terça-feira, 8 de novembro de 2011

O acordar dos Sentidos - Capítulo 1 - Parte 3. "Preparativos"


"Calam-se os ventos, dispersam-se as nuvens,
aquieta-se o sussurro morno da terra...
Tudo é lentidão e silêncio..."

Inês Dunas: http://librisscriptaest.blogspot.com/2011/10/em-estado-de-graca.html



Outubro de 2012 - Largo do Rato. Lisboa

Assim que se apanhou a sós, no silêncio do seu gabinete, o Primeiro Ministro, dirigiu-se ao seu bar privado, abriu a pequena porta de madeira e retirou uma garrafa de J&B , balanceou até à ponta do dito móvel e abdicando de água ou gelo, serviu uma dose generosa no copo redondo de vidro.
Durante um certo tempo, tentara junto do seu Staff desvalorizar a entrevista dada pelo lider do novo partido, mas a verdade é que a dita entrevista assustara-o um pouco. Não própriamente pelas ideias avançadas com vista a combater a crise, nem tão pouco pelos glandes planos da câmera, mas devido a uma frase que ele dissera em directo.
Encolheu os ombros e dirigiu-se à sua mesa de trabalho, tirou demoradamente a pequena chave do seu bolso esquerdo e abrindo a gaveta particular, retirou  preocupadamente do interior, uma pilha de folhas A4 e sem perder tempo, inseriu-as na máquina de ripar papel.
Assim morria a ideia do corte dos Rendimento Mínimo de Inserção e isso assustava-o, porque no fundo que ele tivese conhecimento,só duas pessoas sabiam da existência desse plano, de forma ao Governo poder amealhar mais uns pontos no cumprimento das directivas da Troika. Poder-se-ia considerar um documento secreto e ele não fazia a mínima ideia como um político que ele nunca vira, de quem nunca ouvira falar pudesse ter tido conhecimento dessa informação.
Mentalmente sondou as suas opções e a confiança que dispunha no seu staff e como era praticamente impossível algum deles o trair, espuculou momentâneamente se não teria sido, apenas e tão somente um Bluff do Líder do novo partido. Mas sendo um Bluff, era demasiado perigoso, pelo menos no panorama político, pois se do nada ele acertara nessa intenção, que outros assuntos ele não acertaria?
O líquido, supostamente escocês, balançava agitadamente no copo, acompanhando a velocidade de racíocinio e colocando na sua mente as ideias para a comunicação de imprensa que pretendia realizar.
Algo, no seu íntimo, lhe dizia que tinha de ser rápido e preciso a desacreditar a entrevista dada pelo seu agora novo rival. No fundo, ele tinha a experiência necessária para saber o quanto erosiva pode ser a má imprensa, se o rival cair no goto da comunicação social. Aliás, ele próprio enquanto oposição, tinha usado a má imprensa do então primeiro-ministro, para tentar minar, criar a erosão necessária, desgastar as forças e as crenças nessa figura do Governo.
Ergueu-se pensativamente, e concluiu que a situação não se estava a tornar fácil.

