quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A Vã Glória de Te Amar - Capitulo 4 - Parte 3


Num assombro de vivacidade e alheamento do que a rodeava ou do que a podia atormentar, Marta Reis relatava o principio das suas memórias, que teimosamente achara por bem escrever.
Se a inicio recusava-se sequer a abordar o seu passado, com medo dos seus fantasmas recentes, agora que a ponta da caneta escorregava em caracteres precisos e metódicos, ela sentia que ganhava força e energia, no combate ao seu interior mais negro.
Tomando como ponto de partida lógico, o principiar pelo seu mau casamento, discorreu em linhas duras a falsa paixão que, acompanhada por um suspiro saído quase inaudivelmente dos seus finos lábios, "QUE TONTA EU FUI!", até ao momento de terror em que ia descobrindo que o pretenso perfeito candidato a marido ( nas palavras de seu pai), mais não era que um arrogantezinho, de punhos duros, sem capacidade de argumentação que não fosse num murro disparado á traição, ou num pontapé subtil,que regra geral a atiravam como um pedaço de pano para o chão agora ensaguentado da cozinha.
Alinhando as recordações, primeiro numa folha de rascunho, acendia um cigarro e teimosamente voltava á carga, hesitando entre as palavras, como quem hesita entre caminhos ou ruas.
Tratava-se de se descobrir a si mesma, de procurar aquela Marta que o tempo e a amargura de uma vida não vivida, mas apenas sofrida, escondera.
O ritmo do Sol, acompanhava pela janela o ritmo com que escrevia. Á sua frente, num pequeno cinzeiro improvisado, as beatas jaziam na medida da furia ou da contemplação da autora.
Se o capitulo, ou parte do texto lhe inspirava raiva, esmagava implacávelmente a beata, sem se preocupar de sacudir a cinza e contemplava com ar severo o exterminar do sinal fumegante. Se por outro lado, estava numa fase contemplativa e serena, rodava a ponta de vermelho vivo do cigarro, na berma do cinzeiro, observando os cachos de cinza que tombavam carinhosamente na berma, formando um lastro acizentado.
" No principio de tudo, ele era perfeito. Cativante, terno, meigo, disciplinado. Era aquele homem que sempre tinha a palavra certa, a frase ponderada, a calmia de um mar de verão. Tudo nele, era nesse tempo perfeito. O sorriso aberto e franco ( agora sei que calculado), as unhas impecávelmente bem tratadas, os dedos delgados e macios. Nada nele destoava, quer ele se apresentasse em Bermudas para ir á praia ou piscina, quer se apresentasse mais formal. Era um sedutor nato. Porem reconheço que não era a mim  que seduzia! Ah não, este é o tipo de homem que tem tudo calculado, que tem um plano, que é absorvente em todos os detalhes.
Cedo, esta criatura percebeu que a minha força residia no meu Mundo. E esse Mundo eram os meus pais e meus amigos. A minha vida pessoal, era a minha esfera de oxigénia, onde eu me podia desligar das injustiças de doentes terminais, ou doenças fatais. Ali, entre eles era a Martinha, não a Drª Reis.
Arrisco a dizer que entre eles, eu era na verdade gente!
Como uma lingua de água numa parede dura ele foi se aproximando, procurando ruturas, procurando brechas, onde se poderia infiltrar e assim quebrar a minha defesa, a minha grande muralha do discernimento.
O leitor sabe perfeitamente, que mesmo que tenhamos um grande apreço pelas pessoas que nos são queridas, por vezes ( coisa de Mulher), deixamos escapar frases, ou ideias sobre elas. Frases que inevitávelmente seriam mal usadas e manipuladas por ele, e assim entricheirava-se no meu Mundo, a tal ponto que era a ele que procuravam para os variados convites ou conselhos. Eu?? Passei a ser a mulher dele, mesmo antes de casar. Era aquela que estava com ele.
Subitamente deixei de ser a Martinha, para ser a Marta em alguns casos até, Dona Marta.Sem dar conta, passei a ser uma convidada em casa dos meus pais, em que ele geria as atenções como se fosse o anfitreão.
O sorriso sempre meigo do meu pai, passou a ser substituido por um olhar seco e introspectivo, acompanhado dos mais dilacerantes chavões...Marta, segura este homem, ou, Marta homens como este, há muito poucos...ou, Vai-te fazer tão feliz!
Inevitávelmente casei, ou melhor...me condenei! Não chorei a caminho do Altar, pois talvez interiormente soubesse que iria precisar de uma reserva inesgotável de lágrimas. Casei de branco, sem sexo, sem o ver nu, sem me ter apalpado, sem me ter beijado de lingua...Tenho respeito por ti e pelos teus pais....Seremos felizes, quando casados dermos largas ao nosso amor....Querida, obvio que te desejo, mas é cedo....Pois!
Obviamente que meses mais tarde,já depois de ele ter-me saltado em cima durante toda a lua de mel, de me ter usado e abusado, de nunca me ter explicado o que raio era suposto fazer, descobri que o santo pregara em várias miudas solteiras antes do casamente e ocasionalmente, ainda pregava em altares revestidos de Motel.

"QUE TONTA EU FUI!", e que covarde seria nos próximos tempos"

Marta reis levantou-se, mirou por alto as folhas escritas e com um sorriso de satisfação, principiou a passar cuidadosamente a limpo para o caderno. esse sim, já sem as marcas de lágrimas que lhe caiam nas folhas de rascunho enquanto escrevia.
Sentia-se leve, livre e acima de tudo principiava a estar em paz consigo mesma.

2 comentários:

  1. Sem querer ofender,ou parecer demasiadamente ofensiva, foi com agrado que registei no teu incrivel modo de escrita, passagens que de fato, poderia dizer que são escritas por um pulso feminino. A apreciação da conduta do "perfeito cavalheiro", afinal " Homo Horribles", a suavidade alternada com a furia do quanto sofrera.
    Registo a "mea Culpa" dela na abordagem do tema. Porque nós, mulheres achamos sempre que somos as culpadas e nunca as vitimas?
    Defines episódios reais, inelizmente presentes em muitos dos nossos lares, de um modo suave mas tremendamende acusador.Não feres, não magoas, mas alertas como toda a boa escrita devia ser.
    No fim,a deliciosa ironia, a metáfora bem construida: "santo pregara em várias miudas solteiras antes do casamente e ocasionalmente, ainda pregava em altares revestidos de Motel."
    Leio-te desde o primeiro capitulo,que encontrei por acidente e acompanho mesmo após eternas esperas,a vida espalmada em escritos supostamente escondidos e proibidos de duas pessoas distantes no tempo.
    Quero que saibas que regularmente venho aqui,esperando o que de melhor podes dar a alguem que infelizmente já passou um pouco por isso. Foi secretamente isso que me agarrou.
    Se todos os homens pensassem como tu, o Mundo era perfeito.
    Não sei se existe livro disto,mas choro e rio ao te ler.
    QUE TONTA EU SOU, mas a tua escrita dá-me prazer.

    Obrigada em nome de nós mulheres,esquecidas e maltratadas.

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  2. Desculpa não sei como colocar comentário com mail, mas aqui deixo a autoria do comentário

    Lurdes P.

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