terça-feira, 9 de agosto de 2011

Infidelius - Capitulo 12 (parte 5)




"Desapareço entre a cortina da sina,
as lágrimas seguem-me, de mãos dadas,
cansadas da coreografia infeliz...
Agradecem e despedem-se..." Inês Dunas
"Ultimo Acto" - http://librisscriptaest.blogspot.com/2011/06/ultimo-acto.html


E o sopro do infortúnio que nos acompanha de mãos dadas, tecendo sorrisos sarcásticos no rosto livído de quem sonha, de quem quer, de quem ousa ser dono de si mesmo e das suas intenções. E o desprezo por tais planos, tragados repentinamente como um corpo de amêndoa descascada,roída em dentes de desespero. No fundo a inevitabilidade da circunstância certa, esquecida mas imprevista, pronta a saltar ao caminho dos udazes, dos loucos, dos santos.
Por quem choram os anjos, quando a destreza é eliminada por um golpe imprevisto? Será maldade, destino ou apenas desespero?
O acidente, a fome de quem sonha, o carácter inevitável do Caos, na assombração da alma!
Apenas vinte metros para o fim da penosa descida e parecia a Caio que quando a descia em bicicleta, de cabeça baixa para aproveitar a aerodinâmica, a velocidade era bem maior. Mas na altura ele era um puto convencido que era imortal. Que ao menino e ao borracho põe Deus  mão por baixo, como o seu pai sempre lhe dizia entre um sorriso malandro.
Outros tempo, tempos de loucura, tempos de se conhecer a si mesmo, tempo sem limites, pouco antes de crescêr, de não medir as consequências.
Subitamente, alguns anos depois, Caio voltava a esse tempo. Afinal, pensou enquanto colava o manípulo na rotação máxima, os homens são sempre putos à espera de serem desafiados. A vontade de crescêr nunca existe, é apenas imposta pelos outros...."comporta-te como um homem"..."vê se tens juizo, já não és nenhuma criança"..."vê se cresces!".
Fragmentos de ensinamentos e apelos atirados pela boca dos seus pais, e afinal são eles que vivem umamentira. São eles os falsos adultos, conscientes de que têm o Divino conhecimento da palavra, quando nem eles cresceram. A mãe vive da imagem que julga transmitir a um círculo podre de gente sem complexos, de gente ue parece e não é...Nunca são! O pai cansou-se da vida conjugal, sentia-se cada vez mais apertado, mais isolado, mais "velho" e no fim de tudo, ele o filho pródigo, aos olhos da imagem que eles passavam aos amigos e conhecidos. Ele, Caio o filho perfeito, que iria ser médico, homem de bata consagrado nos sonhos dos pais como o médico gentil, profissional e ideal.
Pois, mas quem perdeu tempo a perguntar-lhe o que realmente ele queria? Que culpa tinha ele em ser o unico naquela casa que sabia vêr a realidade?
A saída de casa era inevitável e o abraço de Marisa, que o esperava no local combinado, o suprasumo do Destino que ele queria e acreditava.
Doze metros para a curva fechada, Caio olhou o velocímetro, 98 kms\hora, dois carros estacionados ao lado esquerdo, um estacionado ao lado direito. Atrás de si, na descida ouvia o motor do Ford perto, demasiado perto. Reagindo instintivamente, baixou a cabeça, arqueou os ombros, a curva perfeita, vazia de obstáculos, a fuga ideal. Se o Ford continuasse no mesmo ritmo nao iria conseguir a curva.
O sorriso de confiança de Caio aumentava gradualmente, a satisfação própria da realização de um plano perfeito. Ele orgulhava-se do seu instinto analítico, da sua capacidade de prevêr as situações, de reinventar as mais diversas saídas. Afinal a ponderação e a análise racional, podiam ser suficientes. 
Congratulava-se por se ter lembrado da "Descida Infernal" como lhe chamava Guilherme, numa tentativa óbvia de hiperbolizar o simples feito de uma descida, se bem que naquela altura, anos atrás, a descida não era em alcatrão, mas em paralelo limpo, próprio das estradas do Norte.
Dez metros para a curva e para a redenção, o morder do lábio superior, o acreditar que a manobra seria perfeita e a entrada em cena do imprevisto.
O ultimo carro á sua esquerda, uma porta do lado do pendura que se abre repentinamente, a incapcidade dele de travar, a impossibilidade de reagir conveniente. Demasiada velocidade, mesmo para uma scooter, o Imprevisto a dar uma sonora gargalhada na audácia do jovem Caio.
Ele já não era o dono da situação, a sua confiança dissipou-se, o seu controle sobre o veículo diluiu-se num foda-se atirado a meia voz.
Reagindo uma vez mais por impulso, Caio dobrou-se para a direita, atirando a roda da frente numa trajectória impossível, de modo a evitar a porta, conseguiu evitar a colisão, mas ao rectificar a manobra abriu aa pernas , o joelho esquerdo exposto no choque com a porta, a Vespa a reagir de forma inesperada, a voltar-se para a esquerda, o segundo toque, desta vez na traseira do velocípede.