Outubro de 2012 - Loures . Lisboa

De ar franzino o pequeno sujeito saiu do carro e dirigiu.-se à porta lateral da gráfica , onde as máquinas ainda trabalhavam, apesar da hora tardia.
Ignorando os empregados que se mantinham concentrados na tarefa que lhes consumia horas extraordinárias, o pequeno sujeito subiu vagarosamente os degraus de ferro até ao escritório da empresa e sem batêr à porta entrou vagarosamente, sentando-se muito direito na cadeira de plástico azul, tendo contudo o extremo cuidado de pousar a pesada pasta de couro perto de si:
-Como combinado, trago o pagamento daquilo que lhe foi pedido. - Limitou-se a falar num tom de voz calmo.
-Optimo, pois o trabalho está na fase final. - Sorriu com gosto o gerente barbudo.
-Ainda?
-Não tem problema, estamos perfeitamente dentro do prazo!
-As carrinhas chegam em uma hora. - Advertiu o pequeno sujeito preocupado.
-Bem a tempo. Nada receie, o meu pessoal é extremamente profissional.
-O Líder não aceita atrasos, como bem sabe.
O sujeito barbudo remexeu-se nervosamente na cadeira e afagando a barba meticulosamente atirou:
-O facto é que as quantidades dobraram e assim em tão pouco tempo...
-Por isso pagamos uma taxa de urgência. - Interrompeu secamente o pequeno sujeito.
-Claro. O Líder que nada receie...
-Espero bem.
Sem perder tempo, o sujeito colocou a pasta em cima da mesa, retiranto dois envelopes com notas de Euros, que entregou para que o seu interlocutor contasse:
A meio da contagem, um funcionário careca surgiu radiante, à entrada do escritório:
-Sr. Fonseca, está pronto!
-Ah, mas que bem. Viu Sr. Rui M. mesmo a tempo!
Pela primeira vez desde que entrara o pequeno sujeito exprimiu um sorriso:
-Perfeito.
Numa atitude repentina, Rui M., ergueu-se e pegando no seu Nokia, marcou um número:
-Grande líder, tudo perfeito na gráfica.
-Isso são boas notícias. Fica aí até tudo estar carregado e assegura-te que não há erros nos prospectos.
-Certo, grande líder!
-As carrinhas estão a chegar. Quero tudo carregado o mais rápidamente possível - Gritou Fonseca do cimo do estrado de metal.
Como formigas, os funcionários iam embalando caixas e colocando-as em pilhas simétricamente iguais, perto da porta da garagem.
Como uma coluna militar, as carrinhas chegaram e prontamente do seu interior, homens fardados com o traje do Líder, salataram para o exterior, recolhendo a carga e tão misteriosamente como chegaram arrancaram.
Tinham cinco horas para iniciar a distribuição silênciosa durante a noite, dos cartazes e prospectos sobre a Grande Marcha.

Novembro de 2012 - Matosinhos. Porto

Com um sorriso de nervoso miudinho, o sujeito imensamente alto, caminhou em passos rápidos até à gráfica agendada pelo Staff do Grande Líder, balouçando nervosamente a pasta castanha com o logótipo do partido.
Continuava a achar que não era o homem certo para aquele tipo de serviço, pois sentia que lhe faltava a convicção na concretização dos prazos e acreditava piamente que a gráfica, não os iria cumprir.
Isso inevitávelmente, irritaria o Líder e era a ele a quem seriam pedidas explicações.
A verdade é que ele mais do que ninguem compreendia a ideologia no novo partido e acreditava que realemente só o Líder poderia ser a solução agora para Portugal.
Maquinista da CP, sofrera na pele o desgoverno dos cortes duros deste Governo, das promessas vãs de uma Europa em crescimento, da ilusão de que supostamente a função publica poderia se manter.
Depois caiu a Grécia, deprimiu-se a Itália, matou-se a " siesta" na Espanha e nem assim, as coisas mudaram. Agora sente-se o bafo imperdoável da Troika, sente-se o fim da linha o sermos Gregos, nós que nunca fomos realmente Romanos.
Mas o Governo prepara uma carta impossível, prepara-se para cortar o Rendimento mínimo, e ele que foi despedido, que tem a mulher em caa como doméstica e dois filhos na escola....Que vai ser dele?
Sacudiu os ombros em sinal de resignação e avançou obstindo para o interior da gráfica.
Com um sofrriso de satisfação, viu a pilha de caixas empilhadas à espera das carrinhas e suspirou de alívio. Entrou no escritório da gráfica, visívelmente bem disposto:
-Folgo em saber que estamos dentrodo prazo!
-Com certeza. Como adiantei ao Líder, nós não brincamos em trabalho. No Norte trabalha-se...
-Pois eu sei. O Líder ficará contente.
Num olhar àvido de esperança, Tomás, o dono da gráfica aguardou os envelopes que prontamente lhe foram entregues:
-Senhor Paulo F., sempre um prazer faxer negócios consigo.
-Desde que se mantenha fiel ao líder!
-Seguramente, seguramente....Que bela entrevista!
-É o futuro para nós. Acredite no que lhe digo.
Minutos depois as carrinhas chegaram e do seu interior, pessoal fardado com o uniforme semelhante ao líder, principiou a carregar a carga para o interior das viaturas.
Tinham 4 horas para afixar e distribuir a propaganda.

