quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O acordar dos sentidos - Capítulo 1 - parte 4


"Se a Europa não encontra solução, parte-se aos bocados e vende-se alguns deles. A "ajuda externa" virá então de países de olhos em bico.E que não são democráticos"

Pedro Santos Guerreiro
Director do Jornal de Negócios in " Sábado"


Novembro de 2012 - Praça do Chile. Lisboa

A preparação e a atenção que depositava nos seus poucos tempos livres à escrita do seu romance, originava-lhe frequentemente ataques enormes de insónia.Não que ela tivesse dúvidas sobre o rumo a dar ao seu romance, ou sobre a estória arquitectada por si , que envolvia uma foragida e o amor impossivel pelo detective que a perseguia , mas ela sabia que só conseguia escrever quando estava tranquila e apesar do seu companheiro de quatro patas, dormir refastelado no sofá, ela mostrava-se intranquila.
Verónica era obcecada pela escrita, pelo seu mundo imaginário, que justificava a si própria como uma alternativa segura ao cinzentismo do panorama Português.
No fundo, não conseguia deixar de pensar em Franco e no seu partido. Não conseguia desligar o botão automático dos seus pensamentos e em vez de se encontrar focada na sua estória, revia mentalmente partes da entrevista.
Enervava-a pensar que um breve encontro diante de tão sinistra figura a inibira e a fizera comportar-se como uma colegial, quase gaguejando nas perguntas, completamente perdida no guião, a observar de olhos cabisbaixos a expressão do seu fiel Cameramen, tambem ele a tengtar adverti-la sobre a sua postura, com olhares incisivos.
Consultou o seu Swatch e viu dolorosamente os ponteiros a anunciar as quatro da madrugada. Vendo que a inspiração não lhe chegava e que o sono estava distante, agarrou um SG Gigante, acordou o seu bravo Tanou e colocando-lhe uma trela, achou que uma saída rápida acalmaria o seu estado de espírito.
Tanou latiu com prazer, diante da possibilidade de ir " dar um giro" enquanto ela o guiava pelo estreito corredor e acendendo nervosamente o cigarro, saiu para o exterior.
A noite estava calma, sem chuva e sem muito frio, iluminada fugazmente pelos antigos lampiões da cidade, que lhe davam um toque pitoresco, embora ela soubesse que em breve seriam substituidos por candeeiros mais modernos. De certa forma, era o aspecto pitoresco de Lisboa que a seduzia.
Desde que deixara Coimbra, para rumar à faculdade de letras, na Cidade Universitária,que ela se deixara seduzir pelo Bairro Alto, pelo Castelo de S.Jorge, pelo chiado.
Para ela, Lisboa era uma cidade imensa, intemporal, inesquecível e ja conhecedora de certas capitais europeias, continuava a apreciar cada vez mais a cidade que a a adoptara e lhe dera um futuro.
Pouco depois de ter percorrido o quarteirão, Tanou deu sinal que algo se passava, levantando as orelhas e mantendo-se concentrado em certas figuras silenciosas, que dificilmente se recortavam do manto nocturno.
Ajoelhou-se de modo a acalmar  Tanou e encostando-se o mais possível à parede, observou atentamente quatro homens que aparentemente colavam um cartaz, num dos muitos suportes de publicidade existentes pela cidade. Ficou ali silenciosa, estupefacta pelo ar sinistro e silencioso dos homens, como se estivessem a praticar alguma ilegalidade.
Enquanto dois deles levantavam as pontas do cartaz pelas "orelhas", em cima de escadotes, um outro aplicava rapidamente uma escova e o ultimo elemento orientava  com frases curtas a sua colocação.
Continuava sem perceber o porquê de se sentir assim, como uma Voyeur, como testemunha de algo incrível, quando tudo o que presenciava era apenas uma banal colocação de um cartaz.
Seria o seu sentido feminino a dizer-lhe algo, ou seria apenas imaginação dela, no aspecto sinistro da questão.
Afagou lentamente o pêlo do focinho de Tanou, mantendo-o quiteo e calado e quando por fim eles se retiraram, dirigiu-se em passo rápido, colocando-se diante do cartaz e então soltou um assobio fininho de entusiasmo.
Diante dos seus olhos, a figura imponente de Franco, assumia ares de credulidade. A mesma posse que mantivera na entrevista, o mesmo olhar de confiança o mesmo rosto sereno e a frase a vermelho sobre fundo negro : ACORDAR PORTUGAL!.
Qualquer dúvida que ela pudesse ter em relação à postura de Franco, havia se dissipado de repente, ao ver o cartaz. tal como calculava ele era um homem de acção e mais que o provável furo jornalístico de toda aquela situação, agradava-lhe de sobremaneira vêr alguem agitar as massas, a sabêr dar esperança ao povo, a saber surgir na altura certa e no momento certo.
Ela acreditava que haveria sempre uma altura e um momento, em que a Grande Roda da Fortuna vira e nos escolhe. Seria, na opinião dela, sempre o destino a escolhernos e não o inverso e  talvez por isso, mais que o sentir que diante da figura de Franco se pudesse estar a escrever História, ela estava antes a presenciar o tal momento em que o destino nos transporta ao colo.
Agindo por instinto, correu até casa, soltou Tanou no seu interio, agarrou as chaves do carro com a mão esquerda, enquanto que com a mão direita, tentou através do seu telemóvel, acordar o seu Cameramen.
Este era talvez o momento exacto pelo qual esperava. Em pleno dia agendado para a comunicação do Primeiro-Ministro ao País, sobre a prévia análise do cumprimento dos objectivos da Troika, Franco agia e mais uma vez, surgia disposto a provocar o povo e a classe política dominante.


