domingo, 11 de outubro de 2015

A Saga de Arkhan - Pretorius - Capítulo 15


O céu passa a chamar-se firmamento
e aprendemos que as ilusões, são um conceito...
Tudo pode ser medido com fitas métricas,
tudo pode ser pesado em balanças,
tudo pode ser catalogado...
Tudo tem de ter um nome e uma cor,
um presente e um passado...

Inês Dunas :"porque o amor não basta"
http://librisscriptaest.blogspot.pt/2009/12/porque-o-amor-nao-basta.html




A raposa dança no covil do louco Lobo



A ironia da vida, tal como se apresenta aos olhos de quem quer o Mundo é surpreendente e por vezes cómica.Ele, senhor de quase toda a Arkhan, possuidor do exército melhor equipado, melhor preparado, bastante superior na teoria ao exército dominador do Senhor da Guerra, seu aliado e rei das terras do Norte, construiu um império onde antes apenas existiam clãs. Deu-lhes uma língua em comum, um novo acreditar, uma nova forma de vida. Ele , que do pouco fez muito, sujeitando-se a caminhadas errantes pelos reinos, conquistando-os, domando-os, queimando-os. Ele que espalhou o terror entre os que não aceitavam a sua aliança e que dizimou localidades inteiras, era agora atraiçoado, no seio do seu próprio império e pela sua família. O seu descendente, futuro herdeiro ao tono de imperador, colocava em causa os seus métodos e as suas conquistas e aquilo que lhe demorou vinte penosos anos a construir e a engrandecer, tornava-se em apenas três dias um fado difícil de suportar.
Braddus sempre acreditara que o inimigo estaria algures no exterior,talvez escondido nas novas fronteiras de Orgutt, pronto a invadir ao mínimo sinal de fraqueza. Por isso, sempre fora forte, sempre tivera o pulso de ferro que o seu cargo exigia e muitas vezes extrapolava os limites do razoável, só para deixar uma mensagem. Tinha sido assim em Bratter,Invank, Outpoort e Samerti. Massacre total, casas incendiadas, rei inimigo e generais decapitados. A par das magníficas lendas de vitórias impossíveis, surgiam as tenebrosas revelações de Braddus o imperador sanguinário e surgiam igualmente testemunhos sórdidos comentados em sussurro nas tabernas das localidades ainda não conquistadas. De certa forma em Arkhan, os diferentes reinos e povos foram perdendo o medo natural pelo Senhor da Guerra, do Reino gelado do Norte, mas foram igualmente temendo cada vez mais o símbolo do leão vermelho sobre o fundo negro. O exército imperial de Orgutt era a última coisa que os vigias das cidades fortificadas queriam ver surgir no horizonte.
Os seus olhos sedentos de raiva e mais sangue fixavam as hábeis mãos das serventes a acenderem a lareira central, com toros robustos e já secos de madeira das Florestas Negras, cortadas o ano passado.
O imper.ador encostou o braço à quina da lareira enquanto observava os seus dois guardas imperiais a escoltarem Gambinnus até à sua presença. Com um aceno rápido com a mão direita, o imperador ordenou que saíssem e sem rodeios foi directo ao assunto:
-Constou-me que haveis desobedecido às minhas ordens!
-De que forma, meu senhor? - Indagou calmamente o Mosteiral.
-Haveis visitado o príncipe, quando eu dera ordens para que tal não sucedesse.
Gambinnus apressou-se a concordar com um aceno de cabeça, e muito calmamente esclareceu:
-Os dois sabemos que tal não é verdade. Nunca proibiu o príncipe de receber visitas, mas sim de ele sair. 
-Mas...
-E não fui o único a visitá-lo. - Acrescentou sarcasticamente.
-Não? - Com Gambinnus acontecia sempre isso. O imperador ficava confuso.
-Ele recebeu também o vosso general Brunnus, creio que a mando da nossa imperatriz. - Sem hesitação o Mosteiral espetava a lança toda na ferida aberta do "lobo".
Braddus praguejou baixinho de forma quase inaudível e iniciou uma mini tourné pelo centro da sala, meditando.
-Mas foi bom ter-me chamado pois tenho uma revelação a lhe fazer.
-Como assim? - O imperador estudava o ar calmo mas simultaneamente focado do Mosteiral.
Sem demoras, Gambinnus estendeu-lhe uma folha de papiro encardida, quase ilegível.
-O que é isto?
