sábado, 26 de maio de 2012

Monólogo a Juzante e Mais Além - Ultima Parte




3-Carnevale

Os sábios dizem que ao fazer a escolha do seu parceiro(a) deve levar em consideração o diálogo que vocês tem, pois quando chegar a terceira idade é o que vai restar.

Paulo Barbosa: " Assim se criou o mito"


Nunca entendi esse fenómeno a que chamam de amor ou então, talvez tenha sido ele que nunca permitiu que eu entendesse. Para certas pessoas o termo amor é como a existência de vida em Marte, já ouviram falar disso, já leram sobre isso, mas ainda não estão certos que exista.
Directa é a linha que une dois pontos, num traçado límpido, puro e verossímil
Pudéssemos nós ser assim nas nossas relações, no nosso dia-a-dia, sem máscaras,sem desculpas, sem ilusões.
Bom,na crta que levariamos o espólio para o Além. 
O prazer da entrega e do recebimento, o saltar do coração, o pulsar das veias, o estar vivo em todo o seu esplendor.
 Maldito seja o sexo que tudo desvirtua...
Como morri, posso me dar ao luxo de saborear nesta Eternidade todas as tentações, todas as tramas, todas as devoções, algumas camas e taradices do que não fiz e devia ter feito.
No fundo, vive-se muito pouco e raramente o damos conta. Construímos um Império de minutos, numa terra de segundos, amarramos tudo num bonito laço e chamamos a isso de vivência.
Fico recordado do primeiro momento em que a vi, creio que essa é a imagem mais duradoira, o que só por si é estranho, pois regra geral é usual que venham à memória palavras, frases, discussões, várias tentações, um pensamento...Não, apenas me assalta o espírito o seu sorriso,  tenro, macio, inocente da primeira vez que trocamos olhares.
É incrível para quem sentiu, a capacidade louca do ser humano de amar, de se entregar, de viver uma paixão, porque no fundo é disso que falo. Entregar-se de sobremaneira a um alguém, deixar-se estar junto dele, fazer desse momento uma falsa eternidade. Não, não sei se alguma vez amei, não sei se alguma vez perdi o sono, o descanso ou um minuto a pensar em alguém dessa forma. Mas o que realmente sei é da existência do outro poder: O de ser amado.
São umas cápsulas virtuais de energia que recebemos, são um olhar atencioso, numa face que rejubila apenas e só com a nossa presença, são os minutos e as horas de uma vida expressas apenas no prazer de partilhar.
É sobre este ponto de vista que escrevo agora, neste purgatório infernal em que examino o que tive e o que vivi no geral, ( não caro leitor, tal purgatório não é castigos dos deuses ou outras entidades, é apenas e só para passar tempo que o chato de se estar morto, é não ter nada para fazer).
O tempo, sempre o tempo, aquilo que nos acompanha a vida fora e como nós o soubemos aproveitar. As nossas entregas, em vastos lânguidos desejos, em  beijos carnais, numa altura em que torcíamos os gastos segundos, mordíamos os incontáveis minutos e atirávamos fora algumas horas. E depois? O que sobrava do tempo que não usamos? Canalha, é o tempo na sensação de falsa grandeza.
A suavidade com que certas lembranças afloram ao nosso espírito, naqueles momentos em que uma simples palavra pode provocar o maior dos ruídos, em que um olhar pode despertar os maiores fogos internos, são coisas que nem a morte apaga, embora em breve e estou consciente desse facto, tudo desaparecerá da minha mente, como se alguém pura e simplesmente fizesse um DELETE e é precisamente isso que me assusta.
Senão vejamos, andei uma vida inteira a coleccionar memórias, tristezas, interrogações, devoções e demais afinidades mortais, para justo no momento em que disponho de tempo para as analisar elas vão desaparecer. Injustiça de uma vida, diria.
Na verdade já sinto de certa forma o cérebro a fragmentar-se em espasmos de pouca eloquência e alguma demência, (tento o truque certo de homem casado enquanto a  esposa fala, agarrar-me a uma ideia agradável e a manter viva na mente para não ser traído pela minha cara de enfado) e apenas me surgem imagens desfocadas.
Sim caro leitor, mesmo neste purgatório se pode sofrer e viver na dor. É até incrível a quantidade de palavras, frases e algo mais que deixamos por dizer ou fazer e agora que aqui estou não tenho como enviar um mail ou um SMS. Acredite-me caro leitor há sempre algo que fica por dizer, sobretudo a quem nos amou, a quem de tudo abdicou por nós. Nestes específicos casos, um mero obrigado não chega, nada há que pague isso.
Viram? Agora que morri é que me deu para estar com estas coisas sentimentais, como se soasse a arrependimento ou frustração da minha parte, mas no fundo trata-se tão somente de mais uma divagação.
Ah, mas garanto que nada tem de fraco o elogio da loucura nas minhas divagações carnais.
Pudesse eu colocar em tela os devaneios de corpos nus sobre um imenso vazio a meia sombra, pudesse eu perpetuar em aguarelas únicas as imensas orgias, os calafrios, as tentações que saltitam minha mente.
Ou no fundo tentar elucidar o caro leitor sobre o calor das contendas nos seios gastos de uma filosofia.
Mas por momentos, inexplicado que está o conceito de amor, viremos agora a nossa atenção para o sexo, tido por muitos como o veículo essencial desse amor e para outros, receio bem, fruto de perfeita perversidade.
Na verdade a grande questão do fascínio por um corpo nu, pela suavidade num toque de carícia, pelo encantamento de um sorriso de malícia. Ah, o sexo!
Isso de certa forma me fará falta aqui no Além. Creio mesmo que será uma das poucas razões para estar vivo!
Sinto uma força estranha, algo que me expele e que simultaneamente me puxa. Algo...como se fossem mil braços em meu redos, me prendendo, me largando, me torturando. Inexplicável este misto de sensações, dor e alegria, coragem e hesitação...Não, não posso ficar por aqui, tenho de narrar tudo ao meu leitor.
Sinto-me agora a encher de garra, de jubilo, parece que ouço o coração. Mas como é possível se estou morto... Não estou?
O silêncio é timidamente afastado,a visão quer recuperar as suas qualidades e atarantado ouço então como se fosse a primeira vez que ouvia a voz humana:
-Ok, já tenho os sinais...
-Recupera?
-Difícil dizer enfermeiro, esperemos que se torne estável.
-Confirma-se, foi um AVC.
-Dos fortes, este pode-se safar...
Mas então estou vivo? Então não morri?  Ah, glória, glória Aleluia!
Ora bolas, mas como posso ter a faculdade de poder retornar, reencarnar noutro corpo e ter o azar de ficar com o mesmo?
É preciso ter sorte!





4 comentários:

  1. :))))))))))))
    E hoje vim cá, ler-te com atenção nesta tua fantástica introspecção/meditação/divagação do que será a morte e a nossa consciencia ao enfrentarmos/atravessarmos essa etapa! Adorei e fez-me questionar muito se não será realmente assim termos tao somente tempo para repensarmos... E sofrer o terror de sabermos que uma vez mais nos foge esse tempo que afinal agora era apenas aquilo que nos restava da vida, as nossas recordações, os nossos momentos, aquilo que nos identificou e no fundo, o pouco que eramos/somos...
    Ler-te é absolutamente uma viagem fantastica! Caramba se morrer vou ter saudades disto!
    Beijinho em ti

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  2. Caramba se morrer vou ter saudades disto!

    Este é o melhor elogio que alguém poderia ter.

    Muito obrigado

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