terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A Vã Glória de Te Amar - Capitulo 4 - parte 2




Como uma colegial, a acabar de descobrir algo que realmente lhe dava prazer, Marta Reis, subiu as escadas do seu retiro forçado, saltando de dois em dois degraus, até alcançar a porta do seu quarto.
Num suspiro decidido, rodou a chave, entrando rapidamente, batendo a porta atrás de si, impurrada pela ponta do seu pé esquerdo e sem perder tempo sentou-se na cama, abrindo a carteira.
Num gesto metódico, como se fosse uma cirurgiã a retirar um orgão do corpo de um paciente, retirou cuidadosamente da sua bolsa um caderno A4 azul e duas canetas Bic, uma azul e uma preta e com toda a calma deste mundo, pousou-as sobre a colcha e sorriu como à muito não sorria.
Tinha uma vaga ideia do que pretendia fazer, só ainda não delineara os contornos da operação. Iria seguir o exemplo de Vega e escrever o seu próprio diário, sobre este isolamento forçado.
Seguiria as pisadas do seu ” Tutor” virtual e quem sabe se não auxiliária alguém que se encontrasse na mesma situação ou que precisasse unicamente de conforto.
Ela assistira no pequeno diário à introdução de Vega numa nova cidade, à sua primeira paixão avassaladora e até ao momento em que havia lido, á sua aparente satisfação profissional.
Durante todo este tempo, em que auto-forçara ao isolamento, Vega havia sido o seu unico companheiro, a sua única ” voz” de conforto e ela cuidava agora que lhe devia um tributo.
Ansiosa, acendeu um cigarro e erguendo-se ensaiou na mente um começo para o seu diário. Por diversas vezes caminhou alheada em círculos pequenos no pequeno quarto, a saborear e a testar as melhores palavras, a trabalhar literáriamente as ideias que lhe assolavam à mente em catadupa.
Para sua surpresa havia escolhido seis versões diferentes de abertura e sempre que olhava para as folhas imaculadas do caderno, hesitava e recomeçava o proceso de novo.
Ao fim de uma hora, a excitação esmoreceu e apáticamente ela começava a dar-se conta que ainda não chegara a uma abertura digna do seu diário.
Se de inicio achava que tal era normal, até porque ouvira de muitos escritores amigos, que o pior de tudo é começar, a verdade é que a ausência de um começo a decepcionara.
Apagando a quinta beata desde que chegara da rua, ela encolheu os ombros e como que desistindo, ou quiçá procurando inspiração, sentou-se no chão, de pernas cruzadas, e sacando o pequeno diário de Vega da bolsa, recomeçou a leitura:
“Pois eis que me foi incubido, por parte da minha directora do jornal e diga-se de passagem, minha musa inspiradora, um tema pouco recorrente e de imenso desafio: “A liberdade dos jovens na escolha dos mais diversos estilos de visual.”
Como poderia eu, recém chegado a esta nova cidade ter a chance de redigir tal artigo? Eu que provava agora, como um teenager inconsciente as maravilhas das modas e dos fatos clássicos, as camisas de fino porte. Eu que jamais no passado usara roupa adequada com os padrões da moda. Eu que sendo o filho mais novo da família, sempre usava a roupa que aos meus irmão deixava de servir, como poderia agora debruçar-me sobre este tema.
Via, por conseguinte, a grande oportunidade de impressionar a Glória a esfumar-se. O mais certo, pensei eu na minha falta de alento e tristeza, seria o de ser motivo de chacota e gozo dentro do jornal.
Pobre de mim, que apenas ambicionava um pouco de atenção!
Mas caro leitor, tenho presente que é na adversidade e na confrontação com objectivos desafiantes que se deve ter a atitude certa.
Talvez eu na verdade fosse saloio. Talvez eu na verdade nada soubesse do tema, mas se por acaso fosse monárquico, tal seria impeditivo de escrever sobre a Democracia? Não, claro que não.
Um jornalista deve ser imparcial, deve dissecar a razão do próprio assunto e não a sua razão. Isso seria o caminho, pensei de satisfação.
Munido de um impulso indecritivel, agarrei dois lápis e o pequeno bloco de apontamentos e endireitando-me, soltei á laia de aviso, para que todos me ouvissem: Vou para serviço externo! E de sorriso rasgado saí!
Não tinha na verdade qualquer ideia por onde começar, mas sentia apenas que o tinha de fazer, e respirando fundo, fui atingido por um pensamento relâmpago.
Claro! – Pensei. Se quero a opinião dos jovens, vou á procura delas.
O leitor na verdade deve estar a pensar, coitado vai ser trucidado por esta juventude carente de afirmação. Assim que proferir que sou Jornalista, logo me vão cair as mais loucas e inverosímeis histórias e manias de perseguição.
Não, meu caro leitor. Eu tenho dois dedos de testa e sei perfeitamente que a única forma de um jovem manifestar a sua opinião sincera, é ser provocado.
Deliciado por este meu plano, esfreguei as mãos, dei uma vista de olhos ás capas de revista de jovens, com particular atenção para a ” Sempre Jovem”, decorei dois ou três temas da capa e sorridente avancei até aos portões da escola mais perto.
Iria me passar por agente de estudo de mercado e iria insinuar que a venda deste tipo de publicações era desnecessária e inconcebível.
Tal evidentemente não era a verdade, pois os estudos de vendas mostravam que era um produto com saída, mas relembro caro leitor que eu procurava apenas “picar” o orgulho dos jovens.
Creio que não valerá muito a pena desenvolver esta tarde metódica, apenas ressalvo que tudo correu como esperava e que no dia seguinte, iria entregar o original dactilografado, em mão, à minha prezada directora. No fundo os dados estavam lançados.”
Marta Reis, fechou o caderno e meditou por uns instantes. Depois voltou a abrir metódicamente o diário e releu as expressões que a cativaram: “tenho presente que é na adversidade e na confrontação com objectivos desafiantes que se deve ter a atitude certa.”
Ela sorriu timidamente e mais uma vez compreendera a mensagem de Vega. Claro! – Pensou. Era isso mesmo, se ela resolvera escrever, iria escrever. Seria como saísse, sem preparação. Afinal era um diário e não um Best- Seller. A Atitude certa, era escrever, deixar a sua alma falar. Tão somente isso.
Ganhando novo ânimo, Marta principiou a escrever as primeiras linhas, entre longas névoas de nicotina.

1 comentário:

  1. FINALMENTEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE
    há muito que ja desejava mais um capitulo deste conto, que me prende e rende, em 'duas historias'!!!

    Ando curiosa...para mais...mais e mais e mais

    Escreveeeeeeeeeeeee :)

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