domingo, 4 de outubro de 2015

A Saga de Arkhan - Pretorius - Capítulo 12



Esfrego as minhas cinzas, tento reinventar-me...
Encontrar-me numa esquina e falar do tempo...
Refazer mentalmente o caminho que me trouxe
a tantos labirintos...

Inês Dunas: Filos Sophia
http://librisscriptaest.blogspot.pt/2011/01/filos-sophia.html



ONCE UPON A TIME...

Enquanto presenciava o início voo da ave doméstica,o sujeito de nariz aquilino e perfil astuto estava feliz consigo mesmo.Conseguira enviar a mensagem pretendida , a segunda mensagem desde que chegara a Orgutt, embora um bocado gatafunhada para Samerti, onde com sorte e caso ainda lá estivesse Pedro, o seu discípulo ou o faz-tudo como ele lhe chamava, reencaminharia a mensagem para Ischtfall avisando-os das pretensões de Braddus. Contudo, por se tratar de um pombo que nunca voara para outro local, a paragem forçada era absolutamente necessária. Cabia portanto ao sujeito gerir as emoções e colocar em expoente as confusões, de modo a inviabilizar qualquer ataque a Ischtfall. Caso o conseguisse e se a presença dele no império não fosse bem sucedida, poder-se-ia apresentar no reino como o homem que avisou ou até mesmo evitou o ataque. Por outro lado, se Braddus avançasse sobre Ischtfall, ele aguardaria o que o futuro ditaria pois seria sempre apenas e tão só um homem das letras, um copista sem intervenção directa nas coisas do império.
Gambinnus avançara em passo metódico pelo corredor largo do castelo, cruzando-se com a figura sempre taciturna de Zvar, o conselheiro do imperador. Ultimamente e em face aos desenvolvimentos repentinos e aos conselhos dados pelo Mosteiral ao jovem príncipe a relação entre ele e Zvar azedara definitivamente pelo que os dois homens fizeram um ligeiro esforço para não trocarem olhares.
Nada que irritasse ou deixasse apreensivo o Mosteiral, pois no perigoso jogo que ele agora iniciava, o conselheiro do imperador não teria qualquer lugar ou atenção. Tombaria, se o plano desse certo, a qualquer momento sem que Gambinnus tivesse que usar as suas parcas forças ou o seu dispendioso tempo.
Pela primeira vez em muitos anos Gambinnus sentia-se agora mais seguro, mais jogador e melhor analisador de pessoas e embora não as pudesse controlar na plenitude, pelo menos poderia jogar com as suas emoções, ou com temas tão estúpidos e no entanto caros a todos os humanos como a honra, a honestidade e carácter....Para ele esses termos eram apenas e tão só ferramentas que lhe seriam disponibilizadas pelos bons deuses das discórdias, para que ele atingisse o fim supremo.
O Mosteiral, não pretendia um governo de Arkhan ou do Mundo, não pretendia um lugar de mísero conselheiro nem tão pouco um lugar ao pé da irritante imperatriz. O que Gambinnus procurava era um lugar sem preocupações, com dinheiro e luxos e preferencialmente dois ou três rapazes novos para o aquecerem de noite, nas noites de insónia. A grande questão em todo o seu desejo, era mesmo o de ter tanto poder como o imperador, mas sem o ser de facto. E a conseguir tal facto teria de ser rápido, pois temia sempre a qualquer momento que um estrangeiro de Samerti ou Bohren o reconhecesse e lhe estragasse a reputação.
Com relativa paciência estacou diante dos dois soldados que montavam guarda à  porta do quarto do jovem príncipe e polidamente indagou:
-Permissão para entrar, nobres jovens!
-Permissão negada! . Respondeu rapidamente o guarda de bigode.
-Negada porquê?
-O Imperador proibiu a entrada de visitas.
-Desde quando? - Indagou ele em tom ir´ónico.
-Vós estáveis presente.
Gambinus cruzou a mão atrás das costas e sem perder o olhar paciente, ripostou:
-Efectivamente estava presente! Pelo que posso avançar que o imperador apenas disse; E friso bem , apenas disse que ele não poderia sair.
Os dois homens entreolharam-se inseguros:
-Caso contrário, como ireis fazer na hora do jantar? Deixareis o príncipe sem comer?
-Bem, o imperador...
-Jovens, compreendo muito bem o vosso trabalho e estou certo que como bons soldados que sois pretendeis agir de acordo com as ordens dadas...creio é que não entenderam essa mesma ordem.
-Peço desculpa, Mosteiral mas aqui ninguém entra! - Bradou o soldado alto e de bigode, já a ficar confuso.
-Ninguém?
-Ninguém.
-Nem mesmo o imperador? - A táctica da retórica era velha mas estava a surtir efeito.
-Bem, claro que sim.
-Então, o que me dizeis é que só pode entrar quem não apresente risco para o castelo? -Retorquiu o mosteiral deturpando a realidade do que os guardas afirmaram.
