quarta-feira, 16 de setembro de 2015

A Saga de Arkhan - Pretorius - Capítulo 6




Caminho neste vazio egoísta,
lambendo recordações q nem sabes q existem...
Sem ti, não há conquista,
todas as vitórias sabem a derrota e a revolta...

Inês Dunas: "O Gosto Acre da Conquista"
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Gambinnus

O poder da palavra, acolhida nos braços de quem a entenda, no regaço de quem a defenda e nos olhos de quem a ama é o bálsamo santificado da alma do homem. De qualquer homem, de qualquer raça, de qualquer credo. É um sopro de vida de origem divina, um veículo do pensamento colocada ao serviço de toda a espécie humana. O seu poder é tão forte que mesmo os analfabetos a empregam a seu belo prazer, como uma bandeira hasteada ao vento, como marca da sua humanidade. Sendo um dos maioers tesouros da humanidade a palavra deve ser lavrada a fogo, aprisionada no couro curtido de pele animal, não como castigo, não como ordem judicial, mas como acto de paixão, para que ela se perpetue e se torne intemporal, aquecendo o espírito como uma bela fogueira em noites frias e humidas e saciando a necessidade e a vontade do homem de interagir com o seu semelhante e quem melhor que a Ordem Mosteiral para proceder a esse prazeroso trabalho?
A ordem Mosteiral surgiu timidamente em Arkhan há alguns anos, provindos dos grandes mares do Norte,com o intuito de conhecerem outros povos e outras culturas. Vinham em pequenos barcos e estabeleciam-se em comunidade perto da costa ao longo de Yuffer, na fronteira das terras do Senhor da Guerra e amiúde avançavam para o interior de Arkhan, visitando os reinos e pedindo acolhimento, a troco de recolherem e compilarem os usos e costumes desse reino, para segundo afirmavam deixarem compilada a verdadeira narrativa,a palavra escrita pois a tradição oral é infecunda uma vez que  é enformada na imaginação de quem a fala, sendo assim exagerada e perdendo-se o verdadeiro alcance da interpretação so seu sentido. Quem ouve nunca saberá mais do que quem lê.
Eram essencialmente homens simples, sem armas, defensores da paz e da harmonia e bastante cultos pelo que era usual os réis os admitirem no seio do reino e colocarem à sua disposição todas os documentos escritos caso existissem.
Viviam com muito pouco, não emitiam juízos de valores sobre a acção dos réis e raramente tinham contacto com o povo, escolhendo em norma o pior quarto do castelo, onde permaneciam durante horas e horas sentados, agarrados às penas de ganso, em volta de pergaminhos que após estarem repletos de linhas e linhas, eram secos perto da fogueira e os cosiam pacientemente. Apesar de escreverem numa língua incompreensível para as gentes de Arkhan, conseguiam falar fluentemente os dois dialectos mais importantes de toda a Arkhan, embora por vezes tivessem de esclarecer dúvidas com letrados do reino, preocupados com formas gramaticais para que o sentido e estilo fosse desvirtuado.
Por serem diferentes ou simplesmente por não serem dados aos costumes de cada reino onde eram recebidos, os Mosteirais eram vistos pelos nobres e funcionários do castelo como seres bizarros, com indumentária pouco digna que consistia apenas num manto com capuz, e apesar de amantes de vinho e pão, rejeitavam qualquer debate político, filosófico ou religioso com receio, segundo eles, não de ofender os soberanos que os acolhiam, mas o senhor único, que tudo vê e que tudo sabe. E era neste preciso ponto que  provocavam facilmente o escárnio das nobres gentes do reino por admitirem a pés juntos só servirem um Deus e apenas uma divindacde, criador segundo eles não só de toda a Arkhan, como de todos os mundos, de todas as aves, do céu, da terra e mesmo de todos os homens. 
Em Orgutt o escárnio perante o Mosteiral acolhido pela rainha Maleena só não era idêntico ao sofrido nos outros locais, devido à raiva que crescia em lume brando entre o povo Orguttiano para com as intermináveis missões e conquistas.
Gambinnus, o Mosteiral de nariz torto e aquilino, boca pequena e pescoço comprido via-se assim pela primeira vez votado ao esquecimento, com total liberdade para circular pelo castelo e enfim poder fingir trabalhar à vontade nas grandes façanhas contadas por Maleena. Outro Mosteiral sentir-se-ia grato pela quantidade de informação, ansioso por saber todos os detalhes do nascimento do império e orgulhoso pela imperatriz fazer questão de se sentar todos os dias contando-lhes os pormenores e os segredos dos planos de cada conquista vitoriosa e do papel do grande imperador Bradus no alargamento do império. Mas ele não estava minimamente interessado na história ou sequer no trabalho e isto porque na verdade ele não era um Mosteiral.
Nascera em Tukforr, nas imensas florestas para lá do mar , com uma deficiência na perna direita, perto do joelho e com falta de peso. Por ser o quinto filho do casal, os pais sem rendimentos para o poderem manter e acreditando que a criança não viveria por muito tempo, venderam-no por oitenta soldos a Muthik, mercador nómada sem escrúpulos que por sua vez assim que a criança atingiu oito anos o vendeu a Prattir, o pirata por duzentos soberanos de cobre e uma cabra.