Outubro de 2012 - Faro. Algarve

De braços abertos. como Cristo redentôr, Paiva Nunes orientava e centraa com o auxílio das mãos, qual maestro a conduzir uma orquestra, a colocação do primeiro cartaz dessa noite.
Se era verdade que já não existia Pide, se era igualmente verdade que fora da época alta, a noite de faro era tendencialmente escura, nem por isso o receio de serem apanhados era menor.
Não sabiam ao certo as consequências de tal acto, mas tal como o Grande Líder havia avançado, já não podiam esperar mais. O Grande Líder tinha decidido que seria tudo na cada da noite, para que enquanto o Povo dormisse, alguém se dispusesse a acordá-lo.
Portugal precisava de ser salvo e o povo Português precisava de acordar. Esta era a hora zero, este era talvez o príncipio de um grande recomeço de estabilidade e governação.
Tinham sido duas semanas de intensa preparação, pois o líder tinha o dom único da palavra. Conseguira convencêr toda uma geração de pescadores, conseguira convencêr uma faixa etária jovem, talvez a mais improvável, que era possível mudar o País e num livre associativismo eles foram chegando á sede improvisada no Algarve.
Mais que tudo, estas novas ideias dele permitiram a muitos desempregados unirem-se por uma causa, permitiram a certos sectores de comércio, que pisavam o vermelho uma injecção de capital e um melhor aproveitamento de stock que estava parado.
Bandeiras, tee shirts, bonés, postais, cartazes e um fundo de ajuda pago a quem se disponibiliza a os afixar, a os entregar.
Paiva Nunes, tinha inclusivamente ouvido falar de 30 autocarros alugados para a grande marcha. Nunca tal se viu por aquelas bandas e ao contrário de outros partidos, o dinheiro é logo pago, logo adiantado.
Ele sorriu abertamente, pois se por um lado se sentia um " fora da lei" a operar sinistramente durante a noite, por outro lado não queria deixar de talvez fazer parte de uma linda história.

Outubro de 2012 - Vila do Conde

Ignorando os constantes aumentos de electricidade, indiferentes ás vagas de frio que assolam o país, cinquenta funcionárias, sentadas à frente das respectivas máquinas de costura , trabalhavam afincadamente na conclusão das cerca de 150 fardas pedidas por um qualquer partido político.
Não lhes agradava minimamente trabalhar fora-de-horas, mas ultimamente a situação na empresa não era nada benéfica e havia constantemente salários em atraso, mas desta vez, nesta precisa encomenda foram pagas atempadamente e um bónus de incentivo havia sido assegurado, caso elas acabassem os trabalhos dentro do prazo. Sendo assim, atiraram-se ao trabalho e nestas duas ultimas semanas mal haviam descansado.
Óscar Rente, o gerente da empresa, de braços cruzados, diante da parede envidraçada do seu escritório, observava o afinco das suas empregada e com um olhar esperançado, concluiu que estas encomendas iriam segurar a empresa por mais alguns meses. Na verdade, quando um intermediário do Grande Líder o consultou e apresentou as condições, logo ali viu que era bom demais para não aceitar.
Até este dia não sabia ao certo quem era esse Grande Líder, quem era esse novo partido, mas depois de etr assistido à entrevista que ele dera ao canal 5, sentiu-se realizado por estar a ajudar a mudar a face do panorama político português. Claro que ele não acreditava que este partido pudesse realmente fazer a diferença. ou que conseguisse cativar uma significativa fracção do povo, mas quando ouviu os planos para uma grande marcha, associou o pedido da encomenda à dita cuja e percebeu finalmente o porquê das quantidades. Foi quase um duplo alívio 
No momento em que a direcção da fábrica se preparava para anunciar aos trabalhadores, cortes e despedimentos, eis que surge um fulano com uma pasta com dinheiro e um pedido inusitado de fardamento, ou espécie de fardamento. De início julgou ser algum ramo militar, mas depressa percebeu que não podia ser. Tinha de ser algo diferente e nessa entrevista, ao ver o Líder do partido sentado, vestido com os uniformes que ele agora prepara, as dúvidas dissiparam-se.
-Bom, enquanto ele acreditar ser possível, receberei encomendas. - pensou ele com um sorriso nos lábios, longe de imaginar contudo a bola de neve que aí viria.