Novembro de 2012- Carnaxide. Lisboa

Habitualmente ele aguardava o zumbido metálico do despertador, para então tácitamente , procurar com a ponta dos dedos o botão do despertador, para o mjudar para rádio.
Por vício profissional, tinha o pequeno rádio-despertador, sintonizado na estação TFF, para ouvir sempre os noticiários de manhã e aperceber-se do que se passara no País e no Mundo, enquanto ele dormia.
Contudo nessa manhã de frio e nuvens cinzentas, foi o toque do seu telemóvel pessoal que o despertou. Na verdade, ele odiava acordar abruptamente com o telemóvel e o seu Staff, tinha a consciência perfeita que só uma emergência lhes dava autoridade para o acordar dessa maneira.
Taciturno, conmsultou o mostrador com os digitos em verde, no mostrador do despertador. Eram seis e meia da manhã, quem no bom juízo lhe podia ligar àquela hora? Franziu a testa em sinal de reprovação, olhou demoradamente para o contacto que lhe ligava e imapaciente, ainda com a voz tomada pelo sono, resmungou:
-É bom que seja importante!
-Bom dia, senhor,peço desculpa por o incomodar, mas penso que deveria ver os noticiários da televisão
-O que se passa? - A sua voz revelava já traços de nervosismo.
-Nem sei como o catalogar, mas é simplesmente incrível....
Sem dar tempo ao seu braço direito para acabar a frase, o Primeiro-Ministro desligou a chamada, levantou-se abruptamente da cama e sem se preocupar em calçar os chinelos ou o robe, avançou até à sala, onde ligou a televisão no primeiro canal.
Como uma bofetada, dada sem o seu consentimento, ele viu as primeiras imagens numa atitude de incredulidade,como se tudo o que agora lhe entrava pela sala dentro, não fosse mais que uma ilusão.
Nesses minutos que se seguiram, até que conseguisse a lucidez de se sentar, permaneceu estupefacto a olhar as diferentes imegens, de cartazes e tarjas com o rosto do Líder do novo partido, espalhados pelos mais diversos cantos da cidade.
O pior estava para vir, da cidade, os cartazes pularam muros e numa retrospectiva rápida pelas mais diversas cidades do País, os cartazes iam-se sucedendo numa velocidade vertiginosa.
Todos os cartazes eram absolutamente iguais, com o rosto do líder e uma frase a apelar á grande-Marcha, com uma frase a vermelho :Acorda Portugal e um enfoque no " Luto Nacional".
Nervosamente, o sujeito aumentou o som do televisor e a medo, sintonizou o canal 5, supostamente o canal que daria a maior cobertura ao evento.
O Primeiro-Ministro tinha bem presente na mente, os tumultos de Dezembro de 2011, sobretudo os ocorridos no Porto e em Lisboa e começava a temer que nesta acção deste novo político, mais não provocasse que novos distúrbios e confrontos e a Europa não iria gostar do surgimento de novos focos de tensão.
Durante aproximadamente uma hora, deixou-se estar, hirto e preocupado, em frente ao televisor, sem ter coragem de ligar a quem quer que fosse.
Precisamente no dia em que emitiria um comunicado ao País, logo tinha de surgir este incómodo.

