sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O acordar dos sentidos - Capítulo 2 -" O Discurso do Ministro"


"Ensaiou discursos disparatados que se esfumaram no horizonte dos olhos dele, galopou no silêncio cego de um adeus sem sílabas de despedida... O tempo era agora um vento cruel a secar-lhe o rosto com rugas... Tentou esticar os braços mas o aço do desalento puxou-lhe os músculos da esperança até rasgar... E deixou-se ficar, viva, num corpo morto, de olhos em maré alta a vê-lo partir com as gaivotas dos sonhos..."
http://librisscriptaest.blogspot.com/2011/12/mare-da-meia-tarde.html

Final de Novembro de 2012. Lisboa

Por mais que o primeiro ministro se esforçasse por ignorar o nervosismo, tentando disfarçar ao máximo aqueles pequenos tiques que um bom observador notaria, a verdade é que nem seria preciso um olhar muito atento, para fácilmente detectar esses sinais.
Perante as câmaras de televisão e optando por encarar os microfones fixos à sua frente, como armas ameaçadoras, procedeu ao seus segundos de pausa e como um condenado convicto do crime que acabava de cometer, avançou sem hesitação:
-Portugueses, em primeiro lugar tenho de elogiar o esforço de todos vós, no penoso sacríficio de todas as medidas de austeridade que foram aplicadas. Apesar deste governo ter bem presente a necessidade de tais medidas, foi com orgulho que assistimos à vossa coragem, ao vosso Patriotismo, ao vosso empreendorismo. Todos nós em certa medida contribuimos e lutamos para apagar erros do passado, com vista a fortalecer não só a nossa economia, mas como a nossa auto-estima e o nosso orgulho. O governo está igualmente consciente que pela vossa mente, passa a ideia de que talvez pudesse ter sido diferente, talvez pudesse ter sido mais brando. Meus caros cidadão, não podia ter sido assim.
Quase no outro ponto da cidade Verónica, deu uma olhada ao ecrã da televisão,onde o canal rival transmitia o discurso do primeiro ministro e enquanto aguardava a presença de Franco, para o discurso do Líder do partido da oposição ao Páis, deteve-se na imagem do primeiro ministro. Ela não era própriamente uma excelente leitora de sinais corporais, mas mesmo assim não pôde deixar de constatar com alguma surpresa, o ar desmazelado do representante do Governo. O botão desapertado, o relógio solto e de lado no pulso direito e o cabelo dedsalinhado, embora se notasse ter sido penteado minutos antes. A imagem que o primeiro misnistro lhe acabava de transmitir, não era de todo uma imagem de alguem seguro e confiante e aqueles constantes esgares de contração dos lábios, indicavam isso mesmo. Respirando fundo, ficou de certa forma feliz de estar a cobrir um outro discurso.
-Volto a frisar, não querendo com isso me desculpar de tais medidas, que o legado que nos foi passado era forte e pesado demais, que o mal já estava feito e congratulo-me por ter tido a coragem de ter pedido a intervenção da Troika e do Banco Central Europeu, de forma a sustêr a loucura e o desgoverno do anterior executivo.
Algures na audiência alguem sorriu de sarcasmo, levando o primeiro ministro a aproveitar para beber um gole do copo de àgua á sua frente e retomando a coragem, continuou:
-Hoje, posso vos adiantar que a crise pode e deve ser ultrapassada em breve.Que segundo os dados que temos em nossa posse, estamos no bom caminho. O esforço de todos vós, a coragem de todos nós, tem colocado um travão à dívida pública e de certa forma a um atenuar da nossa balança comercial.
Sabemos hoje, mais do que nunca, que só através de um empreendorismo profissionalmente exemplar,que só através da livre entrega ao trabalho e uma mão pesada na contenção de despesas supérfulas, nos pode conduzir a excelentes resultados.
No cimo do palanque o ministro sentia uma certa agitação de desconforto na audiência:
-Desconheço ainda o conteudo formal da comunicação da Troika sobre os nossos resultados, no entanto estou certo  de que temos conseguido travar o aumento do desemprego, de que temos igualmente lutado para travar a despesa pública, mas meus caros cidadãos, ainda não é o suficiente. - Sem dar tempo a que a audiência pudesse assimilar a informação, retomou cada vez mais austero- Nem podia ser suficiente, isto porque é preciso ter bem presente que não é em dois ou três anos que se consegue  abater anos e anos de má-gestão pública, de desgoverno de anteriores executivos, mas é importante que saibamos para onde caminhos, qual o nosso objectivo e acima de tudo, qual a melhor forma de lá chegarmos. Mais do que nunca,meus caros, temos de continuar unidos neste terrível desafio, temos de continuar a lutar, de continuar a acreditar que Portugal pode e deve ser diferente de uma Grécia, ou mesmo de uma Itália. No fundo aprendemos com os nossos erros e sabemos que é preciso coragem...
Naquilo que deveria ter sido apenas e tão só uma comunicação ao País, onde nem deveria ter havido assistência, de repente algo correu mal.
Sentado na primeira fila, um sujeito enorme ergueu-se, desesperado e aproveitando  a presença das  câmaras de televisão, interrompeu o ministro, num tom de voz enervado e particularmente irado:
-Coragem, senhor ministro é ter a ousadia de aumentar a luz, o leite, a carne e o pão. Coragem, senhor ministro é aumentar os medicamentos de quem mal tem reforma, de reduzir as reformas, de....
Os seguranças tentaram abafar o cidadão, perante o ar preplexo do ministro, quando um outro sujeito se levantou e continuou:
-Coragem senhor ministro, é ter mais de dez  motoristas, pavonear-se pelo País, jantando do bom e do melhor, enquanto nós passamos fome. É isto a Répulica? Tenha vergonha, senhor ministro!
Ao verem os seguranças expulsarem os dois sujeitos, o resto da audiência abandonou o local, soltando insultos e impropérios vários, perante um cada vez mais estupefacto ministro.
Sem reacção perante as câmaras, esmagado perante este triste incidente, o primeiro-ministro encarou as objectivas , como se tivesse sofrido um atentado.
E na verdade foi um atentado político, um suicídio no rastilho de uma pólvora de um povo que chegava já aos seus limites, que tudo dava até então, mas que via muito pouco do resultado do seu esforço.
Não escondendo o seu desalento, não tentando sequer disfarçar o seu já fraco pecúlio do outrora estado de graça que gozara aquando da sua nomeação, o primeirto ministro era na verdade um resto do homem de quem o próprio povo esperava.
Lentamente, muito lentamente, encarou as câmaras e não ousando sorrir, apenas argumentou com uns olhos mortos de desespero:
-Compreendo o certo desconforto de cidadãos do meu País, compreendo até o desabafar de um certo descontentamento,mas sei que o mesmo é apenas respeitante á situação de crise Mundial e não apenas á nossa actuação, enquanto governo democráticamente eleito por um Povo, responsável máximo pela condução de um País. Há quem contudo, não consiga separar o País do mundo!
Sem muitas mais palavras na manga, sem outras soluções para amenizar tão duro golpe, em frene aos olhos de uma nação que o seguia,o primeiro-ministro abandonou em silêncio o palanque, desaparecendo rápidamente pelos bastidores.
De certa forma o tempo nunca iria apagar este erro governatiovo. Mas quem permitira assistência num momento tão delicado como este? teria ele sido traído por alguem do seu Staff? porque ele não tinha reparado nesse pormenor ao subir ao palanque? Pior que tudo, perguntava-se ele a si mesmo, porque ele tinha tanta a certeza de que o seu povo iria compreender a imposição de mais medidas de austeridade?
Relutantemente o ministro perc\ebera qu ultimamente tudo corria mal. Aliás, não foi ultimamente, foi exactamente desde que esse tal de Franco surgiu, com o conhecimento do que ele se perparava para fazer, como se ele soubesse que de certa forma, neste preciso momento o Governo estaria mais fragilizado do que nunca.
Coincidência? ele há muito que não acreditava em coincidências.
Com um olhar de pânoco, sobre o seu staff que o aguardava em silênco, ele gritou:
-Liguem no canal 5, quero ver o que esse tal de Franco dirá ao País!
Ele tinha a ilusão momentânea, de que tambem Franco seria devorado vivo.

