quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A Saga de Arkhan - Pretorius - Capítulo 16


As pessoas são lendas vivas por escrever,
prosas poéticas em dias de sopro…
Traços que começam num abraço à meia-luz entre contornos
de corpos que se encontram e penetram…
E os sonhos os adornos que o firmamento oferece

Inês Dunas : 4#
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AH CANALHA!!


As nuvens formavam um manto cinzento sob a sua cabeça, como se de certa forma também os deuses estivessem a ameaçá-lo e dorido do galope rápido a que forçara o seu corcel, optou por apear-se ainda que por momentos, de forma a igualmente colocar as ideias em ordem na sua cabeça. Repentinamente a sua vida dera uma volta completa e a realidade da sua vivência como conhecera até esse momento em Orgutt estava em risco. Na verdade, pensou ele amarrando as rédeas do cavalo ao tronco de árvore, não era só a sua vida que estava a mudar. O próprio império estava em convulsão, num choque de gerações e assalto ao trono, encabeçado pelo príncipe despeitado e arrastando-o a ele, que não sendo propriamente inocente pela queda de valores dentro do castelo, também não tinha interesse em fomentar guerrilhas.
Contudo ao jovem oficial tinha-lhe sido incubida uma tarefa assaz ingrata. Embora essa tarefa não tivesse propriamente o cunho de oficial, dado que lhe fora transmitida pelo príncipe Pretorius sem o conhecimento de Braddus, tal não significava que não fosse importante para o império e neste momento na opinião do jovem general não só era importante como era vital ao bem estar no seio do império, mais concretamente no castelo.
O príncipe havia-lhe pedido cerca de uma hora antes que reunisse e ressuscitasse o Conselho do Império e que fosse discreto nessa mesma tarefa, pois seria a cartada decisiva, na opinião do jovem herdeiro ao trono, de travar as loucuras que Braddus planeava fazer em nome do império.