Novembro de 2012 - Marquês de Pombal. Lisboa

Diante da janela da sede do seu partido Franco acabava de completar uma directa, sem ir à cama. Tinha estado toda a noite vigilante nos preparativos do seu plano, na recepção de telefonemas e no acompanhamento dos trabalhos dos seus homens de Norte a Sul do País.
Não mostrava o mínimo traço de cansaço e no seu rosto habitualmente calmo e ponderado, surgia agora um sorriso rasgado de felicidade.
Ele sabia exactamente o que teria de ser feito e como teria de ser feito e congratulava-se por têr à sua disposição pessoal capaz e dinamizador.
Sabia agora que quando, dentro de algumas horas, portugal acordasse, seria bombardeado com a mais forte e macissa campanha de propaganda alguma vez feita no País.
Definira estratégicamente o seu " Modus Operandi" de modo a que nada fosse deixado ao acaso. Tinham sido mêses e mêses de preparação, de contactos, de recrutamento, de incentivos, de análises. Desdobrara-se incansávelmente em reuniões intermináveis, em telefonemas constantes, em financiamentos extremos, para agora perceber que havia valido a pena.
A entrevista que tinha dado ao canal 5 havia sido o primekiro passo, talvez mesmo o pontapé de saída para a dinamização das suas ideias. Depois agiria nas redes sociais, apelando aos jovens, provocando ideologias obscuras, como a extrema-direita e esta colocação de cartazes durante a noite seria assim o seu terceiro passo. Faltavam duas semanas para a Grande-Marcha e antes desse passo, faltavam ainda mais uns pormenores que precisava de ultimar.
Tudo dependeria do sucesso da Grande-Marcha e para que ela resultasse, nada poderia falhar.
A sua única dúvida praticamente residia no modo como o Primeiro-Ministro iria reagir. Esperava e aguardava que ele desvalorizasse todos os seus esforços ou campanhas, que ele o condenasse ao desprezo. Se por outro lado, o Primeiro-Ministro lhe atribuísse a importância que Franco merecia, então havia uma forte possibilidade do povo achar que ele apenas queria enervar o Governo e não o levaria a sério.
O povo tende a colocar-se ao lado de quem, tal como ele, é ignorado ou desprezado pelo poder.

Novembro de 2012 - Parque das Nações. Lisboa

Plácido acordara abruptamente com o telefonema de Reis, o cameramen do canal 5, incubido de reportagens no exterior e apressara-se a vestir-se.
Por qualquer razão que ele não compreendera a doida da Verónica decidira solicitar à régie um directo e por incrível que possa parecer, havia obtido autorização para a realização do mesmo.
Tentara em vão voltar a contactá-los e pelo sim, pelo não, voara pelas escadas em direcção à sala e ligara o plasma no canal 5.
Como se tivesse sofrido uma descraga eléctrica de grande voltagem, sentou-se abruptamente diante das imagens que bailavam sobre os seus olhos.
Ao fundo, a repórter apontava para um enorme cartaz, com a imagem de Franco, entrevistava uns transeuntes que começavam a dirigir-se para os seus empregos e quase sem respirar, circulava pelas imediações colhendo deles o máximo de informações possíveis sobre os ditos cartazes.
No estúdio, outros repórteres espalhados pelo país, iam imitando-a, mostrando a panóplia de opiniões de quem passava, mostrando cartazes e mais cartazes, estratégicamente colocados.
Elvas, Algarve, Beja, Lisboa, Algés, Cascais, porto, Coimbra, Pombal, Penafiel, Braga, Guimarães...a lista era interminável. Em todas as cidades, aldeias ou vilas, sucediam-se as imagens dos cartazes.
De telemóvel ao ouvido, tentando sabêr ao certo o que se passava no estúdio, Plácido amaldiçoou-se por se ter deixado dormir perante tal furo jornalístico.
Não fazia ideia como Verónica o soubera e começou a ficar preocupado, talvez mesmo alarmado com a possibilidade de ter sido o líder do partido a avisá-la por telemóvel.
Ele sabia o quão influenciável Verónica podia ser e a ultima coisa que precisava, enquanto director de informação e programas do canal 5, poder ser associado a todo este folclore de propaganda política.
Abdicando do pequeno almoço, dirigiu-se nervosamente ao estúdio, parando ocasionalmente, entre as filas de carros que abrandavam diante dos cartazes e buzinavam:
-Meu Deus, mas está tudo louco? Será que o carnaval veio mais tarde este ano?
Sacudindo a cabeça, ligou uma vez mais para o estúdio e então para ainda maior surpresa, ouviu o impossível:
-Repita a informação por favor!
-Como lhe disse, estamos a bater records de audiências....Nunca tivemos um pico tão alto de audiências a esta hora da manhã!
-São oficias?
-Da Marktest, senhor.
-Como é isso possível?
-Parece que estamos a transmitir uma final do campeonato do mundo de futebol.
Plácido consultou as horas, no mostrador verde da viatura. Eram oito da matina e agindo por instinto, parou o carro imediatamente, optaria por dar uma volta pela cidade, sondadno a informação que recebera.
O seu alvo seriam os cafés, o contacto com o povo. iria tentar percebêr se realmente haveria um foco real de interesse no seu canal.
O espanto continuou, quando de café em café, a imagem de Verónica sob um cartaz de Franco, colhia os sorrisos entre os clientes do café, que permaneciam em silêncio, devortando tudo o que ela dizia.
-Como ela conseguiu? - Pensou Plácido ainda incrédulo.
  




