domingo, 16 de junho de 2013

Anúncio de um crime

Foto de Gregoria Correia


Pouco antes da hora combinada, cheguei um pouco sem fôlego à esplanada, onde Vítor se deliciava com uns tremoços envoltos em autênticos "calhaus" de sal. Contrariamente ao usual, não esbocei qualquer aceno, não lhe "roubei" uns tremoços. Limitei-me a ocupar uma cadeira diante de si, indiferente ao sol que rasgava a cidade. Percebendo o ar interrogativo de Vítor, acendi um cigarro e friamente apenas disse:
-Hoje matei um sujeito!
-O quê?....Como? - Perguntou incrédulo.
-Foi rápido,limpo e sem sobressaltos.
-Mas tu?Um gajo tão calmo, ponderado e pacato...
-Pá, teve de ser!
-Legítima defesa? - inquiriu ele a custo.
-Nãa. Foi por beleza.
-Beleza? - O Marlboro tremia-lhe nos dedos
-Sim, tu sabes....A estética daquilo...
Olhava-me duas ou três vezes seguidas, perplexo, arriscando uns olhares de esguelha pela esplanada, receando outros ouvidos atentos:
-Foste à polícia?
-Para quê?
-Então....para confessares o crime!
-Não foi crime. Foi suicídio!
-.....
Aspirando o ar, como um peixe fora de água, esmagando o cigarro ainda a meio no cinzeiro prateado, implorou:
-Explica lá isso!
-Foi um alívio! - Exclamei tranquilamente.
-Sim, mas explica.
-Pá, foi pelas três da tarde, ele estava em casa , aparentemente morto de tédio , na sua vidinha e tal...
-Sim e..?
-Então, de repente eu decido intervir, abro a janela que dá para a escadaria da praça e ele saltou!
A cabeça dele oscilava em perfeita negação, fazendo um esforço para se controlar. no fundo agia como alguém que tinha acabado de meter uma batata quente na boca e tendo se queimado, não a podia cuspir:
-Pá, não entendo. - Concluiu após alguns segundos de hesitação
-Que queres, não fazes ideia do quanto é duro escrever um conto e tentar descobrir a melhor forma de matar uma personagem. Dói quando matamos alguém num conto!

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