Com Muthik aprendera a arte da mentira, da intriga, da persuasão. Vendia qualquer artigo do seu mestre sempre pelo melhor preço e vendia extremamente rápido, não com o intuito de agradar ao mestre, mas para poder ter o resto do dia livre e poder vaguear à vontade sem medo do chicote. Com Prattir aprendera o uso da maldade na sua pior forma e sempre que estava em alto mar praticava a escrita, copiando os caracteres e os desenhos que via nos mapas estendidos sobre a mesa. 
Um naufrágio, após uma abordagem menos conseguida a uma embarcação do Senhor da Guerra, levou-o até à praia perto de Yuffer, onde fora recolhido por um Mosteiral e levado para o Mosteiro, sede da ordem religiosa, onde ficou anos como convidado. Com eles aprendeu a caligrafia cuidada, a leitura e todas as línguas estrangeiras, para além de um vasto conhecimento sobre plantas e venenos, sobretudo o veneno de Lizz que utilizou no seu mestre, após ter sido descoberto a vender os mantimentos para o inverno. Castigado numa cela fria, só a pão e água durante três semanas, fingiu arrependimento, jurou uma vez mais renegar aos bens materiais e compreendeu então que o Mosteiro era pequeno demais para si. 
Sentia dentro do seu coração que Arkhan teria um lugar de destaque reservado para ele, que lhe estava guardado o acesso a todas as formas de riqueza e que com perseverança e crença em si mesmo derrubaria todas as barreiras e mataria a fome de bens terrenos que a Ordem o havia privado. Pela primeira vez em muitos anos, sentia-se  livre e tentado a seguir o seu próprio caminho, a ser ele mesmo e a agir apenas por si.
Contudo, não obstante a garra e a vontade a que se submeteu, Gambinnus como agora se auto-intitulava vagueou, passou fome, passou sede, dormiu várias vezes ao relento, à chuva, nas árvores, em grutas e habitualmente  era escorraçado das localidades, outras nada tinham para ele e em Samerti, cidade fortificada e de cariz fortemente religioso  tinha sido espancado ao ousar proferir que os Deuses eram uma desculpa criada pelos covardes para desculpar as suas falhas. 
Mas todas as suas falhas, todos os seus erros e todas as humilhações por que passou , tiveram o condão de limar as suas fraquezas e aperfeiçoar o seu papel de falso Mosteiral. Até começar a ouvir as lendas de Braddus e as suas incríveis conquistas. De inicio as histórias chegavam a conta-gotas, como lágrimas de orvalho nas manhãs de primavera, mas ouvindo as pessoas certas ele foi absorvendo todas as lendas e a mentalmente registar as características dos intervenientes dessas histórias. Conhecia Braddus, Maleena e o príncipe sem alguma vez os ter visto e no seu espírito megalómano e retorcido, Gambinnus encarou todas essas informações como a preparação para algo grande e após as monções de Outono, fez-se à estrada e contrariamente às outras vezes, já tinha um plano de acção traçado e um alvo bem identificado, a bela Maleena não recusaria a oportunidade de imortalizar a façanha de Bradus.
Assim que alcançou as colinas do extinto condado de Utter, abrandou renitente diante da majestosa vista das enormes muralhas e da imponência da silhueta do castelo, recortado nas nuvens baixas que se faziam sentir. Por uns segundos o falso Mosteiral ficou tentado a voltar costas e abandonar de vez o papel de Mosteiral, mas algo lhe dizia que seria ali que ele conseguiria os seus intentos.
Em Orgutt, em plena sala real, rodeado pelo luxo da corte, pela presença de uma imperatriz ornamentada com jóias raras, tendo ouvido nos passos do império o descrédito do povo, Gambinnus sentiu-se como um rato numa sala de queijo. 
O imperador tinha uma história para contar, a imperatriz carecia de companhia e procurava um confidente, o príncipe não passava de um jovem mimado perfeitamente influenciável e o conselheiro do rei não estava minimamente interessado no que ele podia ou não escrever.
No fundo com astúcia, com ponderação e muita intriga este também seria o seu império e a imperatriz seria o seu salvo-conduto para a felicidade!

1 comentário:

  1. Primeiro deixa-me fazer uma ressalva a esta lindissima entrada: "O poder da palavra, acolhida nos braços de quem a entenda, no regaço de quem a defenda e nos olhos de quem a ama é o bálsamo santificado da alma do homem. De qualquer homem, de qualquer raça, de qualquer credo. É um sopro de vida de origem divina, um veículo do pensamento colocada ao serviço de toda a espécie humana." :))))))))))))
    E segundo:
    QUE SAUDADES DO SACANA DO GAMBINUS!!!
    :))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))
    Isto agora vai aquecer!!!
    Beijinhos em ti e até no "caberãozão" do Gabinus (lllooll)

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