sexta-feira, 20 de maio de 2011

Infidelius - Capitulo 5 (parte 3)



" Sei que estou no caminho certo,quando sinto
  a força dos teus passos no chão dos meus lábios
  - e me perco em cada um dos recantos do caminho
  dos teus." - Patrícia Santos in "Pedaços de Mim" - 2011
http://pedacosdemimpsantos.blogspot.com/

Sentado na esplanada do pequeno café, enquanto aguardava a chegada do amigo, Caio não conseguia deixar de pensar em Marisa. 
Como a sua vida subitamente mudara desde que a conhecera. Ele que se prontificava a aceitar o ingresso num curso de medicina para agradar a força paternal, ele que se limitava a ser a sensação da equipa de Futsal, o gajo de bem da turma, o inacessível para muitas criaturas que procuravam a sua atenção, fôra drásticamente rendido, pelo suave encanto de Marisa.
Talvez Marisa não fosse bela, pelo menos aos olhos de outrém. Talvez ela pouco tivesse de feminina, ou talvez fosse inveja de outros. Fosse como fosse , desde o momento em que os seus lábios tocaram os dela, que ele mudou. 
Todas as suas conquistas pessoais e escolares lhe pareciam coisa sem interesse, inutilidades. O projecto de vida que o pai sempre lhe indicava era agora irrisório, banal, pouco interessante. Não era isso que ele queria para si!
Ele queria Marisa. Apenas isso. Marisa de corpo esguio e olhares fulminantes. Marisa de lábios carnudos e alma imensa. Marisa dona de uma loucura invulgar e por incrível que pareça, dona da sua razão e da dele.
No início bastava-lhe vê-la de soslaio pela frincha da janela, ou segui-la a metros de distância decorando o seu andar trémule e balanceado. Perdido no seu jeito masculino de caminhar, de mochila a tiracolo, sacudindo-a no ombro ao vagar dos seus passos. Incrível o poder da paixão, incrível como algo nos faz cair de joelhos pela mais improvável pessoa.Ela não fazia parte do seu círculo de amigos, ela não era de todo o seu modelo de mulher, mas ela era ela, a tal, a unica, a mulher da sua vida. Talvez  o Destino fosse um monstro sádico que surgira para o satirizar, talvez fosse a improbabilidade de mundos diferentes, como aprendera em física, os sopostos atraiem-se, ou talvez ela fosse bem mais do que os olhos nus e acusatórios de todos os pressupostos de uma sociedade que idealizava padrões.
Mas pouco a pouco, esses breves momentos eram demasiado fúteis para ele. teria de se aproximar, de a sentir,de se declarar e no fim de tudo de a beijar.
Na discoteca era tudo mais fácil á sexta feira à noite. Ele limitava-se a ser o galã da escola, o amigo fixe e a galar as miudas com o seu olhar treinado ao espelho. Futilidades, pensou com embaraço.
Jamais conquistaria Marisa desse modo. Caio acreditava que a melhor forma de a conquistar era ser ele mesmo, com os seus defeitos, a sua ingenuidade pura e as suas virtudes. Será que ela veria as suas virtudes? Teria ele algumas?
Por ela iria sacrificar a sua reputação ao amigo, iria abrir a boca, e confidenciar, tal como fizera em casa a sua paixão pela "bruxa da escola". Nada mais havia a escondêr e bem vistas as coisas, já lhe bastava de pessoas a quererem indicar-lhe o seu caminho.
Tontos! Ele sabia agora o seu caminho. Seria feito de par em par, de mão dada e olhar no infinito com Marisa. Rumariam para longe, viveriam com pouco ou até quase nada, mas viveriam felizes.
Desde o inicio oficial da relação que Caio se sentia revoltado com o padrasto de Marisa. Não fazia ideia ao certo da influência que ele tinha nela, mas era visível o seu mêdo e terror quando ele aparecia constantemente:
-Ouve Caio, não posso faltar às aulas nem estar contigo fora da escola. Se o fizer, tenho de estar escondida, bem escondida entendes? - Confidenciou-lhe ela um dia à saída da biblioteca da escola.
-Ah Marisa toda a gente falta! É por isso que foram criadas as faltas justificadas. Até mesmo para quem trabalha...
-Não entendes Caio! Eu não posso faltar, não posso ser expulsa da sala de aula, não posso sair da linha...
-Mas tu não és assim. Tu nunca te ralas para o Mundo!
-Eu sei, mas tenho de o ser aqui dentro.
-Mas porquê?
-Porque se o fizer ele o saberá.
-Ele?
-O meu padrasto.
-E acaso vai-te batêr? - Caio estava confuso com o olhar de mêdo dela.
-Não entendes...Deixa, é complicado.
As suas mãos seguraram ao de leve os ombros dela:
-Não. Não entendo de facto, mas explica-me!
-Não posso...
-Marisa, se nos amamos temos de aprender a confiar um no outro.
Lentamente avançavam para o portão da escola e então ela tremeu. Não era um tremor de frio, mas de mêdo:
-Merda, ele está ali. Caio afasta-te.
- Quem?
- Caio, afasta-te, por favor!
 Prontamente ele deixou-se ficar gradualmente para trás e observou distraidamente ela a se afastar em direcção ao Jeep cinzento. Reconheceu de imediato o condutor, fruto das vigílias que montara no café em frente ao seu prédio. Acendeu um cigarro e encostado à parede, tapado pela fila desordeira de alunos que saíam.
Viu que sem proferir qualquer palavra ela entrou dentro do carro, sentando-se e não mostrando qualquer reacção para com o condutor, limitando-se a puxar a fivela do cinto e pelo canto do olho, olhou na direcção de Caio como se despedindo.
Porque ela o temia? Porque ela parecia uma condenada à prisão na sua companhia?
Ele deixou cair a ponta do cigarro com aparente mau estar, e levando a mão ao bolso, retirou o pequeno pedaço de papel que ela lhe havia dado por entre doces beijos: marisainpain@hotmail.com.
Acenou com a cabeça com firmeza e antes que alguem o interrompesse avançou obstinadamente até casa, tendo a secreta esperança de a conseguir apanhar na net.
Caio afastou as memórias, como quem afasta uma nuvem invisível de mosquitos e ao vêr Guilherme chegar sorriu ao de leve. Não sabia como ele iria reagir à sua decisão, mas sobretudo agora precisava desesperadamente de uma palavra amiga.
 A unica certeza é que por ela ele lutaria com todas as suas forças. Na sua mente ela era a princesa imaginária, refêm na torre mais alta do castelo e o padrasto podia ser o seu Dragão que a guardava de outras tentações.

Como poderia ele matar o Dragão?

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