-Pelo que me é dado a perceber...Não que eu tenha o hábito de bisbilhotar literatura alheia, parece-me um aviso a Ischtfall sobre um eminente ataque vosso.
-O Quê? Um aviso...De quem?
-Da parte de Zvar, meu imperador. Encontrei há cerca de duas horas por acidente nos seus aposentos.
-Mas hoje parece que toda a gente anda a passear nos aposentos....
-Como?
-Não interessa. Mas não se lê quase nada....
-Efectivamente. Tudo leva a crer que por engano, esse papiro tenha estado nas costas do papiro usado por Zvar.- Gambinnus assumia um ar intelectual- Carregou demais na pena, ou usou tinta de má qualidade....A questão da tinta é sobejamente importante porque...
-Quero lá saber da tinta! - Explodiu Braddus- Quero é saber o que diz este mísero papiro.
-Isso que eu disse. fala da hipótese de um mero ataque...
-Guardas!!!! - O tom de fúria voltou-se a ouvir nos corredores do castelo.
Os dois homens precipitaram-se para o interior da divisão:
-Majestade?
-Perguntem à torre se avistaram a partida de qualquer ave nestas horas...
-Torre? - perguntou Gambinnus surpreso.
O imperador ignorou a pergunta e tentava digerir mentalmente mais esta afronta no seio do seu próprio império.
Ironia das ironias, ou acção de bruxaria a verdade é que Orgutt acaba ferido de morte e tudo porque no castelo Braddus não tinha mão pesada. Não soubera impor a sua vontade, a sua força e agora teria de remediar esse seu erro, minimizando os cacos da traição de Meleena e colocar a voz de galo, no pio de pintainho de Julius.
De repente tudo se tornara cansativo e o império, até aí o seu motivo de orgulho tornava-se um fardo obsoleto sem grandes garantias que sobrevivesse na história.
Na cabeça dele passavam várias imagens, linhas de cartas de amor  escritas e lidas às escondidas dele, de conversas obscuras nos corredores, de frases perdidas, do rosto de Zvar, perplexo com o modo covarde com que lhe tirava a vida.
-Afirmativo senhor. Foi avistada uma ave mensageira a partir desta ala do castelo senhor.
-Capturada?
-De acordo com as suas ordens. mas senhor caiu já fora do Castelo. neste momento andamos à procura dela.
-Tragam-ma assim que a encontrem.
-Perfeitamente majestade.
Gambinnus observava o diálogo perfeitamente confuso e não pretendendo entrar em pânico em vão, quis saber mais e nem foi preciso perguntar:
-Há anos que as comunicações por aves estão proibidas ou em último caso só são feitas à noite. Há anos que Zvar sabe disso, pois foi ele a criar a lei. Indago-me qual seria o seu desespero para se esquecer de tal facto.
O tempo avançara agora rapidamente contra o Mosteiral. Cometera um erro, um grave erro e teria de ser rápido a jogar:
-As coisas não estão fáceis para Orgutt. Com a traição de Zvar e da provável existência de cúmplices provavelmente no vosso exército.
-A quem vos referis?
-Oh majestade. Perdoe-me eu por vezes só sei raciocinar alto. Peço que esqueça...
-Não. Estou até muito interessado. Como sabeis, acabo de ter uma vaga para conselheiro e creio que vós gostais de cá estar.
-Oh sim, efectivamente sim. Mas bem sabeis que nós Mosteirais não nos metemos nos assuntos do reino ou império.
-Mas eu quero a sua intromissão. Dizei-me ao certo que sabeis da nossa imperatriz?
O lobo passava ao ataque e a raposa começava a andar em círculos:
-Oh, que é bondosa, faz bonitos bordados e é uma pessoa interessada nas artes.
-E de Brunnus?
O ar de Braddus denunciava que ele sabia de algo e Gambinnus teria de abrir o jogo. A raposa teria de mostrar os dentes:
-Majestade, é evidente que como membro deste castelo e com acesso ás salas de mexericos da criadagem possa partir da suspeição destes sobre os dois que mencionais.
-É assim tão evidente que até as criadas falam?
Então sempre era verdade, pensou Gambinnus satisfeito pela carta jogada:
-Sabeis que a criadagem é de imaginação fértil.
-Pode ser...Creio que é tudo.
Gambinnus ignorou a ordem de retirada do líder de Orgutt
-Creio contudo que o seu grande problema enquanto imperador resida na aplicação de um castigo consentâneo com a mensagem que dele passaria. Se a sua esposa e imperatriz comprometera a sua honra com o seu melhor general, sua majestade terá de ser preciso e cirúrgico no castigo, sob risco de aumentar a descrença do seu reinado no povo e de certa forma retirar essa aura de temível que tanto jeito lhe tem dado, em alturas como esta de perfeita contestação. 
