"Hoje o mundo é um punho cerrado...
Amanhã talvez seja apenas, uma mão estendida... "
Outubro
de 2012, Parque das Nações. Lisboa
A primeira entrevista, dada pelo líder do
novo partido ao canal 5, teve a duração de sensivelmente quarenta minutos,
durante os quais o share de audiência televisiva desse canal, bateu todos os
recordes de audiência.
Quando Verónica, a repórter escolhida para
a cobertura desse directo abandonou a sede do partido, sentia-se
verdadeiramente entusiasmada pelo carisma do seu entrevistado, sabendo no
entanto que dificilmente ele poderia captar a atenção do Povo, neste peculiar
momento de crise. Mesmo com toda a encenação final, mesmo com o punho erguido a
apelar ao slogan do seu partido " Acordar Portugal!", ela sentiu que poderia
não ser bem-sucedido, apesar de francamente, a ideia dos três estádios lhe
fazer sentido e as inúmeras referências a Marx, Estaline, Lenine ou a JFK,
mostraram-lhe que ele não era propriamente um "chico esperto", mas alguém
com uma certa cultura política.
Contudo sentia, no seu íntimo, que não
tinha sido uma grande peça de jornalismo, sentiu-se várias vezes incomodada com
a atitude manipuladora do seu entrevistado, durante toda a entrevista, mas a
paixão, a fé que ele revelara quando falava sobre Portugal, de certa forma a
conquistou.
Trazia no olhar um pouco do efeito da
magia que ele usara no seu discurso patriótico e inflamado e de certa
forma revia-se naquela forma frenética de quem quer fazer a sua parte.
Pensativa, abanou as chaves do seu Corsa
na mão esquerda, entrou na viatura e ao contrário do que lhe era habitual, não
ligou o rádio. Serviu-se de um SG Ventil, acendendo-o demoradamente, abriu o
vidro e fixou a parede caiada de branco com riscas amarelas florescentes do
parque de estacionamento.
Talvez o facto de ter apenas 23 anos e de
ser um pouco ingénua tenha sido o principal factor que a fez delirar com aquele
sujeito de bigode fino e os seus ideais, ou talvez no fundo ele tenha
despertado nela o sentimento único de que de facto Portugal ainda é uma grande
Nação, que ainda é possível sentir um orgulho avassalador em ser Português.
Entre espessas névoas de fumo, soltadas
pensativamente pelos lábios vermelhos, Verónica tentava calcular qual o
possível impacto daquela entrevista. Tinha no fundo, o secreto receio de que
não tivesse tido a audiência que o líder necessitava e então encolheu os
ombros, relembrando o episódio caricato da marcha pretendida pelo líder do
partido . Não se tratava, na sua cabeça de algo novo, a princípio inclusive,
julgou ser uma cópia da Marcha dos indignados, surgida na onda de
protestos em 2011, mas que de nada acrescentou de relevante no plano Europeu.
" Bem pelo menos ele faz alguma coisa..." desabafou entre dentes
e rodando a chave na ignição dirigiu-se para o Parque das Nações, para a sede
do canal 5.
No estúdio de televisão, Plácido e Ana
consultavam atónitos os resultados do share televisivo porque ambos tinham
a consciência de que a repórter escolhida não possuíra o traquejo
necessário para tal entrevista e enquanto acompanhavam a mesma pela TV,
pensaram que tinham perdido o furo e no entanto, desde o célebre frente a
frente entre Soares e Cunhal, nunca desde então um político tinha cativado
tanta audiência, sobretudo não sendo um debate.
De rosto fechado, ele releu
atentamente os gráficos, coçou ligeiramente o pescoço num sinal de certo
nervosismo e rezou entre dentes, para não estar diante de um erro de processo.
A acreditar nos resultados que dispunha, não só a Nação tinha assistido em peso
à apresentação do líder, como tinha permanecido fiel a toda a entrevista. Também
ele tinha visto a entrevista, mas por motivos profissionais e dentro da sua
alma de politólogo, não percebia o que o povo via neste individuo. De
certa forma, o líder do canal televisivo estava arrependido de não ter cobrado
o dobro pela publicidade antes e depois da entrevista, pois os tempos não
estavam fáceis e mais do que uma dose de confiança, seria de facto preciso uma
injecção de capital e pelo menos à custa deste sonhador e do seu novo partido,
o seu canal iria ser falado, a entrevista iria ser analisada até na rádio. Bem
vistas as coisas, ter mandado uma repórter inexperiente nem foi assim tão má
ideia.
