sábado, 9 de outubro de 2010

Esquizofrénico - Capitulo 5 - parte 6

Enquanto no outro ponto da cidade Marco e a sua nova companheira de cela, ou de infortunio, tentavam resolver os seus problemas no velho hospicio, na alameda de árvores já despidas pelo vento e pelo Outono que chegava, a jovem Rita aninhava a cabeça no regaço de Carina, deixando-a passar as mãos pelo cabelo, enquanto tentava explicar o inexplicável:
-Eu vim do trabalho e não tinha as chaves. Foi isso!
-Mas amiga, - adiantou cautelosamente a amiga-,como podias vir do trabalho, se estavas de folga?
-Folga? - Rita permanecia confusa.
-Sim. Estiveste de folga, estivemos juntas no café!
-Nós?
-Claro.
-No café da Ana? - Inquiriu Rita num tom confuso.
-Não. Não foi no "teu" café!
-Não. Eu estive a trabalhar. Eu lembro-me perfeitamente....
Carina fechou os olhos angustiada e tentou não alarmar a amiga.:
-Não ligues miuda, tava a brincar contigo!
-Ufa. Agora pregaste-me um susto, achei que estava doidinha!
-Não. Ès muito nova para sofrer de amnésia.
Rita riu alegremente e de subito , encarou-a com um ar pensativo:
-E tu? O que fazes aqui a esta hora?
-Ah! Eu estava de passagem.
-No Jeep, com o Marco e meu pai?
-Pois. Mais ou menos, demos-lhe boleia!
-Boleia?
Carina estava desesperada, encostada à parede e não sabia como continuar a disfarçar. Ela não sabia mentir e odiava fazê-lo, ainda para mais com a Rita:
-Então meninas, não acham que a noite vai longa?
Um subito suspiro de alivio, ante a entrada do pai de Rita, ofereceu a Carina a oportunidade para sair daquele quarto:
-Sim, tem razão. Já se faz tarde!
-Espera, vais para casa a esta hora?
-Claro. Não te preocupes!
-Preocupo-me sim! É perigoso andar na rua a esta hora.
-Ela tem razão Carina, eu levo-a a casa.
-Claro. Eu aproveito para descansar um pouco tambem. Sinto umas subditas dores de cabeça!
Escondendo o ar alarmado do seu rosto tenso, o ex-militar sacudiu as chaves do Jeep no bolso e sorrindo timidamente para a amiga, convidou:
-Eu levo-a a casa e deixamos a Rita descansar. Hoje foi um dia estranho.
-Foi? - Inquiriu a jovem.
-Um modo de dizer. Penso que seja um cliché! - Justificou o progenitor.
-Ah sim. Bem vou-me deitar, mas deixem que vos diga que vocês estão estranhos hoje!
-Oh, impressão tua! - Atirou a amiga.
Então, para espanto dos dois presentes Rita riu desalmadamente e prontamente, próprio de quem desvenda um segredo, retorquiu:
-Não há problema, eu faço por esquecer que faço anos daqui a uma semana e que vocês, seus diabinhos, não estão a preparar alguma surpresa.
Aproveitando tal dádiva, Carina apressou-se a aproveitar a desculpa e num sorriso forçado, deixou a entender:
-Bem, tu és mesmo perpicaz. É melhor irmos andando ou ela ainda descobre tudo.
-Oh sim vamos. - Confirmou o progenitor nervoso.
Os dois abandonaram o quarto, descendo apressadamente as escadas e sem pronunciarem qualquer palavra, ou uma simples troca de olhares, sairam da residência em direcção ao Jeep, que se encontrava estacionado á porta.
Suspirando de alivio, por toda a encenação ter corrido exactamente como ela esperava, Rita apagou as luzes, dirigindo-se em passo rápido ao quarto do pai. Evitando ligar a luz da divisão da residência, caminhou felinamente até ao armário das armas, reliquias do seu tempo de exército, escolheu uma Colt calibre 2,5, tirando-a suavemente do móvel envidraçado. De seguida abriu a gaveta do meio e procurou a caixa de munições da arma.
Longas tardes havia passado na presença do seu pai, a limpar a arma, a carregar a arma, chegando inclusivamente a fazer uso dela, em treinos livres.
Assim que encontrou as resectivas munições, esgueirou-se de volta para o quarto, sem nunca premir o interruptor da luz, colocou as balas no tambor, certificou-se que o travão de segurança estava activo e sorru confiante.
De seguida, trocou de roupa e sentando-se uns minutos como para meditar no seu plano pensou:
-Sei que o que vou fazer é arriscado, mas tem de ser feito. Eles bem me tentaram limpar o cérebro, mas eu não deixei. O segredo, foi pensar apenas numa coisa. Um ponto cor de rosa.Concentrei-me no ponto cor de rosa e por mais que sentisse, os pensamentos em fila, prontos a sair, à custa daquela máquina, eu evitei-os.Agora tenho que voltar, mas tenho de o fazer sozinha.
Tal pensamento pareceu ter-lhe dado força e como uma perita, guardou a arma nas calças, abriu a janela e saltou para o exterior, desaparecendo em passos rápidos.
Com a urgência de voltar ao local, ela cometeu um pequeno deslize. Não esperou que o Jeep iniciasse a marcha. Na verdade, se ela tivese dado a volta á casa assistiria a uma cena estranha.
