terça-feira, 26 de abril de 2011

Infidelius - Capitulo 2



"Rimas na rima de um grito
palpitar de um coração maldito
Ó Musa da dor, eu já havia dito
que este devaneio é puro mito" - Mefistus
 
Ele caminhou tranquilo até ao seu pequeno gabinete, fechando cuidadosamente a porta e após baixar os cortinados electrónicos, sentou-se calmamente na cadeira giratória de couro e abrindo a pequena caixa de cartão da máquina fotográfica Sony sorriu. Marisa, a filha da sua companheira iria em breve fazer anos e ele aguardava ansiosamente esse momento. A entrada de Marlene e Marisa nas suas vidas não fôra obra do acaso, fôra aliás um verdadeiro achado.
Jamais poderia esquecer a primeira vez que viu Marlene sentada ao balcão da pastelaria, a sorver calmamente um café. Calma e tranquila mas simultaneamente nervosa e meditativa. Não era própriamente uma pessoa intelectual e o seu vestido rosa e laranja, já algo gasto, revelava duas hipóteses: 1- Ou ela era desleixada ( o que significava que morava sozinha e era solteira ou divorciada e que tinha perdido a esperança no amor).Uma vítima interessante, mas que precisava de tempo para ser trabalhada e acreditada.2- Ou ela não tinha emprego, nem dinheiro pelo que se justificava o ar de apreensão com que bebia o café. Sendo assim, o tempo a investir era menor e portanto mais fácil de atacar!.
Ele não tinha chegado tão longe na vida se não fosse a sua capacidade unica de observar as pessoas, de lhes traçar um quadro mental, no fundo de estudar as feições e interpretar "sinais".
Um sorriso de satisfação estalou-lhe no rosto ao manusear a câmera que iria oferecer a Marisa, enquanto na sua mente mantinha perpetuado o desenvolvimento da sua aproximação a Marlene. Na verdade e apesar de tudo o que aprendera, nesse dia agira por instinto.
Percebendo que teria de ser rápido, Nicolas aproximou-se de Marlene, pediu um café á menina de farda branca e no momento em que ia pegar na chávena, simulou que se havia queimado e entornou o café sob o vestido de Marlene:
-Oh Pardon senhora! - Disse num falso ar aflito.
-Merda! Não acredito....Eu não posso acreditar??
-Lamento minha senhora, queimei-me! - Continuou a representar.
Vendo a mancha castanha crescer no vestido, Marlene quebrou anímicamente,principiando a chorar aflitivamente:
-Devia ter cuidado. Eu não posso acreditar!
-Mas senhora...
-Mas nada, seu irresponsável! Eu ia para uma entrevista de trabalho....Meu Deus e agora!
Continuando a agir por impulso, indiferente aos olhares curiosos e acusatórios que se cravaram nele, Nicolas agiu galantemente. Segurando ao de leve a mão de Marisa, propôs:
-Vai a essa entrevista sim. Eu sinto-me mal pelo sucedido e reparei que há uma loja aqui perto. Deixe-me pagar-lhe um vestido novo, ou outra solução!
-Como?
-Senhora, dinheiro não é problema para mim. Se aceitar posso já pagar-lhe directamente o vestido, contudo fazia questão de a compensar pessoalmente na escolha de indumentária que lhe permita causar sensação. - Nicolas abusava do seu sotaque.
Marlene pareceu hesitar ante a oferta, erguende ao de leve a sobrancelha:
-Por favor, deixe-me compensá-la deste desastre. Eu trabalho em moda, venha comigo!
Sem dar tempo de resposta a Marlene, pousou duas modas de 2 Euros no balcão e piscando levemente o olho á empregada, confirmou:
-Pago os cafés e a maçada por ter de limpar o chão!
Segurando levemente a mão de Marlene, conduziu-a ao exterior e daí foram directamente para a praça de Taxis:
-Mas aonde vamos?
-Senhora, deixe tudo ao meu cuidado. A que horas é a sua entrevista?
-Daqui a uma hora e meia. Já não vou ter tempo...
-Não se preocupe, seremos rápidos.
Entrando rapidamente no Taxi, com Marlene ainda baralhada, Nicolas ordenou ao pequeno sujeito de bigodes fartos:
-Para rua de Santa Catarina, por favor!
A sua companheira de viagem estava inacreditávelmente desfeita. As lágrimas escorriam-lhe abundantemente e sem perceber como, estava num taxi com um estranho sujeito, que muito provavelmente acabava de lhe arruinar a ultima chance concreta de emprego que teria nesses meses.
A sua vontade era de o esbofetear até a mão lhe doer, ou torcer-lhe um braço enquanto desatava aos pontapés á sua barriga. Odiava-o!
Contudo, ele permanecia seguro dele mesmo, calmo e atencioso, como se pudesse de alguma forma solucionar o acidente em tempo recorde.
O padrasto de Marisa ensaiou três fotografias, como para se certificar que a máquina funcionava nas perfeitas condições, guardando-a cuidadosamente na caixa de cartão, sem se importar de apagar as fotografias. O Aniversário de Marisa iria ser um acontecimento grandioso, pensou a sorrir.
Nicolas Duprés sendo Belga e apesar de residir desde os seus três anos num suburbio de Paris, odiava profundamente os Franceses e as suas manias de grandeza.
A vida não lhe fôra dificil, tendo uma infância feliz, num verdadeiro ambiente familiar de paz, onde apesar dos recursos financeiros bastante limitados, provenientes de uma mãe agricultora e de um pai barbeiro, conseguiu seguir a escolaridade normal e a Universidade.
