Hoje somos adultos cinzentos, cheios de directivas,
a tactear a parede claustrofóbica do nosso limite...Deixamos de estar atentos e passamos a estar adormecidos,
envolvidos numa redoma que nos torna selvagens...
Um dia talvez voltemos a falar do cheiro da chuva...
http://librisscriptaest.blogspot.com/2011/10/truz-truz.html
Outubro de 2012, Marquês de Pombal. Lisboa
De olhar ávido para a câmara, a repórter
do canal cinco sorriu ao de leve, aguardando que o seu colega a avisasse da
entrada em directo e assim, que viu a mão dele levantar, segurou com força o
microfone e começou a emissão:
-Boa tarde, estamos em directo da sede do
novo partido, o Partido da Frente Revolucionária, para entrevistar o seu Líder,
João de Sousa Franco. Recordo que esta é a primeira entrevista que ele dá para
a televisão e escolheu o canal 5 para se apresentar aos Portugueses.
Ao lado da repórter, um sujeito alto,
vestido de preto, numa espécie de uniforme militar, confortavelmente sentado
numa poltrona estilo Luis XIV, sorria de confiança e aproveitando a
"dica" da repórter, interrompeu:
-Não é bem uma apresentação, pois nestes
últimos meses os Portugueses já me conhecem, mas antes uma conversa informal
sobre a nossa Nação.
Incomodada pelo aparte, a repórter de
camisa Prada, continuou:
-Mas creio que o povo Português pouco sabe
das reais intenções do seu partido, daquilo que realmente pretende para o nosso
Paìs, sobretudo nesta fase tão difícil que atravessamos.
O sujeito levou os dedos ao fino bigode,
alisando-o, como que procurando as palavras certas, para depois num gesto
repentino, fixar os olhos brilhantes na câmara e num tom de voz decidido,
explicar:
-Durante o ano de 2011 assistimos calados
e quietos, salvo algumas greves e manifestações, ao afundar da nossa grande
nação. Demoramos bastantes anos para perceber o inevitável fim do sonho
Europeu. Grécia caiu, apesar das constantes injecções de capital Europeu,
a Espanha atravessa uma das mais graves crises internas, desde o Franquismo, e
na Itália a contestação já sobe de tom e infelizmente de violência. - Após
uma ligeira pausa, continuou sem perder o fio do raciocínio :
- A verdade é que Portugal foi
recebendo durante muitos anos dinheiro da Alemanha e fundos Europeus para nada
produzir, para nada fazer. Hoje a nossa economia é uma ruína, o nosso povo
mártir e as nossas ideologias desapareceram.
-Mas sem esses fundos não haveria
desenvolvimento, estradas....
-Estádios!
-Perdão?
-Estádios de Futebol, auto-estradas uteis,
outras nem por isso. Uma Ilha da madeira a gastar o que têm e o que não tem, em
obras supérfluas, enquanto ao lado nos Açores, o leite ainda é produzido, a
manteiga e o queijo chegam ao Continente. Esta dicotomia tem de acabar!
-Então menos progresso e menos dinheiro É
essa a sua posição?
Inteligentemente, o entrevistado ignorou a
questão e "agarrou-se" ao seu melhor registo, previamente preparado,
o monólogo linear:
-Mas porquê? Porque não temos a coragem de
dar um murro na mesa. Sabe porquê?
A repórter sorriu nervosamente, consciente
de que estava a perder o rumo da entrevista:
-Sinceramente não.
-Porque estamos adormecidos. Porque
durante anos fomos colocados num estado vegetativo, num estado de indiferença.
-Sinto que pretende uma revolução?
-E sente muito bem. Mas uma revolução não
tem necessariamente de ser com armas e guerrilha...
-Então?
-Revolução de ideias, o acordar dos
sentidos, o dizer que estamos vivos e estamos fartos.
-E como pretende isso?
-Sendo Pró-Activo. Na verdade, tal como a Rússia
no pós-guerra com o Marxismo-Leninismo, eu igualmente proponho um estádio de
transição. Claro que vai ser um período difícil, gravoso, de carências várias,
mas é um estádio necessário!
A repórter preparava-se para interromper,
quando sem dar tempo, ele continuou elevando a voz:
-Chamemos-lhe os três estádios de
confiança Primeiro recuperar o que é nosso, antes que percamos tudo....
-Refere-se a privatizações?
-Correcto. Não digo que em certos casos e
em certa medida não sejam necessários, mas compete ao Estado manter-se
pró-activo na vigilância desses casos. Não podemos pura e simplesmente vender o
País a retalho...
