sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A Vã Glória de Te Amar - Capitulo 3




Marta Reis evidenciava os primeiros sinais de mudança, nessa aparente manhã solarenga de Domingo.
Pouco a pouco, ia-se adaptando à ideia de que realmente seria deixada em paz pelo seu passado e lentamente os aspectos negativos do passado a abandonavam.
Sabia que secretamente a coragem e a força vinham da presença de Vega na sua mente. Ao viver a sua experiência naquela cidade e ao relatá-la no diário, Marta adquiria força e sentia-se guiada como se de um mapa se tratasse. Ria, sonhava e chorava na presença sempre permanente das palavras de Vega.
Gostava particularmente de acordar e serenamente sentar-se a ler o diário e apesar de o poder fazer, a verdade é que o dinheiro começava a escassear.
Iria tomar uma decisão em breve, uma vez que a idade já pesava na procura de oportunidades no mercado de trabalho, e apesar da sua vasta experiência no ramo médico, achava que deveria recomeçar de novo, sem qualquer ligação ao que fôra e ao que fizera.
A sua vida mudaria e se antes ela tinha alguns obstáculos mentais, para ter a necessária força de mudar, a verdade é que baseada na vida de Vega, percebera que nunca é tarde para mudar.
Um sorriso de confiança estalou-lhe no rosto dorido de anos de maus tratos e serenamente retomou a leitura das peripécias de Vega:
“A minha oportunidade chegava nessa manhã radiosa de Verão.Como sucedia nestes últimos tempos, a minha chegada à redacção do jornal era discreta e desde logo me atirava ao trabalho. Por questões de vontade mental, desguarnecia o meu trabalho de rua e aumentava a minha já frenética vontade de redigir constantemente.
Não só porque ficaria perto e ao alcance visual de Glória, como por outro lado, estava sempre atento ao telefone, para poder deitar a mão a grandes furos jornalísticos.
Traçara mentalmente o meu plano de aproximação. Sabia que para os meus colegas, seria sempre visto como o provinciano que tinha a mania que era jornalista, e esse obstáculo só poderia ser ultrapassado com esforço e dedicação. A máquina de escrever tornou-se assim o meu instrumento de sucesso, abafando os meus receios no teclar rápido e constante, originando um fervoroso ruido metalizado. Um tac…tac…tac… Incessante e metódico.
Sempre me disseram que o que se fazia por amor, não era sacrifício, mas uma dádiva feita por um coração puro. Seria mesmo assim? Seria tal afirmação uma verdade?.
Ou seria eu fruto de um amor não correspondido, atormentado ao fim de algum tempo pela inutilidade de toda esta minha entrega?
Nem sempre tomamos as melhores decisões e por vezes só demasiado tarde nos aperecebemos desse feito, mas nessa altura, como serenar um coração ensaguentado de dor?
Questões que repetidamente me afluiam à mente, inquietando-me, enervando-me,assustando-me.
Sabia que o passar do tempo sem qualquer avanço, me começaria a distrair, a desiludir e antes que tal hora chegasse, teria de ser forte e dinâmico.
A verdade é que desde que chegara à invicta, que os meus gastos foram sempre avultados. Gastos em roupa, em aparência, um caminho para atingir um fim especifico…A antenção da doce Glória!
Morais havia me confidenciado que Glória, morria de amores pelo teatro e que por vezes, às sextas feiras depois de um ‘cimbalino rápido no ” Majestic”, deliciava-se com um bife num restaurante especifíco na baixa portuense. Segundo consta caro, mas bom. Mas o que o crápula não me confidenciou, foi o nome de tal restaurante.
De qualquer maneira, nem precisava de um estudo atento á minha carteira para perceber que tão cedo não poderia dar-me ao luxo de tal restaurante.
Aproximava-se o fim do mês e na verdade caro leitor, a aquisição de fatos e sapatos de verniz, leváva-me a me contentar com alguns bolinhos de bacalhau para a ceia.
Mas como confidenciei, este dia era especial. Talvez por isso caro leitor, a entrada no diário fique marcada a vermelho.
Entrei como habitualmente discreto e cedo coloquei uma folha de papel virgem no rolo da máquina, ajustei o tabulador e principiei a “metralhar” as primeiras frases do dia, quando serenamente ela chegou perto. Foi denunciada pelo seu perfume, um odor de fragâncias campestres, um bálsamo para a minha alma carente:
-Estamos em cima de uma notícia? – perguntou naquele seu jeito de diva.
-Oh não. Apenas pequenos apartes, para quem sabe eu tornar em história.
-Entendo. Tenho-me apercebido que escreve com paixão!
-Oh, não diria tanto….Mas realmente gosto de escrever e …
-Não seja modesto, a sua dedicação ao jornal não me tem passado despercebida.
-Mas é natural. É uma cidade nova e realmente eu gosto de ideias novas que possa, enfim trabalhar.
-É só das ideias?
-Como?
- Só gosta de ideias novas?
-Sim, no entanto…
-E de mulheres? Qual a sua preferência?
Sentia que o meu coração parava por uns instantes. O tum, tum, mudecera e ainda como se estivesse a sonhar, tentei raciocinar no desespero:
-Mulheres? Ah, bem não sei…Digo, sim talvez.
Ela sorriu. Um sorriso encantador e aberto. Um esgar franco num riso de Gioconda emoldurado de prazer.
-Pergunto, pois tenho uma ideia para um tema, de última página e parece-me a pessoa apropriada para o escrever.
-Eu?
-Sim, você!
-Muito bem e qual o tema?
-A liberdade dos jovens na escolha dos mais diversos estilos de visual. Sabe, meu caro, o Mundo está a mudar lá fora e os jovens são sempre os primeiros a aperceberem-se disso.
-Realmente…
-São como gaivotas. Quando sentem tempestade abrigam-se em terra. Tente apresentar-me algo até hoje ao fim da tarde.
Mudo e nervoso via-a a afastar-se e eu, satisfeito comigo mesmo apercebia-me agora que o meu plano estava a resultar. Só tinha de a saber encantar!”


Marta sorriu e fechou o diário e dirigindo-se ao envelope das suas finanças em cima do armário, guardou-o juntamente com o diário na mala e passando os dedos pelos cabelos, saiu para a rua.



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