sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Desculpa Se Sou Puta - Capítulo 8




Há uma mágoa que me atravessa como água,
preenchendo os espaços todos...
Não quero passar por aquilo outra vez,
mas talvez o sofrimento se queira passear por mim...


Inês Dunas: A Fábula da Bela Adormecida e da Cobra

http://librisscriptaest.blogspot.pt/2011/04/fabula-da-bela-adormecida-e-da-cobra.html

Ela guardou cuidadosamente o telemóvel no bolso direito do casaco e sem pensar duas vezes, acelerou o passo para o exterior do recinto da escola. A chuva abrandara se a presença da amiga aquela fogueira de vaidades chamada de escola era-lhe insuportável. 
Apesar de a conhecer há relativamente pouco tempo, S. entrara repentinamente no seu restrito leque de amizades fortes e imutáveis e a respectiva aproximação não foi gradual, mas com a velocidade de um cometa.
Com efeito existe na vida aquele tipo de pessoas que carregam em si mesmas uma aura especial, como se de certa forma fossem únicas no Mundo. São pessoas sem idade, sem rótulos, com uma filosofia única que as torna importantes na vida de quem tem a felicidade de as conhecer e com a amiga, A. sentia isso de uma forma peculiar
Ela não conhecia outro sítio do mundo,como a sua escola, onde os estereótipos e o prazer de colocar rótulos nas pessoas fossem uma actividade tão imensamente insana. Este era contudo um “jogo” em que ela não se sentia à vontade, talvez por ter sido filha única ou porque sempre fora criada e habituada a manter-se no seu canto, a não responder, a não criticar…No fundo a obedecer!
Mas com S. tudo era diferente. Ela era o dínamo na sua vida,  a dose de loucura que necessitava e nem o facto de ela estar a passar por uma separação dos pais a “deitava abaixo”. S. era aos olhos da amiga uma força viva, uma miúda contestaria e ciente do seu lugar no Mundo e na escola. Catalogar alguém era o seu jogo favorito e o meio de defesa por ela usado como forma de entender e sobreviver na selva da escola. Para ela havia três tipos de gente neste Planeta: Os cotas (regra geral acima dos 22 anos, seres alienados dos dramas de ser adolescente), Os inocentes (no sentido pejorativo do termo) e as guerreiras eternas (espécie de minigrupo criado por ela e para elas as duas). Dentro da escola havia, no entender dela: Os Queques, Os drunfados (amigos de fumarem umas coisas), as cabras (todas as gajas que ela não suportava) e alguma outra fauna que ia surgindo no improviso.
 Por isso a aura da amiga exercia sobre ela um fascínio peculiar. Ela pensava muitas vezes que se a amiga fosse um rapaz, seria o namorado perfeito. Aliás ela dera-se conta que desde que conhecera S. se sentia mais emancipada, mais indiferente à austeridade do peso da gravidade do pai.
Não que o seu pai fosse um monstro ou a castigasse por tudo e por nada, mas porque exigia dela sempre o impossível. Aos olhos dele, ela não tinha que ser apenas perfeita. Tinha que ser a mais-que-perfeita. Tinha de brilhar em tudo o que fazia, tinha de conseguir as melhores notas, tinha de ser sempre um exemplo.
Claro que ela amava o pai e depois da morte da mãe, quando ela ainda tinha dois anos de idade, a única pessoa com quem podia contar era de facto o pai. A ele, de certa forma lhe deve os primeiros passos, os primeiros sonhos, as primeiras palavras, os primeiros sorrisos rasgados. Não negava que P. sempre tinha estado presente, sempre se mostrara realmente interessado em quem ela era e no que ela queria e sempre lhe dera o apoio que qualquer criança na fronteira da adolescência necessitava. Na verdade, de todos os pais do mundo que lhe poderiam ter calhado, jamais alguém seria assim tão perfeito aos seus olhos como P.
Mas depois havia o outro lado, aquela parte desconhecida do pai. Como se de um outro Ser se tratasse. Como se no fundo, o homem fosse uma balança com dois pratos de atitudes diferentes e teria que gerir o claro e o obscuro com mestria. Às vezes, concluiu ela a entrar para o metropolitano, os dois pratos, as duas metades reagem de forma diferente, criando um desnível que de certa forma permita que o pior de nós se revele.
Agarrada ao varão perto da porta de saída do Metro, A. sentiu um calafrio. Apesar de por muito frontal e respondona que S. era, saber que ela estava sozinha com o pai, na sua própria casa mexera instintivamente com ela. Não era propriamente ciúmes de atenção dada a amiga, mas sim uma preocupação genuína e A.
Isso recordava-lhe um certo dia, há bem pouco tempo atrás. Não sabia ao certo como seriam os outros pais, mas sabia que quando se ia deitar e nos dias em que P. estava de folga, ele se entregava aos seus demónios, na companhia de vários copos de Whiskey, perdido no seu escritório, sentado à frente do monitor LG.
O escritório que ele montara em casa, não era um consultório, nem uma extensão da sua actividade profissional. Era, concluiu ela enquanto subia as escadas da estação de Metro em direcção ao exterior, o seu refúgio, o abrigo do seu lado negro. No fundo, a expiação dos seus pecados mais secretos. Era igualmente a única divisão de casa vedada qualquer pessoa, ela incluída. Algo que de início ela não entendia, bem como não compreendia o porquê não só de ele fechar sempre a porta à chave quando saía, bem como só se fechar lá dentro após ela ir para o quarto. Poderia ele assumir que o seu “turno” de pai tinha terminado ou seria algo mais egoísta, algo de diferente que ele jamais pudesse partilhar.
