quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Esquizofrénico - Capitulo 3 - Parte 1




A manhã surgia calma e pouco chuvosa, quando em ritmo de passeio ela se dirigia para o café.
Praticamente não dormira a noite passada, intrigada com os novos desenvolvimentos da sua " personagem" favorita. Agora que sabia o seu nome, cuidava em toda a sua inocência ser dona de um segredo e de um poder sobre tão dubia criatura.
Detera-se pouco tempo a se arranjar antes de sair de casa e mordiscara parte de uma torrada, intercalada por goles de leite quente.
Nessa manhã e contráriamente ao habitual, não ligara a TV no canal de musica dos anos oitenta, nem tão pouco levara o Skype a passear. Acordara uma hora mais cedo, desejosa de o ver e de sentir o dia correr.
Não tinha duvidas de que o facto que mais a atraía no sujeito, era a aversão da sua chefe para com ele.
Desde muito nova que se intitulava a salvadora das causas perdidas. Defendera a Green peace, as baleias, as tartarugas, os animais abandonados, o ambiente, etc...
Mas esta nova opurtunidade de defender alguem que era sistematicamente incompreendido e ignorado pelos demais, motivava-a bastante.
Sabia que ele era, regra geral, um dos primeiros clientes do café e uma vez que só entrava`de serviço às 12 horas, achava que teria algum tempo para conseguir surpreender o Sr.Simões.
Mas infelizmente ela estava errada. Percebeu isso ao ver o café vazio, sem cliente algum e com desagrado entrou, evitando trocar o olhar com a sua superiora, que não escondeu uma certa admiração por a ver tão cedo:
-Confundis-te o teu horário?
-Não chefe.
-Que se passa?
-Bah, não tinha sono e não estava a fazer nada em casa.
Por mais que ela tentasse esconder, a rapariga não evitava olhar para a mesa vazia, inerte de vida, sem caderno ou lápis:
-Não o vi hoje! - Apressou-se Ana a responder.
-A quem?
-Va lá, menina. Não nasci ontem!
Rita corou e como que desabafando, atirou:
-Intriga-me este sujeito.
-Já te dei a minha opinião.
-Só não me sai da cabeça, o que ele tanto escreve. O que ele faz!
-Talvez não faça nada.
-Não....Ele faz alguma coisa. Ele realmente escreve algo.
-Rita, não me digas que acordas-te propositadamente para o veres?
A jovem corou pela segunda vez, acenando ligeiramente com a cabeça
-Intriga-me...
-Já o disses-te e sabes na tua idade, os homens tambem me intrigavam. Depois aprendes a conhecer todas as suas manhas e inevitávelmente cairás nas suas mentiras, nos seus sonhos infantis.
-Ele é diferente. - Suspirou.
Rita tentava tornear o divórcio letigioso que a sua chefe enfrentava. Era compreensivel a sua aversão pelo género masculino, pois o psicólogo dissera que é normal esse sentimento.
Na luz desta reflexão, a empregada acendeu um cigaro e disposta a matar o tempo, interrogou-se se não seriamos todos loucos, a tentar encaixar numa sociedade demasiado castradora.
-Chefe....E se os loucos formos nós?
Enquanto o liquido quente escorria acastanhado para o interior da chávena, Ana que tinha sempre resposta pronta, encarou-a e meditando uns segundos, concluiu:
-Maldito Mundo, transformado num enorme ninho de Loucos!


Rita passara todo o dia enfiada no café. Comera uma sanduiche á pressa, pouco antes de entrar ao serviço e fumara quase meio maço de Ventil.
Do Sr. Simões nem sinal e à medida que o dia avançava, as tarefas habituais pareciam-lhe cada vez mais penosas, mais chatas e cada vez menos interessantes.
Sensivelmente de hora em hora, olhava para a rua distraidamente, tentando avistar o fato amarrotado e o balançar caracteristico do corpo do Sr. Simões enquanto andava.
Mas o que recebia em retorno, era um vento frio, que sussurrava pela porta de vidro, gitando um inaudível " ele hoje não vem".
Como forma de se distrair, ela elaborava um plano secreto para se assenhorar do caderno, nem que fosse por minutos e poder saciar a sua curiosidade sobre o que tanto absorvia aquele ser estranho.
Sempre fora curiosa, sempre tivera o engenho e a perspicácia de conseguir ver mais além que os demais, mas desta vez, encontrava-se definitivamente perdida.
O relógio redondo do café, com os ponteiros certos e ritmados, transformavam-se, à medida ue as horas passavam e o dia morria, como guilhotinas nos seus sonhos.
" Pelo menos não tenho a chefe a criticar-me", pensava ela na flor de todo o seu raciocinio, enquanto mecanicamente, as chávenas e os bolos iam circulando pelas suas mãos.
Com um rosto pesado e o corpo cansado, ela fechou o estabelecimento, servindo-se de mais um cigarro e aconchegando as abas do casaco, voltou costas ao estabelecimento e com as mãos nos bolsos, caminhou sonhadoramente pelo passeio vazio.
Desde muito nova que a noite lhe proporcionava uma liberdade de espirito e um à vontade com ela mesma. Por estranho que possa parecer, sentia-se no seu ambiente natural e não possuia qualquer receio de assaltos ou ataques. 
Contudo a uns bons quatrocentos metros, um carro circulando a baixa velocidade, passou assustadoramente perto de si e estacou abruptamente.
Instintivamente, ela apertou a lata de gás pimenta que o seu progenitor a obrigava a usar " em caso de legitima defesa, dizia" , e aguardou que alguem saltasse da viatura para a atacar.
Ao invés, a porta traseira do lado direito abriu, catapultando um corpo para o passeio e o carro voltou a circular, desta vez em alta velocidade.
Incrédula aproximou-se hesitante e após regular a respiração, ajoelhou-se, voltando o corpo caido e gritou de hoorror, ao ver o seu conhecido Simões, de rosto ensaguentado.


-------------Fim parte 1

Foto:Fernando Bagnola

Sem comentários:

Enviar um comentário