quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A Saga de Arkhan - Pretorius - Capítulo 3 - Parte 1







Era uma vez uma história inacabada,
sem final, nem começo, só capítulos salteados.

Inês Dunas : O Náufrago

http://librisscriptaest.blogspot.pt/2015/06/o-naufrago.html


De Ferreiro a imperador
(parte 1)





Segundo uma cantiga popular, cantada amiúde pelos bardos do clã de Orguen,a vida é um campo de batalha onde o destino traça o seu percurso, carregando nos seus braços a responsabilidade de encontrar as pessoas certas para que ele se cumpra. Viver ou morrer, o único objectivo é agradar ao Deus da guerra que tudo vê, a Roren e ao seu místico machado, cuja lâmina cairá dos céus decepando todos os inimigos não crentes da sua força e pujança e na verdade, pensava o abastado imperador o destino o havia escolhido e guiado rumo à concretização de feitos incríveis. Ele, que dos seus semelhantes era o menos encorpado, o menos preparado, um mero filho de ferreiro, tonou-se em vinte anos senhor de quase toda a Arkhan. Não tinha sido contudo uma ascensão pacífica ou calma, mas tinha sido a mão do Destino a guiá-lo e a abrir caminho para a sua glória.

Pelo menos era era a história que ele contava, mas a verdade porém estava longe de ser tão espectacular.Com efeito, a Este de Arkhan vários clãs lutavam constantemente por qualquer motivo , desde a falta de alimentos até a insultos proferidos contra alguém que outro alguém ouvia e contava e lá estavam todos os clãs em guerra. Tais atritos apenas tinham o condão de criar grandes rivalidades e constantes baixas, tornando-se toda esta zona, uma terra de ninguém, perfeitamente ingovernável e incapaz de se sustentar.

Contudo o grande nevão que surgiu há cerca de trinta anos atrás veio modificar este clima de instabilidade. Durante meses e meses, tornara-se impossível proceder a qualquer trabalho agrícola e mesmo a presença de animais de grande porte, desaparecera pelo que a verdadeira fome veio criar um clima de aparente união entre os grupos sobreviventes. A capacidade de adaptação a tão negro cenário tornou os clãs mais tolerantes e em certas alturas, quando era avistado um animal de grande porte, partiam juntos para a caçada.

Passado o nevão e assim que os caminhos se tornaram de novo transitáveis, alguns clãs optaram por abandonar a vasta planície de Arkhan, ficando apenas dois grandes grupos rivais. Foi então que um novo incidente trouxe de volta as quezílias e as disputas territoriais. Apanhando-se livre do clã vizinho, o chefe de Orguen ordenou que o seu povo ocupasse essas terras, pois no seu entender elas seriam já terras livres. Sabendo do plano o chefe de Utten, temendo que tal crescimento de espaço geográfico fosse favorável a Orguen na primavera, reivindicou para si as terras. Duas reuniões de chefes se realizaram sem qualquer das partes ceder e a batalha foi inevitável. Por Orguen todos os homens válidos alinharam ao lado do seu chefe, ao passo que Utten se apresentou em menor número. A batalha foi sangrenta e longa, como se durante todo o nevão a raiva fosse crescendo e nenhum dos lados fez soar a corneta de retirada. Durante seis horas, no local que hoje é conhecido como Espiratten, a contenda foi subindo de tom e vendo-se a perder a batalha e ao contrário do que era usual, o chefe de Orguen abandonou a retaguarda e avançou para a linha da frente, sendo parado por uma flecha no peito. Bradus, o filho do ferreiro que até aí se tinha tentado manter longe do confronto directo foi o único a se aperceber da queda do líder e sem que alguém reparasse conseguiu arrastá-lo para lugar seguro. Aí, relativamente longe da azáfama da batalha, prestou-lhe atabalhoadamente os primeiros socorros,e alcançando a carroça com os mantimentos da guarnição, depositou o corpo inanimado do líder, não sem antes molhar a lâmina da sua espada no sangue que corria ainda abundante do peito do chefe e conduziu-o à aldeia, sem esperar o final da contenda.
 Bradus tinha a seu favor duas grandes vantagens, seria sempre o primeiro a regressar à aldeia e contaria o que bem queria e era o único testemunha de tudo. O grande dom dele sempre foi a oratória, destacando-se a sua enorme capacidade de falar durante horas sem perder a atenção de quem o escutava, recorrendo muitas vezes a interjeições e mudanças bruscas de voz, como se dentro dele existissem vários seres.
Assim que chegou a Orguen, Bradus saltou da carroça, pegando no corpo do líder, que regressava à consciência e depositou-o cuidadosamente aos pés de Zvar o feiticeiro, forçando a queda de duas lágrimas Bradus iniciou a sua narrativa:
-Olhai a loucura de Utten e de Traius! O nosso líder foi covardemente atacado no fim da batalha.
-Por Roren que loucura! - Bradou enraivecido Zvar de braços bem abertos.
-O nosso líder ia ordenar o toque de vitória, quando três Utterianos surgiram pelas suas costas, do nada....
-Mas a Flecha está no peito...
-Sim, eu avisei o nosso líder a tempo e ripostamos, mas quando ele caiu ferido, eu o protegi e matei os canalhas!
-Roren seja louvado, haveis salvado a vida ao nosso líder!- Exclamou a mulher do líder e lágrimas abundantes no rosto.
- E castiguei os infratores. - Asseverou Bradus levantando a espada, mostrando o sangue a escorrer na lâmina.
-E os outros? - Indagou Zvar apreensivo.
-Não sei. A minha prioridade era salvar o nosso líder. Talvez tenhamos perdido a batalha pela sua ausência.
Deitado no solo, enquanto lhe removiam a flecha, Rurus nada pôde confirmar, devido á sua perda de consciência e aceitou naturalmente como verdadeira a narrativa de Bradus. Num gesto impulsivo e antes que Zvar começasse a cirurgia, agarrou a mão de Bradus e ordenou:
-Tenho uma dívida de sangue para contigo! Se não viver, quero que ocupes o meu lugar e te certifiques...que...esses cães pagarão por esta covardia.
Bradus fingiu-se surpreso, uma vez que em Orguen o líder era sempre escolhido pelo antecessor e prontamente ajoelhou-se, maravilhado pela abundante presença de testemunhas.
-Assim será feito, grande Rurus, meu líder.

1 comentário:

  1. A sorte protege os audazes... Ascende Rurus ante a queda de um verdadeiro líder...
    :P
    Vou já ler mais!!!
    Eh eh eh

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