Por si só a ideia já o assustava, mas a menção por parte de Pretorius aos homens que o acompanhariam em caso de golpe palaciano, deixou-o deveras nervoso. É pois natural que que mentira ao seu superior quando lhe assegurou que os homens estavam com ele e que Vill também seria aliado, quando no fundo , tudo o que Brunnus aspirava de momento era à hipotética tentativa de salvar a sua cabeça.
Raspando o calcanhar no chão, Brunnus concluiu amargamente  que devia ter fugido quando Maleena o sugeriu. Nem devia ter pensado duas vezes. Afinal ele parecia ser o único a reger-se por dogmas morais no império. Que se danasse a honra e outros caprichos tidos como importantes para o bom nome no império. Oh, pensou ele admirando a crina do seu cavalo, se ao menos Maleena tivesse aceite fugir com ele, a esta hora já estariam longe.
Mas , pensou o jovem general abanando a cabeça, tudo agora se complicara. A única chance de ele contactar o extinto Conselho sem o selo imperial para o provar que as ordens vinham de cima, era o de recrutar para as fileiras do príncipe o general Vill e o seu sexto de cavalaria, a fina flor do exército do império e assim demonstrar que o grosso do exército estava com o príncipe, mas Brunnus não acreditava que Vill pudesse do alto dos seus interesses aceitasse enfrentar o imperador. Fosse como fosse, de nada adiantaria se apresentar ao concelho sem a presença de Vill e afinal mesmo as mais previsíveis pessoas eram capaz de surpreender em determinados momentos.
Ganhando coragem e reforçando as ideias chave de toda a sua futura acção Brunnus abandonou o pequeno prado verde e retomou a galope com uma estranha sensação de ardor no peito. 
Foi , por isso, um nervoso Brunnus aquele que entrou de rompante no solar de Vill, mal dando tempo ás sentinelas de abrir o portão para o deixarem entra no majestoso edifício. 
Na ideia do jovem oficial, o seu colega tinha-se dado bem desde que entrara no exército e construíra gradualmente o seu pequeno palácio. Uma habitação em granito de dois pisos, de onde sobressaía um enorme e agradável alpendre, que de acordo com o que lhe contava, o general e o seu "amigo" guarda armas Geroldun passavam parte da noite, no verão apreciando o luar e o cantar dos grilos. Atrás da habitação um imenso pomar estendia-se qual lençol colorido dando cor à paisagem e inebriando os sentidos com o cheiro de fruta madura.
Como ele confidenciava a Brunnus aquele era o seu pequeno império, onde comandava os seus cerca de quinze criados e onde verdadeiramente se sentia rei e senhor. Acontece porém, que apesar de tal propriedade se situar no sítio nobre de Orgutt, a felicidade e a demonstração de riqueza não caía bem aos seus vizinhos e aos Orguttianos que passavam com fome. Afinal Vill era Utteriano e parecia ser o único, para além da corte do imperador a lucrar com a vida no exército.
Juntando a isso, o facto do povo, sobretudo os vizinhos mais chegados desconfiarem de uma relação Homossexual, tornavam-no o alvo fácil da inveja, da má-língua e mesmo da raiva. Pelo que Vill se vira na obrigação de contratar homens para garantir a segurança do seu espaço, especialmente quando ele estivesse em missão ao serviço do imperador.
Mas Brunnus trazia urgência na sua visita e grande preocupação com o que o príncipe lhe pedia. Não confiava em Vill e também ele era um dos acérrimos críticos à ostensão de riqueza que o Utteriano demonstrava, mas precisaria dele, ou melhor o império precisaria dos seus homens ao lado de Pretorius e o jovem general sentia que não era bem isso que Vill pretendia. Depois de se saborear o néctar do poder e do dinheiro é extremamente difícil pensar com o coração, mas a Brunnus nada mais restava que tentar cumprir o que lhe fora pedido, embora de certa forma achasse que era causa perdida.
Como habitualmente Vill não o recebeu à entrada, sendo ele acompanhado por um guarda e dois lacaios e desconfortavelmente conduzido até ao salão principal, onde uma àguia real capturada há dois anos e mantida em cativeiro numa grande gaiola o olhava com desconfiança.
Conhecendo o carácter metódico demasiado formal com que Vill abordava os assuntos, o jovem general ensaiou à pressa, mentalmente uma espécie de linha de tópicos mentais para não se perder na exposição dos factos, esforçando-se por ignorar o bater de assas nervoso da águia. Como calculava Vill entrou solenemente, fardado a rigor e em passo de marcha, numa cadência austera e militar:
-General Brunnus, a que devo a honra da sua visita? - Inquiriu ele sem sombra de espanto na voz.
-General Vill, perdoe ter vindo sem avisar! Mas o castelo está a atravessar um momento complicado. - Iniciou ele a apalpar terreno mentalmente.
-Ouvi dizer. Fiquei sobressaltado com a morte de Zvar. - Adiantou sem qualquer ponta de emoção.
-Sim, foi uma surpresa...
-De facto.
-Assassinado pelo imperador. - Acrescentou o jovem.
Vill sorriu ao de leve, mostrando sinal de discordância, para num tom de voz sem qualquer vibração, arriscar:
-Dizeis vós!
-Como? - Inquiriu estupefacto com o aparte.
-Contaram-me que foi em legítima defesa....
Brunnus deteve-se uns segundos a examinar a expressão facial  séria e arrogante de Vill:
-Sim, claro. Não estou a pretender deturpar nada, até porque não vi. Mas, como ia dizendo a morte do conselheiro, foi apenas mais um acontecimento ocorrido. Não é contudo a razão da minha vinda aqui. - Brunnus procurava ganhar balanço na contenda.
-E qual seria o motivo da sua visita? - indagou Vill numa falsa curiosidade.
-O príncipe Pretorius solicitou-me que contactasse o Conselho do Império. - Atirou ele de rompante.