Ora durante algum tempo aquela divisão exercera nela o secreto fascínio de algo que tinha de ser explorado e um dia a curiosidade foi a sua conselheira. A recordava-se perfeitamente desse momento, numa quente noite de Julho quando após se despedir de P. e supostamente se deitar, aguardou até que ele se fechasse no escritório, para então pé ante pé caminhar até à porta da divisão, ajoelhar-se e esperançada de que o pai cumprisse a rotina e retirasse a chave para o bolso, espreitar pela fechadura de modo a poder descortinar algo de concreto.
Era um tiro no escuro, dado a secretária não estar na direcção da porta, mas era a única coisa que lhe restava naquele momento de modo a saciar a curiosidade e nesta idade a curiosidade era algo que tinha de ser satisfeita, sem qualquer remorso ou receio.
Nesse dia e para surpresa sua, tudo correra de feição, no seu plano de improviso. Por qualquer razão, os astros alinharam-se favoravelmente às suas pretensões e os seus pequenos olhos cinzentos tragaram de uma vez as imagens que lhes chegavam em bruto pelo buraco da fechadura. Sorveu-as como pode, evitando perder qualquer segundo. Concentração, foco e ansiedade no pêndulo dos minutos que permaneciam imutáveis no tempo, congelados na rotação eterna do planeta. De joelhos e só de short e T-Shirt ela assistiu a uma cena que jamais esqueceria. A um espectáculo minimalista e que de certa forma a marcara na sua tenra idade.
O pai encontrava-se em pé, diante da porta, mas virado de lado, agindo como se mais alguém estivesse presente, o que ela sabia ser impossível. O campo da visão de A. do ponto onde se encontrava incidia exactamente sobre as calças de fato treino a baixarem revelando um mastro hirto e a mão dele segurando-o.
Vozes ecoavam na pequena divisão, só podiam provir do computador e partindo desse ponto de partida de raciocínio dedutivo, P. mostrava-se a alguém exibindo o mastro, típico dos jovens que ela por vezes encontrava no Skype. Fosse como fosse, o espectáculo em si era na opinião dela incrível demais para ser perdido.
Ajoelhada com as palmas das mãos coladas à porta, observava pela fechadura a intimidade do pai, quando motivada pela ânsia de não perder pitada, cometeu um erro básico próprio da excitação do momento. O seu pé escorregou levemente, fazendo-a desequilibra-se e embater com a testa na porta, alertando o progenitor que percebeu que não estava sozinho.
Com um arrepio, mas não propriamente de frio, a jovem entrou para o elevador enquanto tinha presente o som do pai a abrir a porta, enquanto ela se retirava para o quarto em passo desgovernado, com o coração aos saltos no seu peito, como se no fundo tivesse esperado que o pai não reagisse.
Mas o pai reagiu e de uma forma que a espantou, avançando pelo pequeno corredor, ajustando as calças, a ferver de raiva e não de vergonha e a entrar de rompante no quarto:
-Levanta-te. – Ordenou ele com voz de trovão
Ela obedeceu não se dando conta que a única pessoa envergonhada naquele quarto era ela e de nada tinha adiantado atirar-se para dentro dos lençóis na expectativa que ele não viesse.
À sua frente P. mantinha-se tenso como se de certa forma esperasse uma agressividade de A. que contudo nunca aconteceria.
O volume nas suas calças de fato treino cinzentas era perfeitamente visível e ela segurando as lágrimas como pôde evitou olhar.
-Era isto que querias ver? Era isto que pretendias? – Gritou P. apontando para o volume nas calças.
-Eu…Eu só queria saber o que estavas a fazer! – Gemeu ela soluçando.
-Quantas vezes te disse que aquele escritório é meu e apenas meu!
-Várias. – Concordou já chorando.
-E no entanto tu não resististe!
Pela primeira vez na vida dela, tremia diante da figura paterna. Jamais imaginara sentir tal medo incendiado pelo tom de voz áspero dele:
-Tira os shorts!
-Não, pai eu…
-Imediatamente.
Mais apressadamente do que podia imaginar, despiu os shorts e ficou em cuecas rosa, com ele por momentos a observá-la mas contudo manteve a posse austera:
-Aproxima-te!
Com uma curta pausa, deitando-a de barriga para baixo no seu colo e após um curto gemido, principiou a esbofetear as nádegas nuas sem qualquer aviso ou entusiasmo. A cadência das palmadas eram certas e sem variação e não aguentando a sublime vergonha A. chorou copiosamente.
Após dez minutos de intensas palmadas, ele levantou-a, retirou-lhe as calcinhas, deitou-a na cama, tapando-a sossegadamente e sem dizer qualquer palavra, apagou a luz e saiu.
Abrindo a porta de casa, A. congratulava-se de certa forma por ter sido a única vez que tinha presenciado na figura do pai, alguém que ela nunca conhecera e esperava ela nem voltaria a ver.
Sorridente A. entrou na sala, onde P. estava sentado e subitamente reconheceu a mesma face dura que vira nesse dia. Esforçou-se por se controlar temendo o regresso do pai mau. Caminhou vagarosamente até à sua presença , como que implorando que um Dejá vu desagradável voltasse e contemplou a chorar abundantemente as calcinhas de S. pousadas no sofá.

-Meu Deus ele voltou!

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