalhões de Brunnus montavam praça. Sem emitir qualquer som, apresentou-se às sentinelas de rosto descoberto e apeou o cadáver do general, prostrando-o no solo para que todos vissem. Por fim, dirigiu-se ao sargento em comando e foi acompanhado até à caserna de comando.
Deitada nos seus aposentos Maleena sofreu dores horríveis durante duas longas horas, pese embora a atenção dada pela aia e todo o staff do castelo para amenizar a dor. Quando o médico chegou fervia em febre, embora a aia estivesse frequentemente a passar um pano húmido e gelado na sua testa e na sua nádega. A marca Imperial ficara bem delineada na pele, queimando a pele e sendo de todo impossível a sua remoção. Tivera, segundo o médico contudo a sorte de não ter ficado muito tempo exposta ao ferro em brasa, mas mesmo assim, nada havia a fazer, senão cuidar e manter.
No pátio da Praça Central o General Vill chegara a cavalo, dirigindo-se rapidamente para a sala do trono, parecendo de certa forma bastante agitado.
 -General Vill, aguardava a sua chegada. - Soltou o imperador com falsa alegria.
-Majestade, creio ser portador de más notícias. - Apressou-se o condecorado general a esclarecer.
-Perfeito. Parece que ultimamente elas crescem selvaticamente no seio do nosso império. - Anuiu o imperador visivelmente agastado.
-Senhor, fui informado de pretensas manobras tenebrosas dentro destas paredes, que mais não são que tentativas vis de golpe palaciano.
O imperador olhou intensamente o seu interlocutor e passando pausadamente a mão pelo rosto, soltou num tom grave:
-Bem, por essa não esperava eu. Podeis ser mais claro?
-Certamente, meu senhor. Fui informado que o general Brunnus teve ordens claras para se reunir com o extinto Concelho, provavelmente a pessoa de Sexteto...
-Não! - Gritou o imperador colérico. - não mencioneis nunca esse nome nesta casa!
-Perdão majestade, só que...
-Quem deu essa ordem? - Berrou Braddus.
-Essa ordem saiu da boca do príncipe Pretorius, majestade.
O imperador bateu com o punho violentamente no braço da cadeira, e entre dentes, recomeçou a falar, embora num tom quase inaudível:
-Cambada de ingratos...Bastardo...filhos de uma putiféria desdentada...cães...- O imperador fervia, falando como quem orava, num misto de raiva e fúria.
-Por isso vim o logo que pude! - O general tentava cativar de novo a atenção do imperador.
-E posso saber como haveis obtido essa informação?
Vill demorou alguns minutos a responder, apesar de haver treinado a resposta horas antes, até que por fim explicou:
-Um dos meus vigias ouviu por acidente uma conversa entre Brunnus e outro sujeito. Deu também a impressão que estava a recrutar homens livres.
O imperador sorriu sarcasticamente  e interrogou:
-E esse vosso vigia está vivo?
-Vivo? Sim, está, mas...
-Sabeis que haveis perdido dois homens?
Vill perdia toda a posse ensaiada e o modo calmo e seguro com que se apresentara ao imperador acabava de ser substituído por uma enorme insegurança:
-Não sei do que falais majestade.
O imperador berrou pelo chefe dos guardas imperiais, como se por qualquer razão achasse por bem ter testemunhas e sem perder tempo indagou:
-Já temos notícias do paradeiro do príncipe?
-Não, meu senhor. Temos patrulhas a vasculhar o império.
-Informo que acabo de ser avisado de uma tentativa de traição por parte do general Brunnus. Deveis avisar-me imediatamente mal a vossa patrulha o encontre.
-Perfeitamente senhor. - Respondeu o chefe dos guardas de atarantado com o que ouvia.
-Vivo ou morto!
-Sim, senhor.
-E isto é válido para os dois! - A face irada e de cor vermelha de Braddus enaltecia a fúria que o devorava avidamente por dentro
O homem de braços grossos e ombros largos preparava-se para se retirar, quando o imperador o deteve:
-Contai ao general Vill o que me haveis dito de manhã!- Ordenou enquanto tentava acalmar-se
-Certamente senhor. Hoje a nossa patrulha encontrou dois dos vossos homens mortos, meu general!
-Onde? - Indagou nervosamente.
-Pouco depois do poço Fundo Leste, numa clareira perto.
-Então general. Perde dois homens e não o sabe?
Vill sentiu a  boca seca e a cabeça a andar à roda. não eram tonturas, mas sintoma de pânico:
-Ainda não fui informado... - Respondeu a contragosto.
-Muito bem. Pode-se retirar! - Ordenou  imperador, apontando distraidamente para o Chefe dos Guardas.
E repentinamente Vill sentiu-se mal. Pela descrição do local onde foram encontrados só poderiam ser  eles. E se de facto eram eles, então a testemunha tinha fugido, ou pior...O imperador poderia já estar na posse do corpo de Brunnus e estar tentar saber se ele estaria implicado nisto com Brunnus. Se assim fosse, o que poderia Vill dizer para afastar as suspeitas? 
O general estava neste momento num enorme impasse e prestes a cometer um enorme erro.
O erro surge quando a pressão aumenta e em Orgutt, ela estava nos níveis máximos.





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