Se a inicio recusava-se sequer a abordar o seu passado, com medo dos seus fantasmas recentes, agora que a ponta da caneta escorregava em caracteres precisos e metódicos, ela sentia que ganhava força e energia, no combate ao seu interior mais negro.
Tomando como ponto de partida lógico, o principiar pelo seu mau casamento, discorreu em linhas duras a falsa paixão que, acompanhada por um suspiro saído quase inaudivelmente dos seus finos lábios, "QUE TONTA EU FUI!", até ao momento de terror em que ia descobrindo que o pretenso perfeito candidato a marido ( nas palavras de seu pai), mais não era que um arrogantezinho, de punhos duros, sem capacidade de argumentação que não fosse num murro disparado á traição, ou num pontapé subtil,que regra geral a atiravam como um pedaço de pano para o chão agora ensaguentado da cozinha.
Alinhando as recordações, primeiro numa folha de rascunho, acendia um cigarro e teimosamente voltava á carga, hesitando entre as palavras, como quem hesita entre caminhos ou ruas.
Tratava-se de se descobrir a si mesma, de procurar aquela Marta que o tempo e a amargura de uma vida não vivida, mas apenas sofrida, escondera.
O ritmo do Sol, acompanhava pela janela o ritmo com que escrevia. Á sua frente, num pequeno cinzeiro improvisado, as beatas jaziam na medida da furia ou da contemplação da autora.
Se o capitulo, ou parte do texto lhe inspirava raiva, esmagava implacávelmente a beata, sem se preocupar de sacudir a cinza e contemplava com ar severo o exterminar do sinal fumegante. Se por outro lado, estava numa fase contemplativa e serena, rodava a ponta de vermelho vivo do cigarro, na berma do cinzeiro, observando os cachos de cinza que tombavam carinhosamente na berma, formando um lastro acizentado.
" No principio de tudo, ele era perfeito. Cativante, terno, meigo, disciplinado. Era aquele homem que sempre tinha a palavra certa, a frase ponderada, a calmia de um mar de verão. Tudo nele, era nesse tempo perfeito. O sorriso aberto e franco ( agora sei que calculado), as unhas impecávelmente bem tratadas, os dedos delgados e macios. Nada nele destoava, quer ele se apresentasse em Bermudas para ir á praia ou piscina, quer se apresentasse mais formal. Era um sedutor nato. Porem reconheço que não era a mim que seduzia! Ah não, este é o tipo de homem que tem tudo calculado, que tem um plano, que é absorvente em todos os detalhes.
Cedo, esta criatura percebeu que a minha força residia no meu Mundo. E esse Mundo eram os meus pais e meus amigos. A minha vida pessoal, era a minha esfera de oxigénia, onde eu me podia desligar das injustiças de doentes terminais, ou doenças fatais. Ali, entre eles era a Martinha, não a Drª Reis.
Arrisco a dizer que entre eles, eu era na verdade gente!
Como uma lingua de água numa parede dura ele foi se aproximando, procurando ruturas, procurando brechas, onde se poderia infiltrar e assim quebrar a minha defesa, a minha grande muralha do discernimento.
O leitor sabe perfeitamente, que mesmo que tenhamos um grande apreço pelas pessoas que nos são queridas, por vezes ( coisa de Mulher), deixamos escapar frases, ou ideias sobre elas. Frases que inevitávelmente seriam mal usadas e manipuladas por ele, e assim entricheirava-se no meu Mundo, a tal ponto que era a ele que procuravam para os variados convites ou conselhos. Eu?? Passei a ser a mulher dele, mesmo antes de casar. Era aquela que estava com ele.
Subitamente deixei de ser a Martinha, para ser a Marta em alguns casos até, Dona Marta.Sem dar conta, passei a ser uma convidada em casa dos meus pais, em que ele geria as atenções como se fosse o anfitreão.
O sorriso sempre meigo do meu pai, passou a ser substituido por um olhar seco e introspectivo, acompanhado dos mais dilacerantes chavões...Marta, segura este homem, ou, Marta homens como este, há muito poucos...ou, Vai-te fazer tão feliz!
Inevitávelmente casei, ou melhor...me condenei! Não chorei a caminho do Altar, pois talvez interiormente soubesse que iria precisar de uma reserva inesgotável de lágrimas. Casei de branco, sem sexo, sem o ver nu, sem me ter apalpado, sem me ter beijado de lingua...Tenho respeito por ti e pelos teus pais....Seremos felizes, quando casados dermos largas ao nosso amor....Querida, obvio que te desejo, mas é cedo....Pois!
Obviamente que meses mais tarde,já depois de ele ter-me saltado em cima durante toda a lua de mel, de me ter usado e abusado, de nunca me ter explicado o que raio era suposto fazer, descobri que o santo pregara em várias miudas solteiras antes do casamente e ocasionalmente, ainda pregava em altares revestidos de Motel.
"QUE TONTA EU FUI!", e que covarde seria nos próximos tempos"
Marta reis levantou-se, mirou por alto as folhas escritas e com um sorriso de satisfação, principiou a passar cuidadosamente a limpo para o caderno. esse sim, já sem as marcas de lágrimas que lhe caiam nas folhas de rascunho enquanto escrevia.
Sentia-se leve, livre e acima de tudo principiava a estar em paz consigo mesma.
Sem querer ofender,ou parecer demasiadamente ofensiva, foi com agrado que registei no teu incrivel modo de escrita, passagens que de fato, poderia dizer que são escritas por um pulso feminino. A apreciação da conduta do "perfeito cavalheiro", afinal " Homo Horribles", a suavidade alternada com a furia do quanto sofrera.
ResponderEliminarRegisto a "mea Culpa" dela na abordagem do tema. Porque nós, mulheres achamos sempre que somos as culpadas e nunca as vitimas?
Defines episódios reais, inelizmente presentes em muitos dos nossos lares, de um modo suave mas tremendamende acusador.Não feres, não magoas, mas alertas como toda a boa escrita devia ser.
No fim,a deliciosa ironia, a metáfora bem construida: "santo pregara em várias miudas solteiras antes do casamente e ocasionalmente, ainda pregava em altares revestidos de Motel."
Leio-te desde o primeiro capitulo,que encontrei por acidente e acompanho mesmo após eternas esperas,a vida espalmada em escritos supostamente escondidos e proibidos de duas pessoas distantes no tempo.
Quero que saibas que regularmente venho aqui,esperando o que de melhor podes dar a alguem que infelizmente já passou um pouco por isso. Foi secretamente isso que me agarrou.
Se todos os homens pensassem como tu, o Mundo era perfeito.
Não sei se existe livro disto,mas choro e rio ao te ler.
QUE TONTA EU SOU, mas a tua escrita dá-me prazer.
Obrigada em nome de nós mulheres,esquecidas e maltratadas.
Desculpa não sei como colocar comentário com mail, mas aqui deixo a autoria do comentário
ResponderEliminarLurdes P.