Novembro de 2012 - Almada. Lisboa

De teclado pousado sobre os joelhos o jovem informático ficou boquiaberto com o que acabava de ver no ecrã. Ele que tinha a missão de agitar as redes sociais, de difundir a ideia da Grande- Marcha, constatava agora o chamado efeito dominó. Páginas e páginas da Blogosfera Nacional comentavam, mencionavam ou simplesmente criticavam a entrevista do Líder.
Nas chamadas redes sociais, antes mesmo que ele pudesse se sentar e "postar" algo, era inundado de clips e partilhas da mesma entrevista.
Incrédulo, rodou o mouse na mão, acedeu ao blog e mais estupefacto ficou. O total de visitas da página do partido, batia agora recordes unicos de visitas diárias, dezenas e dezenas de comentários ou sugestões.
Nervosamente abriu o email do partido, tarefa pela queal, ficara igualmente earregue, e observou num esgar perplexo, imensos mails que ainda continuavam a cair.
Coçou ligeiramente o pescoço, enquanto que se certificava que esses emails não eram publicidade ou algum tipo de Fishing. Assobiando baixinho, arregaçou as mangas, agarrou num bloco de linhas A4, e principiou a leitura do \conteudo dos emails, passando para o papel ideias ou sugestões que acharia que o Líder  iria gostar, ou tão somente passava para papel os endereços dos emails, que mais lhe chamariam à atenção.
Por muito que se enalteça as virtudes da velocidade de informação hoje em dia, por muito que se elogie ou se critiquem as redes sociais, enquanto fenómeno de massas, a verdade é que até mesmo nesses locais, as coisas e as ideias precisam de ser cimentadas.
Consultou atarantadamente o relógio de pulso. Só haviam passado 4 horas desde a entrevista. era totalmente impossível, que mesmo nas redes socias, mesmo na blogosfera o efeito fosse tão imediato, tão generalizado.
Tudo corria exactamente como o líder calculara só que ele, naõ tivera de mexer um unico dedo, não tivera qualquer acto directo neste bombardeamente maciso de informação.
E era precisamente isso que o assustava...Se ele não teve nada a ver com isso, quem teve e para com que fim?
Pegou no telefone fixo, marcou o número e aguardou:
-Sim?
-Grande Líder, missão cumprida.
-Exemplifica.
-Grande demais para lhe revelar por telefone, apenas posso adiantar que foi bem acima do esperado.
-Optimo. Esse era o feed back que me faltava.
-E agora?
-Agora?
-Sim.
-Agora meu jovem, vamos dormir serenamente e assistir amanhã ao nascer de um dia, um novo dia.
-Um dia?
-Tudo a seu tempo, meu rapaz. Tudo a seu tempo!
Desligou a chamada e ficou quieto e calado a assistir ao contínuo aumento de visitas no blog. Que quereria ele dizer com novo dia? Sim, sabia que ia haver uma comunicação do Primeiro Ministro ao País, mas percebia perfeitamente que não era a isto que o líder se referia.
Ainda nervoso e surpreso pelo resultado alcançado, foi fazer café na pequena cafeteira de metal e ligando a aparelhagem na TFF notícias, principiou a responder aos emails em nome do líder.
Ia ser uma noite longa, mas mesmo assim ele não conseguia ir agora dormir.





7 comentários:

  1. Prometi-te ler e nunca pensei que fosse este imenso prazer, pois a cada dia surpreendes mais.
    Como uma série televisiva, com a capacidade de saltares de local para local sem perder o rumo das coisas.
    Um conto fascinante e intrigante. Continua

    Tua amiga que te lê com prazer
    Anita

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  2. E tb eu estou entusiasmada e expectante com o iniciar de um "novo dia", tantos preparativos, as fardas, os cartazes, os panfletos, tanta dinamização na campanha... Hummmmm!!! Isto promete algo em grande!!! E a seguir? O q se passa a seguir? hum? hum?
    :P
    Beijinho em ti!!
    Inês

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  3. Anita;
    Sei que abusei um pouco no tamanho do texto, da parte do capítulo, mas agradecido por me continuares a ler!

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  4. Inês;

    Está a chegar o dia da Grande Marcha, mas antes que tal suceda, algo vai ainda dar mais força ao Líder.
    Muito grato pelo constante acompanhar

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  5. Fantástico como sempre Rogério...
    Isto sim é uma campanha ao mais alto nível, cheia de fardas, cartazes e um povo muito mais que unido por um interesse comum a todos, levantar o país que outrora fora grande e reconhecido pela sua valentia e coragem!
    Parabéns!:)

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  6. Mary;

    Antes demais obrigado pela tuas constantes visitas.
    De facto é exactamente isso, o reerguer do ânimo de um povo que querer acreditar.

    :) Volta sempre!

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  7. Oh senhor Rogério, é óptimo receber um comentário seu no meu espaço de escrita!:)
    Obrigada pela visita e por tudo!:)
    bj

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