-Exctamente.
-Óptimo, podeis então deixar-me entrar. Como sabeis, nós os Mosteirais somos impedidos por Deus de acção de violência.
Empurrando ligeiramente o guarda mais baixo, Gambinnus abriu a porta e entrou sorridente para o quarto, dentro do qual Pretorius permanecia deitado na cama de pernas cruzadas e olhar pensativo.
-Boa tarde jovem príncipe, peço desde já desculpa por o incomodar.
-Não peça. Como pode constatar não tenho muito do que fazer por aqui.
-Muito bem, mas antes de tudo quero que saiba que...
-Vem a mando do meu pai! - Avançou ironicamente o jovem.
-Não. lamento mas não! Estou aqui para tratar de um assunto unicamente do meu interesse.
-Ah sim? E em que o posso ajudar?
-Como sabeis, uma das minhas funções em Arkhan, senão a mais importante é levar a todos os cantos a palavra e a figura do meu Deus, o senhor de todas as coisas vivas e não-vivas à face do planeta.
O Jovem riu de pronto, batendo ligeiramente a mão na cama:
-Não acredito que neste momento, em que tenho a cabeça a ferver e a cara marcada da covardia e da insanidade do meu pai, me venha falar de um Deus e de religião..
-Precisamente. Esta é a altura. Sois um jovem culto, moderno e bem formado e creio que me poderei ajudar.
Vendo alguma hesitação na face de Pretorius, Gambinnus continuou:
-Como lhe disse já estive em muitos sítios, já frequentei muitos reinos e já li e copiei muitas histórias e sabeis qual a beleza da história, enquanto objecto de estudo?
-Não. - Respondeu secamente o jovem sem saber aonde aquela conversa ia dar.
-A beleza da História, seja de Arkhan ou dos reinos do Norte é que cíclicamente ela se repete embora não exactamente nos mesmos termos.
-Confesso que não percebo onde quereis chegar. - Informou o príncipe.
-Meu caro príncipe, há cerca de quatro séculos atrás, numa terra para lá do Mar Revolto, onde a terra queima os pés pelo calor do sol  e onde nunca neva, existiu em tempos um grande império.
-Como Arkhan?
-Maior. Muito maior, mas em tudo parecido a Orgutt. As tribos indígenas organizaram-se sobre o comando de um chefe e foram crescendo, até se tornarem num império rico e poderoso.
-Nunca ouvi falar desse império?
-Claro que não. Como falei, foi há muitos séculos atrás...Hoje já não existe.
-Que lhe aconteceu? - perguntou Pretorius já a ferver de curiosidade.
-O rei que se passou a intitular Imperador Supremo, principiou a abolir o conselho dos anciãos, vulgo conselho político, constituido por um membro das colónias...
-Como o meu pai o fez durante o ano passado!
-Perfeitamente jovem Pretorius! - Congratulou Gambinnus feliz por ter lido de relance esse decreto no dia anterior.
-E então o imperador foi ficando louco, matando um a um o seu séquito, depois a família. Com, medo de ser envenenado despediu todo o pessoal do castelo e por fim, temendo ser apunhalado de noite matou a família.
-Que loucura!
-Acabou morto, numa queda pela escadaria numa noite de muito vento, de tão fraco e mal alimentado que estava.
-E quem sucedeu? - Indagou o jovem já absorto na história.
-Ninguém! O povo que passara fome, pilhou o castelo, surgiram revoltas populares, surgiu o caos e assim o império morreu.
Pretorius ergueu-se da cama, caminhando até à ponta oposta do quarto , meditando uns minutos no que acabara de ouvir e então, indagou em tom de voz apreensivo:
-Hoje haveis dito algo sobre lobo e covil...
-Efectivamente senhor e como esperava o lobo estava mais bem preparado...
-Como poderia eu ter sabido? - Indagou ele passando com vergonha a mão pela face marcada dos dedos de Braddus.
-Tal como o filho do imperador cuja história vos contei, também vós não escutais o vosso coração. Se podeis fazer qualquer coisa pelo império e pelo vosso povo, fazei agora.
Os dois homens contemplaram-se longamente, quando berros vindos do outro lado do castelo, os acordou para uma nova realidade:
-Guardas!Guardas!.... - A voz era de Braddus e imediatamente, esuqecendo a proibição Pretorius avançou para a sala do rei, secundado pelo Mosteiral. 
Em Orgutt a grande roda cíclica da fortuna ou falta dela, principiava a girar, os dados esses estavam lançados.





1 comentário:

  1. Uiiii!!! O enredo condimenta-se dum lado Gambinnus ( o meu sacana), a serpente que namora a presa, de outro o ego de Braudus a sentir-se ameaçado pela cria e no meio O idealismo de Pretorius! Perfeito!!

    Inês Dunas

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