9 comentários:

  1. Vim a correr para mais um capítulo.
    A trama discorre inebriante. ès um génio.
    Fascinada.

    Anita

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  2. Quero antes de mais, dizer que acho muito interessante que nos desloques pelos vários cenários onde se encontram as personagens, ainda não tinha feito este reparo e acho importante que o mesmo seja feito.
    A historia decorre brilhante, os olhos do país estão postos nos cartazes e a expectativa desenvolve-se em torno deste líder misterioso, Veronica teve a sorte de poder ser a pioneira de toda esta informação e o canal 5 a janela para todo este processo!

    Estou a adorar, mas isso, tu já sabes! :)
    Beijinho em ti
    Inês

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  3. Anita,

    Sempre muito bom, saber que sou lido, embora de génio tenha pouco. É no entanto agradável que sintas essa emoção e esse prazer em vir aqui lêr.

    Um muito obrigado pelo carinho!

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  4. Inês,

    Desde sempre os teus comentários ajudam e de que maneira, na condução de um conto ou no aumento de motivação de o escrever.
    Praticamente tens-me acompanhado desde o pequeno caminhar no Waf, passando pela afirmação do projecto deste blog,até aos dias de hoje.
    Sob o teu olhar atento desfilaram já algumas estórias, muitas personagens, muitos enredos e é muito gratificante sengtir na pele a fidelização de quem realmente gosta do que escrevo.

    Não tenho de facto palavras pelo inumero apoio dado, não só por ti, mas tambem por ti ao longo deste tempo.

    Muito obrigado.

    Sim, a ideia é precisamente guiar o leitor pelos vários focos de acção da estória e simultaneamente tentar incutir uma certa familiaridade com locais e personagens.

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  5. Estou fascinada, uma vez mais surpreendeste, não que já não estivesse à espera, mas está superior ao que eu havia imaginado, andei durante a semana toda sempre atenta ao blog esperando mais uma parte, imaginei vezes sem conta o que viria aí, mas surpreendeu!
    Não posso deixar de dizer que a forma como mudas de personagem e de espaço físico torna o conto mais interessante e agarra o leitor da primeira à última frase.
    O que virá aí?
    Parabéns uma vez mais pelo conto, pela realidade dele e sobretudo por escreveres desta forma, tão fiel e real!
    beijos*

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  6. Mary;
    Feliz por vêr que te acompanho durante a semana, na expectativa de mais um capítulo, ou parte de capítulo deste novo conto.
    Muito obrigado pelas tuas visitas constantes.

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  7. Rogério, o drama é de Marisa, Leonor é apenas uma das amigas!

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  8. Tens uma escrita imensa numa maneira muito própria de nos agarrares à história.Aqui e ali salpicada de observações hiper pertinentes e uma cultura geral muito interessante.Mas a forma como geres isto tudo,como se nos permitisses sentir e ver as personagens,tornam-te mais criador.Li tudo ate agora de enfiada e estou alucinantemente viciada.Podes não acreditarmas ler isto ajuda a amenizar esta crise seria bom pensar um bocadinho.Parabens

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  9. Sempre muito agradável saber não só que nos lêm, mas que igualmente gostam E AINDA BEM QUE DE CERTA FORMA POSSO SER ÚTIL

    Obrigado pela sua visita!

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