sexta-feira, 9 de outubro de 2015

A Saga de Arkhan - Pretorius - Capítulo 14







O que não nos mata, 
engorda a maldade de quem não perdoa...
O que não nos mata,
torna mais forte quem nos maltrata... 
O que não nos mata, magoa...

Inês Dunas: " Não mata , mas dói"


BIG BAD WOLF



Os gritos do imperador, ecoados por toda a ala do castelo de Orgutt tiveram o mágico condão de atraírem todos os olhares disponíveis e passos incertos para a ampla divisão. O habitual bafio a humidade, das paredes de pedra não era suficiente forte para se sobrepôr ao vermelho vivo lacrado em tons vivos no chão de madeira de carvalho, colhida das incertas Florestas negras de Arkhan. Dizem em Arkhan que o poder de uma imagem é bastante superior ao de uma linha, frase ou folha de texto gravada com a melhor pena de ganso e naquele momento tal afirmação é por inteira, verdadeira.
Caído inanimado no chão, Zvar o obediente conselheiro do imperador, por este agora assassinado era a imagem mais cruel da traição. Braddus, que se erguera lentamente não ocultava a ferida que lhe sangrava, braço fora e nem tão pouco poupava a falta de zelo e de socorro dos seus homens. Naquele momento, cada palavra proferida pelo imperador, cada frase mais irada era completamente ignorada pelos presentes, que mantinham o olhar no corpo caído.
Os serventes do castelo, habituados também eles ás imposições de Zvar, trataram-se sempre como uma extensão do próprio imperador e muitos deles, os de mais idade que ainda permaneciam nos seus postos de trabalho cresceram ou viveram com ele, quando Orgutt ainda não existia.
Lentamente, como quem respira pela primeira vez , foram recuperando do choque e só então passaram a prestar atenção à figura calma e desconcertante de Braddus que se sentava à mesa, com o ar mais calmo deste mundo e ignorava por completo o corpo estendido a quem acabava de roubar a vida.
As interpretações podia de facto ter sido muitas e certamente que as houve, mas o que mais tarde ecoaria pelos corredores e pelo império prendia-se unicamente com a saúde mental do líder. Das muitas vezes que a cena era repetida oralmente pelos diversos quadrantes hierárquicos ou etários, mais a história crescia e cada vez mais o aspecto lunático do imperador era realçado. 
Pretorius que havia assistido estupefacto a esse quadro vivo, recolheu aos seus aposentos, continuando a cumprir as ordens do imperador, embora desta vez sem se aperceber disso e bateu com a porta, esforçando-se por recordar a história antiga de um certo império que o mosteiral lhe havia falado.
Teria sido coincidência o facto de poucos minutos depois de Gambinus lhe ter contado a história de um império longínquo, o pai se comportar de maneira estranha? Que traição poderia Zvar ter cometido sobre o imperador? Zvar, que sempre fora leal a Orgutt e ao imperador?
Levantando-se nervosamente o príncipe concluiu que algo não batia certo, mas que poderia ele fazer? Enfrentar de novo o imperador, agora que desconfiava da sua sanidade mental era um suicídio. Se da primeira vez que o fizera o imperador quase o prendeu nas masmorras, agora certamente o mataria. Que poder deteria Pretorius no império? Que lealdade tinham os guardas para com ele?
As dúvidas eram muitas e as certezas cada vez menos. De certa forma inexplicável, Pretorius sentia-se de facto reduzido à imagem pequena que o imperador fizera dele e pela primeira vez em muitos anos sentiu uma vontade quase incontrolável de fugir.
Foi a voz familiar de Brunnus que de certa forma o fez suspirar de alívio:
-Posso majestade?
-Claro, meu bom Brunnus. Haveis chegado tarde!
-Tarde, majestade?
-Haveis perdido mais uma peça de teatro de meu pai. - Esclareceu o jovem com ar de desdém.
O general não respondeu à provocação, optando antes por prestar atenção aos aposentos do príncipe. Era a primeira vez que entrava ali e de certa forma sentia-se decepcionado. Conhecera os aposentos do imperador e os do príncipe eram a modéstia pura se comparados com o luxo que vira no quarto imperial. Brunnus acreditava que os quartos eram o espelho da nossa estima, assim como as roupas que se usava e confirmava agora o desleixo dos pais no que ao conforto do filho dizem respeito. Não que fosse um casebre ou um quarto vazio, mas apenas se encontrava basicamente mobilado. A cama de solteiro, era apenas e tão só uma cama de solteiro. Ao fundo uma escrivaninha vazia de papeis ou penas, um simples candelabro e sem lareira para as frias noites de inverno.
-Senhor, eu preciso de vos confidenciar algo. - Apressou-se a esclarecer.