-Mas sem capitais, Portugal não pode...
-Sei que não, mas os capitais dos fundos
Europeus, foram precisamente os culpados por isto. Eu proponho um pró-activismo
na agricultura, na indústria, no comércio. Sei que pareço um Lírico, um
sonhador, mas só podemos vencer se pudermos engrandecer.
-Concordo com esse ponto de vista, mas
repare a Tróica comanda, não há dinheiro, há cortes sucessivos na função
pública...
-E o pior ainda está para vir. Temos de
estar acordados para esse momento...
-O pior?
O sujeito sorriu abertamente perante a
descrença da repórter e ameaçou:
-Nobre Povo este que até agora tem
suportado tudo. O próprio Presidente da Republica reconhece hoje que os cortes
e os impostos foram pesados demais. Mas até agora ficamos calados, assistimos a
tudo isto com um abanar de ombros, mas quando o Governo cortar o subsídio mínimo
que permite às famílias poderem ter pão e leite, então esse momento revelará o
pior de nós.
-Mas o Governo não adoptará tais
medidas...
-Está certa disso?
-Bem pelos Press Release, nunca o Governo
colocou sequer essa hipótese...
-Mesmo assim, pergunto: Está certa disso?
No estúdio da televisão, onde os grandes membros
dos canais privados, assistiam boquiabertos à entrevista. Plácido, o
gestor executivo da informação, abanou nervosamente a cabeça:
-Devíamos ter mandado uma jornalista
formada em Economia. O gajo está a fazer propaganda e a inocente já dá opiniões
próprias...
-Sacana do raio, está a monopolizar a
entrevista, está a ser implacável.- Retorquiu Ana nervosamente.
-Ana, devias ter sido tu a ir! Meu Deus
que grande peça de jornalismo completamente arruinada.
-Corto a emissão?
-Não. De certa forma irão falar disto
nas próximas semanas...
-Eu tinha razão, este gajo não é um
político qualquer.
-Não. Ele preparou a emissão com extremo cuidado.
Ele ensaiou as posses, as respostas, ele está a ser um actor num filme para
Óscar.
-Esperto! - Elogiou Ana Teles
-Perigoso. - Desabafou Plácido assustado.
Na sala quadrada de pequenas dimensões. A
repórter estava dividida entre o estar maravilhada com a forma apaixonada como
o seu entrevistado defendia as suas ideias e consequentemente o bem-estar
da Nação e a incredulidade de tais propostas. Por outro lado sabia de
antemão que já não era ela quem detinha o poder da entrevista, pelo que
"vão-se os anéis, ficam os dedos" e iria pelo menos dar toda a corda
ao seu interlocutor:
-Falou em três estádios?
-Correcto, o primeiro será o Acordar propriamente
dito. O agitar consciências Políticas dos ainda nossos governantes.
Depois, numa segunda fase, consciencializar a população dos perigos e
dificuldades que resultem nesta segunda fase de transição e por fim, sempre com
mão dura, reestruturar Portugal No fundo tudo tentar, pacífica e ordeiramente
para evitar esse momento negro de mais cortes.
-E qual seria essa primeira medida?
-Em primeiro lugar, proponho uma marcha
nocturna, de luto pelo nosso País, acenderemos velas e ficaremos em silêncio
contemplativo diante da Assembleia da Republica. Uma manifestação
silenciosa, um luto forte....O poder do silêncio.
-Espera uma forte adesão?
-Vai ficar espantada, assim como toda a
Europa!
-Essa é a sua solução e a do seu partido?
-Não minha cara - o sorriso dele
tornava-se mais rasgado- Não é o fim, mas apenas o principio, as massas vão
mostrar que estão vivas. O povo vai acreditar que pode realmente fazer algo.
A poucos quilómetros dali, o actual Primeiro-ministro,
desligou a televisão e encarando o seu assessor, passou nervosamente a mão
pelos cabelos e atirou confiante:
-Uma marcha com velinhas acesas!
Ridículo. Como te disse, não valia a pena estarmos preocupados com este
"peixe".
-Não sei senhor ministro, o gajo parece
ter as costas quentes.
-Por quem? Quem iria apoiar este
partidozeco? Nada receie, isto é folclore e do mauzinho.
-Bom, mas imaginemos que realmente o povo
o ouve. Imaginemos que nessa manifestação...
-Poupe a sua imaginação para as desculpas
às críticas sobre o próximo Orçamento de Estado.