Cedo aprendeu que o seu corpo era a sua máquina de trabalho e que dele deveria tirar o maior proveito, mas nunca percebera a sua verdadeira inclinação para o charme até conhecer aos seus 23 anos, Jerome Dubliss.
Jerome atravessou-se no seu caminho, numa fase em que Nicolas procurava um destino de carreira, um sentido de vida. O jovem Belga tinha um grande defeito e que curiosamente com a ajuda de Jerome iria transformá-lo em virtude: A ambição de poder.
Ele era um burlão da velha guarda, bastante conhecido pela policia local e que precisamente por isso, procurava um novo modo de se manter no negócio, sem ter os inspectores á perna.
Enquanto burlão, Jerome era um perfeito estratega porém faltava-lhe a capacidade de convencer, a capacidade de fazer acreditar e nessa tarde de verão ao ser abordado por um jovem vendedor percebeu que esse homem tinha a capacidade para impressionar, apenas precisava de ser guiado.
O idoso sujeito planeava a reforma ideal, mas faltava-lhe um braço direito, um seguidor, alguem que pudesse perpetuar no tempo os seus ensinamentos, e tinha em Nicolas o aluno ideal.
Para espanto de Marlene, o sujeito que a levava pela mão,agiu sempre com voz de comando e firmeza nas suas acções. Havia sido rápido a dirigir-se ao balcão e poupara-a de explicar o que quer que fosse, á senhora de nariz empinado:
-Pardon, senhora mas tivemos um acidente e necessitávamos da sua ajuda.
-Ah sim? - Respondeu a dona de loja.
-Oui. Um acidente terrivel! Entornei café no vestido desta senhora e precisava da sua experiência para que ela possa se vestir de acordo com a Moda.
-Moda? - Questionou a mulher baralhada.
-Oui. Sabe, nós vamos ter um almoço com o embaixador e queremos causar boa impressão!
-Ah compreendo!
A senhora olhou atentamente Nicolas, de fato e gravata impecávelmente bem penteado e barbeado e olhou desolada para Marlene, que se mantinha espantada com a insinuação do almoço com o embaixador. Porque raio ele disse aquilo?
Agindo profissionalmente, a dona da loja atirou:
-E exactamente o que a senhora estaria a pensar em usar?
-Ah, eu penso que aqueles vossos vestidos roxos grapeados em cetim...Creio que da colecção da primavera passada seria uma excelente escolha.
A senhora atirou um olhar de admiração ao sujeito:
-Está familiarizado com a nossa linha de Primavera? Mas isso é encantador.
-Oui je sui Un conaisseur! Ah pardon, o que pretendo dizer é que sim, com efeito adoro o efeito dos vossos vestidos. Gostei igualmente das vossas camisas em V, com entrada de lenço de senhora no pescoço.
-Ah sim, as Saint Marten são muito requisitadas de facto.
-Oui, sim são.
Marlene olhava boquiaberta para os dois, sentindo-se como se eles fossem dois mecânicos a falarem de automóveis e motores.
Ganhando entusiasmo pelo conhecimento do cliente, a senhora agarrou a mão de Marlene e conduziu-a discretamente até ao vestuário, onde nessa meia hora ia fazendo chegar vestidos e vestidos, entre protestos de falta de paciênca de Marlene.
Não ligue ao preço, não se preocupe, não se importe com isso, sim fica-lhe bem, na certa que a senhora saberá o que seja melhor.
Marlene vestia e tirava e vestia, sem reparar uma unica vez que a cortina do provador não estava bem fechada e Nicolas ia gozando com a vista.
Quando por fim o tamanho certo do vestido roxo foi escolhido, Nicolas ergueu-se do seu sitio estratégico e sorrindo para Marlene indagou:
-Que número calça?
-32. Porque?
Sem responder, Nicolas voltou-he as costas e encarando a dona da loja, avançou:
-Como está calor, eu estava a pensar naquelas vossas sandálias de salto, com três tiras de couro...
-Ah, as Marselhesas. Sim, creio termos esse numero.
-AH NÃO, SANDÁLIAS NÃO!!
-Muito bem, então talvez uns sapatos fechados, estilo DIOR?
-Sim temos.
-Ah bom, vamos nesses então!
Exactamente quarenta e cinco minutos  e 2300 euros depois, sairam em direcção a um Taxi que deixou Marlene á porta da entrevista:
-Não sei como lhe agradecer!
-Sabe sim, venha almoçar comigo. Eu aguardarei o fim da entrevista.
-Mas e o seu trabalho?
-Preocupe-se com a entrevista!
Se Jerome o tivesse visto em acção nesse dia veria com agrado que os seus ensinamentos tinham valido ouro. Até que o Visa roubado desse baixa no sistema, o banco reembolsaria o valôr gasto no vestido e em compensação, tinha Marlene. Não poderia imaginar que iria ter um bónus. A Marisa!




5 comentários:

  1. Completamente rendida a este teu novo conto!

    :)

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  2. E vão 2 !
    Quando sai o capitulo 3 ?

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Bom sabêr que tal como no Eskizofrénico, acompanhas atentamente a leitura de mais um conto meu, Carina.
    Obrigado pela tua visita!

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  5. Os tiques Franceses de uma personagem bastante credível.Fascinada por mais um inesquecível arrojo de eficácia. Eu que já havia gostado do seu outro romance. Continue a deliciar-nos, por favor.

    Anabela Reis

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