-Pelos vistos hoje, todos querem falar comigo. - Zombou o jovem com um tom de voz de escárnio.
-Como?
-Diga general, o que o apoquenta?
O general aguardou alguns segundos, como para ganhar coragem e procurou no seu íntimo as palavras certas. Sabia de antemão que mais cedo ou mais tarde o príncipe saberia da existência das cartas de amor por ele enviadas à imperatriz e tornava-se urgente explicar o porquê. Afinal, neste preciso momento o general precisava de aliados no castelo:
-Meu senhor, não sei ao certo como lhe poderei contar, mas tenho a confessar que atentei contra o bom nome do imperador.
-Como? - Indagou o jovem ansioso.
-Inadvertidamente procedi mal, desonrando a nossa imperatriz, vossa mãe....Eu...Eu caí no erro da luxúria e da paixão.
-Bem sei que ela tem os seus encantos.
-Senhor, perdoe a minha traição à vossa honra.
O jovem olhou para o rosto tenso do general, aproximou-se do homem que se postava de joelhos e gargalhou:
-Pelos deuses Brunnus, por momentos cuidei que estivesses a preparar um golpe ao trono.
O general olhou-o confusamente e sem perceber o porquê das gargalhadas, avançou:
-Mas meu senhor, foram escritas cartas de amor que se encontram, ao que tudo indica na posse de vosso pai. Cartas essas assinadas por mim.
O jovem voltou-lhe as costas, entrelaçando as mãos atrás das mesmas, olhando pensativamente pela pequena janela:
-Dizei-me Brunnus, vós darias a vida pelo nosso imperador?
-Certamente , meu senhor. Creio que já o mostrei vezes sem conta em batalha.
-Mesmo agora?
-Mesmo agora senhor.
-Farias o mesmo por mim?
O general ergueu-se apreensivo:
-As vezes que fossem preciso! - Retorquiu sem ponta de hesitação.
-Optimo. Dizei-me Brunnus, ao certo que forças controlais?
-Homens, senhor?
-Sim. Quantos?
-Todo o 5º e 6º batalhão.
-E o Vill?
-Toda a cavalaria, senhor.
-Interessante!
Pretorius voltou-se encarando o general com ar de desafio e um brilho especial nos olhos:
-Dizei-me, vós que entendeis de política...Como posso convocar o Conselho?
-O Conselho, senhor? É impossível. Vosso pai o dissolveu.
-Mas eu posso convocar de emergência. - Assegurou o jovem já irritado.
-Zvar era a pessoa certa para o aconselhar sobre isso. Creio que em emergência possa ser feito.
-Perfeito. - O jovem abraçou o general e afastando-se dois passos , explicou:
-Eis como vejo as coisas: Neste momento sou refém de um louco, que me julga criança de cinco anos e me aprisiona no quarto. Vós, cometestes um pequeno erro....Pequeno demais para ensombrar vossos feitos, mas ainda assim grande demais para o ego de Orgutt e tendes uma honra a salvar, ou o imperador poderá também condenar a minha mãe. É altura de reformar o grande lobo mau e dar descanso às lendas heróicas do imperador. O Império abana e neste momento o mínimo tumulto seria um rastilho desejável para os detratores do império.
-Senhor, não creio que o que possa dizer...
-Orgutt é maior que um sonho tolo. É um marco maior que Brunnus, Vill ou Braddus. Mas é nosso e neste caso, ainda poderá ser meu. Convoque imediatamente o conselho. Iremos destituir o meu pai deste fardo.
Brunnus ficou horrorizado quer com o panorama descrito como pela lucidez apresentada pelo jovem e simultaneamente horrorizado por se ver prisioneiro do plano. Não tinha como fugir:
-Senhor, podeis ser condenado de traição.
-Não há outro caminho. Assegurai igualmente que Vill e o exército fique do meu lado. Esta é a hora, a minha hora!
-Senhor, tal reunião pode demorar dias.
-terá de ser feito o quanto antes. Ou o povo se aperceberá que meu pai está efectivamente louco,
Confuso e receoso do plano que ouvira Brunnus procedeu a uma última vénia , abandonando os aposentos apressadamente e a dirigir-se para o cavalo, ignorando a face interrogativa de Maleena que o aguardava na escadaria.
Parecia que nesse dia,o general estava destinado a sair a galope do castelo.
No quarto subitamente Pretorius sorria, visivelmente bem disposto. Os Deuses abriam-lhe a porta do trono e com alguma sorte, de uma penada se livraria da imposição da mãe, agora que a sabia adúltera, da arrogância e desprezo do pai, que seria forçosamente afastado do trono e de Brunnus, a quem acusaria na devida hora de atentado à reputação do império e o exilaria para as terras do Sul.
A roda da loucura, da fortuna e da ira estavam lançadas, e pelo império chegavam as notícias atrozes da loucura do imperador.

1 comentário:

  1. Pretorius é jovem mas inteligente e retira partido da situação fragilizada da sua mãe e Brunnus. De facto, às vezes, o timming é tudo! E... acho que vou ler mais um bocadinho... LOL
    :P

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