Ana, por seu turno habituara-se a ler os
sinais corporais do seu chefe e não precisou de rever os gráficos, para
adivinhar exactamente aquilo em que ele pensava:
-Este gajo pode ser nossa catapulta.
-Como? - Indagou Plácido arrancado aos
seus pensamentos pela voz fina e meticulosa de Ana.
-Estou só a pensar que deveríamos das mais
atenção e destaque a a este tipo.
-Isso é ser imparcial?
-Bolas, eu sei que é nosso dever darmos a
todos os partidos o mesmo tempo de antena, mas isto é diferente. Este tipo é o
que povo quer, é o que precisamos.
-Oh por favor, não acreditas-te naquela treta
de marcha e velinhas pois não?
-Porque não?
-Este País não vai lá com marchas, mas com
uma revolução...
-Que foi exactamente o que ele disse!
-Sim, mas não dessas. Uma coisa em grande.
-Com as armas? Tumultos?
-Talvez.
-Plácido, lembra-te de Paris, lembra-te de
Inglaterra! Ao fim de um tempo toda aquela violência caiu no esquecimento e
quando os carros começam a ser queimados, o povo afasta-se e censura...Não,
isto é o tipo de revolução que o Português precisa. Uma revolução de ideias.
Plácido ignorou as leis antitabagistas e
acendeu um Marlboro, perante o olhar atónito de Ana:
-Mesmo que essa marcha venha a ser
concretizada, mesmo supondo que 2 ou 3 mil pessoas aparecem, o máximo que
conseguimos com isso é um furo de trinta ou quarenta minutos! Sinceramente,
parece-me que assentar toda a sua ideologia e todo o seu futuro político, numa
marcha ainda sem data certa, é de certa forma dar um tiro no pé. Se a marcha for
um fiasco, que estou certo que será, toda aquela estória dos estádios
evolutivos não saíra do papel.
-Mas ele não é apenas um indignado, ele
realmente parece ter um plano para Portugal.
-Pode até ser, mas é um plano a longo
prazo e não acredito que o povo esteja na disposição de perder mais tempo. Ele
não precisa de cobertura, ele precisa é de um aconselhamento político!
Ana tirou-lhe o cigarro da boca,
apagando-o nos restos de café na chávena e sem se aperceber de que de facto ele
era seu superior, continuou a explicar a sua ideia:
-Nós não somos jornalistas, somos
profissionais de televisão e nesse contexto temos de assegurar os nossos postos
de trabalho. - Ana pausou a imagem do líder no monitor e continuou- Este Franco
tem carisma, tem atitude, tem um modo único de cativar. Sei lá, estou
convencida que pode ser uma mina de ouro, se for bem aproveitado.
-Mina de ouro? Estás a brincar, não estás?
Ana estendeu-lhe a folha dos gráficos do
Share:
-Só digo que temos a Verónica e o temos a
ele. Se todos pensarem como tu, quano ele ascender, quando ele começar a ser
notado, iremos ser ultrapassados pelos canais rivais e uma vez mais, perdemos
uma excelente divulgação.
Como um flash, ele reviu o ano anterior,
onde após ignorar o palpite de Ana, sobre a polémica da aprovação do Orçamento
de Estado, assistiu impotente ao ascender dos canais rivais com directos e
planos de ultima hora, enquanto ele tinha enviado a equipa de reportagem cobrir
uma reportagem de menor importância. Seis meses depois, ela saia de sua casa
com as malas, sem tecer qualquer comentário.
Olhando a sua ex-mulher, encolheu os
ombros e resignado, consentiu:
-Ok, trata tu deste assunto. Carta-branca
para qualquer cobertura que pretendas. Desta vez, seguiremos o teu palpite.
Ana sorriu e se bem que a intenção
dela, não fosse a de despoletar lembranças e mágoas do passado, concordou
para si, que tinha sido feliz, ao invocar a lembrança.
Outubro de 2012. Aqueduto Águas Livres,
Évora.
No Hotel diante do Aqueduto Romano
iluminado, o principal mentor da Extrema- Direita em Portugal, olhava de
soslaio para o anúncio que se seguira no canal 5, à entrevista dada pelo líder
de um novo partido, supostamente de esquerda.
Preocupava-o o facto de ele, enquanto
líder Neo- Nazi não ter tido a ideia de um desfile ou marcha destas dimensões.
Ele percebia claramente o que o novo
partido pretendia e compartilhava a ideia de que, mesmo que essa marcha fosse
um fracasso, esse partido teria cobertura televisiva e seria falado.