Finais de Novembro de 2012- Estação de metro do Cais do Sodré. Lisboa

Os dois indíviduos que atacaram verbalmente o discurso do ministro, desciam as escadas com um ar de plena satisfação.
O mais alto deles, agarrou o seu Nókia, com cartão pré-pago, aguardou que um dos homens da confiança de Franco atendesse e simplesmente disse:
-Está feito. Foi tiro certeiro!
-Eu vi. Excelente trabalho.
-Temos o problema das câmaras. Iremos passar em todos os canais a várias horas do dia!
-Eu sei. Tudo está a ser tratado.
-Optimo. QSeguimos o plano?
-Perfeitamente. Boas férias!
Com um sorriso ainda mais rasgado, os dois homens dirigiram-se até Santa Apolónia, onde o Alfa Pendular os levaria até ao Norte e daí seguiriam  até à Galiza. Teriam que desaparecer durante uns bons tempos e mais importante que tudo, não poderiam de forma alguma ser associados a Franco.

Adiando nos ultimos minutos, por mais uma hora o seu discurso, como que de certa forma esperando a melhor altura para surgr diante das camaras, Franco sabia que iria ser o alvo de toda a atenção.
Tinha assistido em pormenor, ao discurso do ministro e de \certa forma ganhara uma confiança e uma força extra, mas nada o prepararia, para a força que o alcance das suas palavras teria na Nação.

(Continua...)


2 comentários:

  1. Como é bem real este conto. Quase vejo o Passos Coelho a suar diante da televisão.
    Brutal, como sempre.

    (anita)

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  2. Depois do suicidio politico do primeiro ministro estou ávida por "escutar" o discurso de Franco, sei que não serei defraudada e que será um momento especial e forte nesta estória! Estou espectante e curiosa!!!
    Será que me fazes sofrer mais uma semana para saber o q se passa a seguir? LOL
    Beijinho grande em ti!!!
    Inês

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