O imperador colhido de surpresa pelo raciocínio, fez sinal para que continuasse:
-Por outro lado, se o castigo fosse demasiado severo e tornado público, poderia abrira feridas que não cicatrizariam  entre os que amavam a figura da imperatriz. Havia ainda a questão essencial e vital para o seu reino da união de dois povos e clãs Eras antes rivais. Maleena representava Utter e todos os Utterianos residentes no império sobre a bandeira de Orgutt. Um castigo exagerado iria abrir diferenças escondidas e os Utterianos poderiam se revoltar. Caso isso sucedesse, o seu próprio exército se dividiria e teria em mãos  um golpe palaciano.
-Isso é verdade. Vindo de quem não se deve meter nos assuntos do império...
-Não obstante, existe igualmente o problema Brunnus,- Gambinnus jogava tudo e jogava forte. Se a carta fosse encontrada já ele teria o mesmo fim que Zvar e sem respirar continuou- Amado e tido por herói para o seu povo.
-Não achais que deva ser chicoteado em público?
-Não majestade,para que o castigo tivesse sucesso seria necessário recorrer à má-língua, instigando os servos do castelo a espalharem mentiras sobre traições e ataques ao imperador e então quando a dúvida estivesse instalada acusá-lo formalmente de traição, caso contrário se for condenado só por traição à sua honra, vós podeis cair em gozo na cidade.
-Só iria criar um mártir . - Concordou o Imperador com pesar.
-Então para isso, deixai ele cair em batalha.
-Mas Brunnus não participará. Quando muito aguardará na Floresta Negra....
-E que melhor local para a emboscada!
Braddus entrelaçou as mãos atrás das costas, gesto que fazia amiúde sempre que lhe agradava determinado conselho ou suposição e elucidou:
-Gosto do modo como pensais!
-Agradecido majestade.
-Dizei-me, como devo castigar a imperatriz?
Gambinnus adoptou uma atitude de falsa modéstia e secretamente a raposa saltou apara o ataque, com a astúcia que lhe era conhecida:
-Não vos posso ajudar nessa questão. Contudo...Bem, como sabeis eu lido com histórias de outros reinos e outras vivências.
-Sim é um facto.
-Pois bem, posso então contar-lhe uma pequena história. Num reino primitivo nascido há imenso tempo, o rei de uma tribo viu a sua filha cair em desgraça aos braços de um jovem da tribo rival.
-Familiar o vosso caso...
-Sim...Acontece que apesar de rivais, estávamos no inverno, a caça escasseava e o pedido de tréguas tinha sido aceite. Entrar em guerra em tal cenário seria a morte das duas tribos.
-Efectivamente assim seria. - Concordou o imperador absorto na história.
-Ora o rei,pensou em como proceder de forma a reparar o mal e só lhe veio à cabeça o óbvio. A falta de respeito mata-se com a falta de respeito.
-Como assim?
-Ao saber da perda de virgindade da filha e de forma a torná-la impura aos olhos da tribo vizinha, evitando assim um casamento complicado o rei trouxe a filha para o meio dos seus homens e sem fazer muito alarido, tomou-a ali mesmo à frente de toda a aldeia e ofereceu a vez aos seus melhores guerreiros. Quando o rei da tribo rival soube, irado pela inconsciência do jovem em tomar uma mulher que qualquer um usava, decretou o exílio do filho e tiveram de acordar tréguas através da junção política das tribos, que acabaram unidas.
Braddus bateu palmas de satisfação e no seu jeito peculiar e embrutecido, estatelou a palma da mão nas costas de Gambinnus em jeito de agradecimento:
-Haveis sido de grande utilidade!
E assobiando uma melodia Utteriana , abandonou o Mosteiral no meio da sala, dirigindo-se às cavalariças.
Combater o fogo com o fogo...Porque ele não se lembrara disso? 

2 comentários:

  1. Ai Gambinus, Gambinus... Pobres dos que se atravessam no teu caminho... Será que Pretorious ainda irá a tempo, ou a jogada de Gambinus diluiu qualquer hipotese de depor Brunnus? Vou descobrir um pouquinho mais... ;)

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