Na terceira tentativa que o reformado do exército operou, para que o motor da viatura rugisse, uma voz surgiu de trás dos dois ocupantes:
-Não creio que o Jeep esteja em condições de trabalhar!
Assustados, a jovem e o condutor olharam para o vulto no banco de trás.
Ao entrarem na viatura, os dois, como sempre acontece, nem olharam para a parte traseira da viatura e agora, um vulto alto e de rosto coberto, apontava-lhes uma arma:
-As surpresas hoje não acabam?
-Receio, senhor Cerqueira que estejam a começar.
-Ah, pelo menos sabe o meu nome!
-Sei de tudo.
-Então está com uma ligeira vantagem, que nós nada sabemos.
-Eu sei.
-Calculo que não tenha muita vontade de nos contar?
O sujeito sorriu levemente e afrouxou um pouco a tensão da mão sobre a arma:
-Acredite que sou seu amigo.A arma é apenas por precaução.
-Os americanos disseram a mesma coisa em Hiroshima! - Brincou Carina.
-Ah, menina Carina, mas nós não somos Americanos!
-Então o que raio são vocês, porque todo este filme?
-Não era suposto falarmos aqui, mas creio que a jovem Rita já teve emoções que cheguem por hoje.
-Pode crer, e garanto que que tendo a oportunidade de acertar contas eu...
-Você nada! Isto que se está a passar é superior a qualquer um de nós. No entanto, fui incubido de vos colocar ao corrente da situação.
-Que simpatia a sua! - Satirizou Carina.
-Bom de qualquer forma, sendo você um elemento ainda ligado ao exército, precisavamos ter a certeza que não estava corrompido.
-Corrompido? Acaso está a chamar-me corrupto?
-Não. Corrompido em termos de inocência. Eu explico...
-Sou todo ouvidos.
-Durante anos o Governo financiou uma pequena pesquiza médica. O que seria supostamente para tratar Alzheimer e outras doenças do foro neurológico, acabou por ser usado pelos piores motivos.
-Como assim?
-Pela primeira vez, uma equipa médica conseguiu a proeza de " mexer" no cérebro humano, apagando dados, eliminando receios e medos...
-Isso é bom.
-Foi o que o exército pensou! Eliminando o medo e recordações dolorosas, os soldados seriam verdadeiras máquinas temiveis no campo de batalha e se acaso fossem feridos....Era tudo apagado de novo da mente deles.
-Compreendo.
-Como tudo na vida, os elogios espalharam-se e chegaram a mãos menos ortodoxas....
-Sim, e?
-Alguns viram ai uma oportunidade unica. Formatar a mente de sujeitos normais, civis que a qualquer momento seriam ativados para assasinar algo ou alguem.
-Mas isso é possivel?
-Sim, mas desconheço os termos médicos. O que importa é que tal projecto, afastou-se do exército e parou nas mãos de uma organização poderosa.
-Mas o que isso tem a ver conosco? - Inquiriu a jovem.
-Absolutamente nada. Vocês são um efeito colateral.
-Não estou a perceber.
-Aquele que se chama Marco, foi uma das cobaias. Mas de algum modo conseguiu fugir. Na verdade, poucas pessoas resistem ao tratamento. Mas ele resistiu, não me perguntem como. Claro que a exposição à máquina 
de ondas cerebraias, afectou o seu raciocinio.
-Isso percebe-se bem.- Sorriu timidamente a Carina.
-Mas nos momentos de lucidez absoluta, esse jovem resolveu tomar nota num caderno de todas as actividades do grupo. Calculamos que nomes, moradas das bases secretas e tudo o que mais ele se lembrar estão nesse caderno.
-E tal seria uma arma eficaz contra o desmantelamento da organização!
-Exacto.Assim que souberam disso, eles agiram á procura desse jovem. Nós, que somos uma rede policial, avançamos igualmente no encalço dele. Durante um ano nada soubemos, até que a sua filha, por qualquer razão, ligou para um dos informadores a fazer perguntas. Seguimos o rasto, tal como eles.
-Então quem raptou a Rita...
-Foram eles, e se a devolveram, provávelmente atuaram sobre a mente dela.
-Claro, por isso ela estava confusa e alheada da realidade.
-Exactamente.
-Mas então e agora?
-Sabem da existência desse caderno?
-Não. - Respondeu prontamente o condutor.
-Não. Quem pode saber é a Rita.- Confirmou Carina.
-Então é tarde demais, temos de avançar.
Pegando no rádio que trazia consigo, o sujeito informou:
-Nada temos. Cremos que a jovem forneceu o paradeiro. mantenham vigilância á casa de Marco. Over!
-E nós?
-Irão para casa e aguardarão novidades nossas!
-Mas e se eles voltarem?
-Estaremos por perto.
A contragosto os dois voltaram a entrar em casa, ocultados pela forte nublina que caía, sem calcularem que a mesma nublina abrigava o corpo esguio de Rita que caminhava decidida em direcção ao asilo, onde Marco e a sua chefe se preparavam para enfrentar os seus raptores.

---------------------------Fim Capitulo 5

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