quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Esquizofrénico - Capitulo 2 - Parte 3


A ideia de trabalhar no café, nem fora dela. Aliás, por ela não se aventurava tão cedo. Sonhava com o curso superior de Turismo e talvez fugir de todos, conhcer novos Mundos e novas vivências. mas se queria estudar, ela tinha de batalhar por alguns euros. Viu o anuncio na montra do café e pensou ....Porque não?
Teve sorte, pois o ambiente é calmo e a chefe (como ela chama á superiora) era na sua opinião 5 estrelas.
O trabalho em si não era pesado e sempre convivia com novas pessoas, mas nada a preparara para aquele encontro imediato com a sinistra criatura.
Bem depois do sujeito sair a correr, a jovem permaneceu confusa e baralhada, ante o leve sorriso irónico da sua chefe e com um nervoso miudinho nos dedos, Rita ia acariciando o cartão de visita que guardara solicitamente no bolso exterior da farda.
Toda aquela mudança repentina na maneira de ser do " seu " cliente problema, mexeram com a sua curiosidade.
De repente ele mudara. De repente, em espaço de horas fora como se ela tivesse visto um novo sujeito. Um novo ser:
-Será que as pessoas podem mudar em questão de horas?
-Não sei Rita. Não sou médica...Mas eu te avisei!
-Sim, eu sei. Mas porque ele saiu a correr?
-Rita...Não sei se ainda não percebes-te, mas ele é doido, ok?
-Não. Doido não é. Ele é diferente apenas.Porque ele disse que não sabia escrever?
-Bem, ele disse isso? Isso é estranho, eu tambem sempre o vi a escrever.
-Viste mesmo. Ou eram só rabiscos?
-Pareciam-me caracteres, não pude ver muito bem.
-Definitivamente algo não bate certo.
-Ele não bate certo. Lá isso...
Rita lançou um olhar angustiado á sua superiora e evitando uma discussão, pegou no pano amarelo e dedicou-se á limpeza das mesas.
Tanto quanto se podia recordar, jamais ser algum mexera com as suas emoções como ele mexia.
De facto, nem era uma atitude paternal que ela tinha ou sentia. Era algo mais, algo fundo, cravado como uma adaga no seu coração. Só agora se dava conta do que já absorvera dele e quase podia descrever as feições do rosto do sujeito, enquanto escrevia, enquanto sonhava, enquanto bebia café.
A sua chefe tinha razão, ele de facto era problema dela e se assim era, competia-lhe poder saber tudo a seu respeito.
Mas hesitava na decisão de tomar uma medida, e o cartão de visita balouçava invisivel sob a destreza dos seus dedos, no bolso rectangular.
O ambiente no café era o normal e assim que a chefe se despediu e se viu a sós, não resistiu.
Numa atitude profissional, agarrou o telefone e fincando os olhos no numero de telefone do cartão de visita, ligou:
-Gaspar & Gaspar, Lda, Boa tarde.
-Boa tarde.
-Em que a posso ajudar?
-Eu estou a ligar de um café, aqui na baixa, para comunicar que um dos seus funcionários deixou uma mala esquecida aqui.
-Um dos funcionários? - A voz feminina aparentava alguma surpresa.
-Sim. Creio que sim, pelo menos tinha um cartão de visita com o numero e...
-Compreendo, aguarde um momento que vou passar a chamada à gerência.
-Obrigado.
Sem se dar conta a jovem tremia como a espigas de milho ao vento e exercendo uma pressão fora do normal no aparelho, aguardou:
-Boa tarde, fala Rui Gaspar.
-Boa tarde, eu estou a ligar para comunicar que um vosso funcionário esqueceu uma mala.
-Sim, a recepcionista ja me informou. Agradeço a preocupação, mas creio haver um equivoco.
-Ah sim?
-Efectivamente, eu sou o unico homem desta empresa. - O gerente não se inibiu de soltar uma risada fina.
-Oh, compreendo. Mas o sujeito disse que era funcionário aí e eu..
-Ele disse?
-Efectivamente.
-Estranho. Mas asseguro-lhe que não pode ser.
-Ele é alto, de cabelo castanho, corte clássico. Fato azul e gravata azul. Trata-se de uma pasta castanha.
-Pois, mas não vejo como...
-Rosto por barbear, nariz aquilino e meio estranho...
-Estranho?
-Aluado talvez...
-Espere.Disse pasta castanha? De couro e já gasta?
-Sim.
-Nervoso e e olhar penetrante?
-Exacto.
-Ah, já estou a ver.
-Trabalha ai?
-Não, lamento. Creio estar a referir-se ao Simões. Pela descrição só pode ser ele. Ele já não trabalha aqui.
-Ah não?
-Há mais ou menos um ano.
-Bom, ele disse que ainda trabalhava...
-È natural. Sabe, ele passou na entrevista e apresentou-se ao trabalho. Foi um desastre.
-Desastre?
-Efectivamente. Logo no primeiro dia, tratou de limpar a fundo a mesa de trabalho...sabe, a secretária de metal
-Sim
-Passou nisso a manhã toda, de repente lembrou-se de arrumar o teclado e o monitor para o chão, e quando dei por ele, estava a escrever qualquer coisa num caderno preto....Homem, temos computador...Disse eu
-Ele não usou.
-Não. Chateou-me a cabeça, enervado com as doenças que o teclado podia transmitir e sei lá que mais.
-Despediu-o?
-Não. Virei costas e fui tomar café. Sabe, eu tenho problemas cardiacos, não me posso enervar.
-Entendo.
-Quando cheguei tinha um papel dele na mesa a dizer que não podia escrever com tanto barulho. Nunca mais o vi.
Rita escondeu u m riso e subitamente inquiriu:
-Um papel escrito?
-Efectivamente.
-Manuscrito?
-Sim.
-Entendo. Obrigado!
-Talvez ele julgue que ainda trabalha cá. Mas nunca recebeu um tostão e tem sorte de eu não ter acionado os advogados...
-Ele é doente.
-Pode ser....para mim é louco. Tenha uma boa tarde.
-Obrigado. Boa tarde!
A jovem desligou o telefone e olhou para a janela do estabelecimento. Ainda bastante confusa, suspirou entre dentes:
-Então, Sr. Simões...Que mais novidades tens para mim....
Sorriu de leve e retomou á limpeza das mesas, anseando que a qualquer momento ele entrasse.


Foto de : Pedro Maia..........http://olhares.aeiou.pt/galeriasprivadas/browse.php?user_id=113861

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