Seria acima de tudo uma excelente
publicidade e esfregando as mãos, num gesto decidido, pensou com oda a
legitimidade, numa tentativa de os membros da sua fracção se misturarem com
esta marcha e então criar o Caos pretendido, ocultos pela ideologia vaga desta
marcha.
Seria sem dúvida um óptimo trampolim, para
armar a bagunça necessária e evitar que fossem reconhecidos.
A má publicidade seria associada a este partido
e não à sua facção. Então das cinzas dos confrontos, no fim dos combates, ele surgiria
a clamar o completo desgoverno do Governo e de ideias dos partidos e colheria
frutos junto da opinião pública.
Decidido, fez um telefonema, pensando já
nas tentativas de mobilizar os seus elementos para a Grande marcha silenciosa
(dizem eles!).
Só a Anarquia podia, na sua mente, salvar
Portugal.
Outubro de 2012, Avenida Fernão de
Magalhães. Porto
Santos Veiga mexeu-se desconfortavelmente
no seu cadeirão de couro creme, coçou preocupada mente o nariz e baixou o som
do plasma, no comando preto da Meo, perante o silêncio repentino que se
instalara na sala.
Os doze amigos que com ele assistiram à
entrevista do líder do novo partido, olharam-no em silêncio:
-Perceberam agora a força que este gajo
tem?
-Bem, de facto ele esteve muito seguro. -
Retorquiu apressadamente um sujeito de óculos redondos.
-Como vos disse, este Franco tem uma
personalidade única. Creio que é o tipo de homem que nós precisamos
e bem vistas as coisas, o nosso dinheiro será muito mais bem empregue nele!
-Mas não existem eleições para breve e o
que ele pediu de financiamento não é propriamente algo leve. - Respondeu
um outro sujeito de fato e gravata.
-Sei que não é o momento certo para ter o
apoio da banca, meu caro Rodrigues, mas talvez este fulano seja o retorno que esperávamos.
Quanto às eleições, é tudo uma questão de esperarmos. Não vejo este Governo a
aguentar-se muito tempo.
-Não entendo a ideia da Marcha, Não era
bem isso que tinham combinado. - Atirou desconfortavelmente um outro elemento
daquela sala.
-Foi um improviso, uma vez que não falamos
com ele sobre isso. Mas não me parece uma ideia assim tão absurda. - Advertiu o
Anfitrião.
-Mas isso é regularmente feito e não vejo
a dimensão que possa vir a ter.
Santos Veiga encarou o seu convidado e
acendendo um Cohiba, convidou:
-Meu caro, tu és jornalista, por isso
foste convidado. Umas linhas no teu jornal serão um bom empurrão para o
implementar da ideia.
-É certo! - Atirou o sujeito de óculos
redondos- Até pode ser possível, se for bem organizado.
-Precisamente! Só temos de ver quantas
pessoas conseguimos meter em autocarros para lá- Temos que mobilizar isso um
pouco.
-Bom, meus senhores, isso será no futuro.
para já, teremos de decidir se avançamos ou não com o financiamento?
Com o corpo cilíndrico do charuto a rolar
hesitantemente nos seus dedos, o outrora general das forças armadas, aguardou
que os braços se levantassem.
Vendo que tinha o apoio, os seus dedos
grossos pegaram no telemóvel e num riso confiante iniciou a chamada.
Outubro de 2011, Marquês de Pombal. Lisboa
De pé, voltado para a pequena janela,
concentrado na imponente estátua do Marquês de Pombal, no centro da rotunda,
João Franco recuperava o seu ar cuidado e distante.
Tinha ficado extremamente satisfeito com o
rumo da entrevista e no seu íntimo, sentira que marcara pontos, apesar de
reconhecer que em certos momentos acusou a falta de experiência política, bem
como uma certa habilidade para tornear as questões mais complicadas. A sua
sorte, se é que de facto a teve , deveu-se em grande parte à
inexperiência da repórter. Tivesse sido outra mais experiente como a Julieta de
Sousa e então teria patinado em gelo fino.
De mãos cruzadas atrás das costas,
aguardou o tempo que julgou ser suficiente, que permitisse à repórter abandonar
a sede do partido e então sorriu com algum prazer, sentando-se á sua secretária
e aguardou que o seu telemóvel pessoal tocasse.
Não foi preciso esperar muito e em
minutos, a voz rouca e contudo solene, transmitia a sua opinião:
- Franco, gostei do que vi e ouvi e penso
que poderemos de facto agitar as águas.