Como que recuperando o fôlego, O primeiro-ministro
Pedro Pardo Cardoso, recuperou a sua boa disposição:
-Lucas, informe a comunicação social que
eu falarei ao País em duas horas. Será um comunicado sem direito a perguntas.
Uma coisa rápida, para desacreditar de vez esse gajo.
-Senhor, penso que seria sensato conhecer
um pouco mais sobre esse partido...
-Derrotado. Ele é um derrotado. Será como
os de esquerda, sobretudo o B.E. Com um mau líder e sonhador.
-Mas o Bloco de Extrema já tem alguns anos
de existência.
O primeiro-ministro sorriu abertamente e
ajeitando o nó da gravata, concluiu:
-Na política os anjinhos nunca chegam ao
Governo.
Amigo:
ResponderEliminarAlgures escrevi para me lembrar: "Nasci pobre e vivo apenas consciente de morrer rica entre os sonhos dos poetas!"
E se um dia o escrevi, um dia acreditei:
Que o presente sabe a um copo de água!
"Só escrevo para lembrar a mim mesma que estou viva!
Que a água do presente, só tem o sabor de água, e que o futuro terá o gosto do passado: Engolir um copo de água....com o sabor a doce sumo."
Sempre amiga
Carla Bordalo
Ler te é entrar noutro mundo...
ResponderEliminarLer te é ler boa escrita...
Muita imaginação, muito talento, muita sabedoria...
Apesar de primeiro capitulo, ja me encontro curiosa para os proximos :)
A tua fa, aguarda por mais :)
bjos
Dany Filipa
Carla;
ResponderEliminarInfelizmente este é o actual estado das coisas. A água do presente apenas sabe a água, apesar de continuar a ser vital ao organismo, mas amnhã, à medida que o tempo avança e a crise condena, a água...imaginaremos que saberá até a espumante francês.
Vão-se os aneis...
Obrigado pela tua leitura e a tua análise sempre terra a terra.
Danny;
ResponderEliminarSempre, uma vez mais, a acompanhar a minha escrita, independentemente de saberes de antemão o conteudo da estória, pelo menos o início, mesmo assim aí estás,atenta.
Sempre o disse....Dá gosto escrever assim.
Obrigado!
Poupe a sua imaginação para as desculpas às críticas sobre o próximo Orçamento de Estado
ResponderEliminarPodia ter sido hoje, ou ontem e pode muito bem ser daqui a um ano pois isto começa a ser intolerável.Brincam conosco, com as nossas reformas.Pessoas que trabalharam uma vida inteira e na hora de descansar,atiram-nos com aumentos de medicamentos, de saude.
e esse Passos coelho a vir dizerque o orçamento de estado devia ser discutido o mais rapidamente, ele que só adiava com o sócrates
Para que cheguei a velho?
Fantástico, ideias consistentes, correctas e uma visão positiva e interessante de alguém que se encontra tal como todos nós descontente com o rumo que este país está a tomar.
ResponderEliminarDe facto a tua imaginação é fabulosa e demasiado realista.
Espero ansiosamente os próximos capítulos, pois adorei-o.
Bjs
Claudia
Mary;
ResponderEliminarMuito grato pelo teu comentário e opinião.
Espero realmente que a continuação te possa despertar o mesmo interesse.
Agradecido pela visita
Um romance muito pertinente que nos fará pensar e quiçá agitará ideologias. Tivemos a revolução dos cravos, esta poderia ser a revolução das velas, igualmente pacifica mas eficaz! Vou publicitar este teu trabalho até à exaustão, pq para além do teu talento e qualidade acho que, atendendo aquilo q se vive neste momento no nosso país, faz todo o sentido a tua voz e visão chegarem mais longe. Ficção, ou não, é uma leitura e uma perspectiva muito interessante da realidade da nossa sociedade.
ResponderEliminarUm beijinho grande em ti!
Inês Dunas
Inês,
ResponderEliminarEste é no fundo um conto que pretende isso mesmo,um olhar acutilante sobfe um futuro que seria inspirado, por alguem diferente, de ideologias fortes, mas "fora do sistema" partidário. Fora destas alternativas que inequivocamente são sempre as mesmas...PSD,PS,e pouco mais.
Tento falar de Portugal como a Fénix renascida.
Lindíssimo o teu comentário!
gostei,gostei,gostei!!
ResponderEliminarJá me cativou esta toda situação.
parabens, vou continuar a ler