Desesperado ele tentou segurar o veículo, tentou retomar a trajectória para a curva perfeita. Atrás dele ouvia o ruido da porta do automóvel a ser arrancada pelo Ford, mas ele já não raciocinava, já não pensava.
Em desespero total, guinou a direcção a Vespa não respondeu. Falhou a entrada para a curva, não travou!
Contráriamente ao que seria expectável a mota não perdeu velocidade, seguiu num descontrolado S, a berma alta do passeio a servir de travão na roda da frente.
Caio é cuspido lateralmente, encolhe os braços esperando que as costas absorvam o impacto, sente a queda no solo, rebola e então age estupidamente: Ao invés de se deixar levar, tentado a não perder o controle de si mesmo, tenta-se erguer para iniciar a correr.
A cabeça sente-a à roda, doi-lhe o corpo, sente sangue a escorrer-lhe na face. Ouve o som de travões de um carro, ouve o chiar dos pneus, sente a batida do Ford em si, sente-se a voar, a ser atirado pelo ar, é tudo muito rápido, é tudo uma questão de segundos que a ele parecem horas, sente-se leve, sente-se pouco lúcido, sente-se....Apagado!
Há um ultimo impacto no seu corpo, e é apenas isso que ele sente...Um ultimo impacto e depois o cérebro desliga.
Estupefactos, dentro do Ford, os dois sujeitos tambem eles colhidos de surpresa pelo despiste, tambem eles em alta velocidade, tambem eles dispostos a não perderem um centímetro de distância do ousado Caio, vêm a porta a abrir-se, vêm a estranha manobra amadora dele a tentar continuar.
O condutor do Ford tenta travar,mas se o fizesse a fundo, o carro iria para a esquerda e bateria em cheio na traseira do carro estacionado. Tenta improvisar, " que se dane a porta " pensou. Sente a pancada com a porta e então vê Caio a ser cuspido da mota à sua frente..." Ninguem é cuspido de uma Vespa, não é possível!", instintivamente e porque não esperava por este desfecho, leva o pé ao travão, pisa-o a fundo, evita a mota a resvalar pelo alcatrão, atira a direcção do carro para a esquerda, sim, evitou a mota....De subito Caio surge na frente, a viatura recusa-se a imobilizar, sentem uma pancada forte por trás, do carro que seguia na sua rectaguarda, e atingem Caio a uma velocidade de 46 km\hora ( porque vinham com tanta velocidade?). Observam incrédulos, o corpo do jovem a ser projectado contra a amurada do declive do grande rochedo, o impacto das pernas na amurada e então ele desaparece, numa queda de vários metros até ao mar.
O pendura, aperta os seus bigodes, como se isso o acordasse do pesadelo e corre para a amurada, olha para o mar sereno e chora.
Dentro do Ford, o agente Rodrigues informa a esquadra:
-Viatura 036,aqui agente 012 preciso de apoio dos bombeiros ou do Instiuto de socorros a náufragos, para a rua do Mirante. Acidente com velocípede. Urgente !
-Pedido processado agente 012, aguarde a chegada dos meios técnicos.
Calmamente sentado no seu carro, Nicolas sorriu ao de leve com o desfecho inesperado. O destino havia sido seu parceiro estratégico e ninguem o poderia culpar do que havia sucedido.É certo que ele poderia perfeitamente ter evitado o embate na viatura à sua frente, mas para quê facilitar?
O facto de Caio ter caído do Mirante foi a cereja em cima do bolo.Jamis alguem sobreviveria a uma queda daquelas, pra o oceano.
Livrara-se de Caio, recuperaria a sua Marisa e jamais poderia ser acusado do acidente.
Não fazia a mínima ideia quem eram os dois sujeitos da viatura à sua frente, mas no fundo, sentia-se grato por terem acertado no jovem. Agora teria que encenar!
Saltou do carro, assumindo um ar incrédulo, aproximou-se da frente da viatura, examinando os estragos e colocou toda a sua concentração em assumir um ar de desespero.
De olhar marejado pelas lágimas do que acabara de vêr, o agente da quinta esquadra lagou o bigode, pegou no telemóvel e ligou ao seu superior:
-Chefe, não vai acreditar nisto.
-Que se passa?
-O puto que nos mandou seguir, teve um acidente.
-O quê?
-E nós estivemos envolvidos!
Um longo silêncio surgiu na comunicação, como se do outro lado da linha o seu superior estivesse a esar e a medir as palavras:
-Como ele está?
-Não fazemos ideia! Ele caiu pela encosta do grande rochedo....Caiu no mar!
-Merda! Ok, fiquem de bico calado, quero o relatório hoje mesmo na minha mesa.
Desolado o inspector Casimiro desligou a chamada e enfrentou o seu interlocutor:
-Receio ter más noticias para si!
O indivíduo à sua frente, olhou-o surpreendido e sentou-se melhor no cadeirão.
Sem fôlego e suando abundantemente Guilherme chegou ao local no momento em que Marisa se retirava de moto. Não viu a Vespa e como sentindo um presságio de algo terrível deixou-se cair, encostado à parede em lágrimas.


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