-O Conselho? - Pela primeira vez durante a conversa , Vill mostrava alguma surpresa.
-Efectivamente. Creio que o jovem está a tentar travar o ataque a Ischtfall.
Vill encostrou-se pesadamente na cadeira, sem retirar o olhar inquisidor do jovem general:
-Não deixa de ser curioso contudo, o facto de no final da guerra de Arkhan, surgirem golpes palacianos.
-Não estou a ver aonde pretende chegar, nobre Vill. - A irritação começava a tomar conta de Brunnus e ao contrário do que afirmara, já sabia muito bem onde o anfitrião queria chegar.
-Não tem problema, - retorquiu prontamente o Utteriano - Eu explico. Referia-me à coincidência de tudo isto suceder no momento em que se prepara uma última investida. O final da guerra e consequentemente o início da paz no império, não concordais? - Brunnus percebeu que a posse da águia devia ser cópia do seu mestre, dado que os dois o olhavam da mesma maneira. Como se fosse um rato prestes a ser devorado.
-Efectivamente isso é verdade. - Anuiu ele.
-De certa forma eu entendo, jovem Bruunus. Todos sabemos da sua paixão pela guerra, pelo sangue. Todos sabemos, apesar de se esforçar por o esconder de como o vosso ego necessita dessas pequenas vitórias. Mas agora tudo se principia para o fim, teme ficar esquecido na prateleira e ser apenas recordado por glórias passadas. Não pretendeis Ischtfall, mas sim conquistar o Norte, as terras proibidas. Dizei-me ser mentira a vossa ânsia de defrontar o Senhor da Guerra? 
-Estais equivocado nobre Vill. Não nego ter vivido boas experiências em combate, bem como não nego o prazer de ter servido o império e de ter sido vitorioso. Só não entendo o que isso tem a ver com Zvar?
-E no entanto, passais horas no castelo, na companhia do jovem príncipe.
-Assim é. O próprio imperador requisitou os meus serviços para o ensinar.
-O imperador ou a imperatriz? 
Vill começava a revelar-se na sua malícia e feliz por ter deixado a sua visita sem resposta, como se congratulando por ter atingido uma ferida escondida, bateu as palmas chamando a criada:
-Deseja Chá, jovem Brunnus?
-Não obrigado.- Ripostou o jovem segurando a raiva que lhe subia na garganta.
-Como dizia, - Continuou ele descrevendo círculos imaginários com as mãos- De repente o nosso imperador acha que Brunnus parado no império pode ser um problema e que faz ele? Retira-lhe o prazer de uma última batalha, mantendo-o na penumbra e no fim, entrega-lhe Ischtfall para comando.
-Continuo sem perceber...
-Então o general guerreiro, apanha os planos sob a mesa, deixando algumas folhas para trás,dobra drasticamente os planos metendo-os no saco e sai a galope furiosamente...
Brunnus que até então se mantinha sentado, num modo muito hirto, levantou-se e num tom de voz irritado, esclareceu:
-Creio que há uma diferença enorme entre nós, general Vill. Eu servi e servirei o império sempre com a mesma dedicação e honra. Sirvo Orgutt, não sirvo necessariamente o imperador. As pessoas são apenas projecções deficientes dos deuses, a causa maior de Orgutt é superior a Braddus a si e mesmo a mim. Mas vós, vós não servis o império, vós servis o dinheiro e o poder. Falais desse modo, pois sabeis que dificilmente Pretorius poderá aspirar a algo e recolhes a mão a quem tenta colocar um travão a esta loucura.
-Então o imperador é louco?
-Acaso não matou o seu conselheiro com a desculpa de traição? Vós haveis conhecido Zvar como eu o conheci e jamais ele trairia Orgutt.
-Mas poderia trair o imperador?
Brunnus meditou uns segundo e dava-se conta que o facto de ser jovem o levava a dizer coisas que não pretendia. Embora as pensasse, não as poderia dizer:
-Se o quisesse fazer, já o teria feito. Como dizeis, a guerra está no fim!
-Batia palmas ao vosso discurso, não fosse ele totalmente falso - O negro Geroldun, interrompeu a reunião dos dois homens surgindo com um ar ameaçador no salão.
-Com que autoridade me contradizeis? -Indagou Brunnus já alterado.
-Vós tereis que admitir que haveis ficado com inveja da retumbante vitória de Vill em Bohren.
O general Brunnus riu bem alto, para em tom divertido, contradizer:
-Pelos deuses, bombardear com oito catapultas setenta homens enclausurados numa cidade forte desfeita e ainda admitir baixas não me parece uma vitória digna de celebrar.
Vill tomado pela fúria, atirou a chávena de chá para a mesa e decidiu que o que era demais era moléstia:
-General Brunnus, a sua visita terminou. Lamento que queira transformar um império em retalhos com golpes palacianos infantis. Dizei ao jovem príncipe que quando lhe crescer pelo no peito, pense em governar. Até lá que brinque consigo ás espadas....
Geroldun apressou-se a encaminhar o visitante até à porta, quando Brunnus respondeu:
-Havemos de dar um jeito a este império e irei assistir às vossas explicações sobre esta recusa aos pés de Pretorius, Covarde!
Num momento de cólera, numa reacção a quente e sem pensar, Vill soltou o punhal da bainha, espetando-o prontamente nas costas, nas costas , repetindo a operação mais duas vezes. Colhido de surpresa Brunnus deu dois passos e surpreendentemente teve ainda forças para num movimento preciso desembainhar a espada rodando a lâmina na direcção de Vill. Geroldum, só teve tempo de se colocar à frente do seu mentor e amante até a sua cabeça tombar no soalho ao lado do seu corpo ensanguentado. Brunnus piscou duas vezes os olhos, largou a espada e caiu pesadamente sobre os joelhos e posteriormente tombou para o lado.
Vill deixou cair o punhal e caiu de joelhos, num choro genuíno. Matara um herói, mas perdera a sua razão de vida.


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