-Muito obrigado Grande Comandante.
-Só não conseguimos entender a ideia da
marcha.
-Peço desculpa por isso, mas é algo que
tenho vindo a pensar. Creio que será o tónico necessário para nos mostrarmos.
-Mas Franco, podias nos ter consultado.
Para que isso seja realmente digo de se notar, será preciso mobilizar certas
forças, preparar um marketing agressivo. Isso leva o seu tempo!
-Estou consciente disso Grande Comandante,
mas não receie, isso foi pensado e estamos neste momento a preparar esse passo.
-Bom, - sentenciou ele demoradamente- De
qualquer forma achamos que pode ser importante, que aquilo que precisas será
tido em conta. Chegamos à conclusão que vale a pena apostar nessa tua visão.
Grato por estar ao telemóvel e não
pessoalmente, o líder deu-se ao luxo de exibir um rasgado sorriso e sem perder
o timbre humilde, avançou:
-Obrigado uma vez mais Grande Comandante.
Quando terminou a chamada, Franco abriu os
braços de satisfação, para logo de seguida esfregar as mãos de contentamento.
Sem se deter, premiu o interruptor branco e prontamente um indivíduo fardado
como ele surgiu no gabinete:
-Luz verde para o projecto. Vamos começar
a segunda parte do plano. Como está tudo?
-As lonas e cartazes estão terminados e
prontos a ser colocados, meu Líder.
-Optimo. Quanto aos constactos?
-Activamos algumas células já. A
distribuição será feita dentro das próximas horas.
-Perfeito. Com este empurrão da televisão,
conseguiremos facilmente mobilizar as células. Quero todas as redes
sociais activas, todos os contactos privados de telemóveis, todos os
cafés....Se a Primavera Árabe resultou desta forma, também resultará connosco.
-Temos data para a Grande marcha?
-Ainda não. Esperava apenas saber se o
Marketing está pronto.
-Certo meu Líder. Algo mais?
-Não....Espere, sim. Esta repórter que
veio aqui. O que sabemos dela?
-Pouco, meu Líder.
-Quero saber tudo. Trata disso!
-Imediatamente, meu Líder.
Deixando o seu braço direito Antunes,
Sargento das Forças Armadas se retirar, Franco pegou no telefone e marcou um
número, mal a voz sonolenta estalou, interrogou:
-Preciso de uma data!
-Estive a consultar as cartas meteorológicas.
Apostava para 22 de Outubro. No entanto o tempo é instável e ...
-Não quero Filosofias, quero dados
precisos.
O sujeito respirou fundo e atirou:
-Vinte e dois de Outubro. Aposte nisso!
-Perfeito. Temos 20 dias.
-Líder?
-Sim.
-Parabéns pela entrevista.
Não escondendo um sorriso de prazer,
adiantou:
-As redes sociais são o teu departamento.
Trata disso, inunda-as com a nossa mensagem.
-Sim, Líder!
-Ao trabalho!
Como uma bola de neve, a ideia foi
ganhando forma e ansioso para a sua primeira grande mostra de força. Contudo,
nem nos sonhos mais irreais que pudessem ter, imaginaria o que de bom aí viria!
Gostei da tua força narrativa.Impressionante o modo como introduzes as personagens e constato que no Porto, vai havendo dinheiro.
ResponderEliminarE grande mas lê-se bem.
Comovida com o teu patriotismo
Anita
Fantástico!
ResponderEliminarUma vez mais parabéns, tens uma imaginação fantástica, escreves coisas reais e este tem imenso futuro, tal como todos os outros!
Fico à espera de mais.
Da tua fã:
Claudia Almeida
Anita;
ResponderEliminarGrato pela tua leitura e espero realmente que apesar de grande se leia bem!
Muito bom ter-te por cá!
Mary;
ResponderEliminarQue bom que continuas a gostar.
É bom ter fãs assim :)
Mais uma vez, obrigado pelo teu apoio.
Hummmmm, um visionário romântico, ou um estratega ardiloso? Franco é uma personagem que terá por certo muito para descobrirmos, vai ser delicioso desvenda-lo e conhece-lo!
ResponderEliminarEntusiasmada por saber mais, o que já é costume sempre que te leio!
:))
Beijinho grande em ti!
Inês Dunas
Inês;
ResponderEliminarCá segue a estória, segura no momento difícil que tal como na realidade, Portugal atravessa.
Franco é acima de tudo um visionário com as costas quentes e bem apoiado.
:) Que bom que gostas!