segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A Saga de Arkhan - Pretorius - Capítulo 18


Olhei sempre nos olhos das pedras do meu caminho
e algumas carreguei no colo tempo demais,
acho que até me esquecia que as levava
e elas deixavam de me pesar...

Inês Dunas: Innuendo
http://librisscriptaest.blogspot.pt/2010/09/innuendo.html



CORRE, RAPOSA CORRE!


O tempo é aquilo que dele fazemos ou que dele vivemos, um acontecimento que tenha durado tão somente um  minuto pode ficar para sempre gravado na nossa memória e anos depois nos parecer que durou horas, bem como um acontecimento que tenha durado horas pode ficar apenas gravado na nossa memória como algo passageiro, que foi rápido.
O importante do tempo por isso é a nossa habilidade de o conseguir perpetuar no tempo e no espaço e de o tornarmos marcante na nossa caminhada terrena.
Dentro do seu pequeno quarto, gentilmente cedido pelo imperador de Orgutt para que a sua estadia no castelo fosse o mais confortável possível, Gambinnus o falso Mosteiral, gastava o seu tempo caminhando de uma ponta à outra sem contudo se aperceber que o fazia. Era um ritual mecânico e automático, sempre que se encontrava a pensar ou meditar, tecendo mentalmente os seus planos mais ardilosos ou tão somente elaborando um balanço sobre algo que o preocupava. 
Desde que chegara a Orgutt que trazia um plano, supostamente à prova de falhas, alicerçado em experiências anteriores e trabalhado para que erros primários  não surgissem. Com efeito, depois de sucessivas falhas e equívocos cometidos pelas cidades e reinos por onde andou, desta vez o esguio sujeito levava a lição bem estudada e um certo Know-How sobre como proceder para ter sucesso no império. A meta  pretendida, não era porem um sucesso de carreira ou algo que lhe pudesse dar trabalho, mas o fácil acesso a luxos, a uma vida faustosa, que lhe permitisse a comodidade pretendida e o sossego que se achava merecedor depois de tantas privações. No fundo, ele queria tudo sem o mínimo esforço.
Foi na verdade a astúcia e a perspicácia que o conduziram, embora por caminhos errantes ao ouro e fortuna do império e no entanto. Se a entrada fora difícil, havendo de início uma certa relutância de Zvar o conselheiro do rei, para aceitar um estranho a olhar os documentos mais importantes do reino, por outro lado o histórico crescimento de Orgutt e a incrível ascensão de Braddus eram motivo mais que suficiente para que Maleena, a imperatriz intercedesse junto do imperador, requisitando a presença de tão ilustre copista e estudante da história dos reinos de Arkhan.
Depois de entrar, o falso Mosteiral foi maliciosamente conseguindo o livre acesso a toda a documentação do império e apesar de Gambinnus ser avesso ao estudo, compreendeu que se por acaso as coisas não dessem certo no império, ele teria uma última cartada em perspectiva, embora bem mais arriscada, mas que se poderia revelar igualmente lucrativa. Se fosse expulso, levaria os segredos do império bem documentados ao único sítio onde poderiam ser úteis. Ao reino do Norte, mais propriamente ao Senhor da Guerra, que pese o facto de ser aliado de Orgutt, não dispensaria uma informação extra, até porque na opinião de Gambinnus e pela sua experiência, todo o conhecimento quando bem usado é uma arma bem mais poderosa que uma catapulta de blocos graníticos. Assim que se lançou, nos primeiros tempos, á busca incessante e respectiva cópia de tudo o que pudesse de certa forma ser vendável. Posteriormente, o Mosteiral dedicou-se ao estudo de planos de combate, ás posições ofensivas de Orgutt em caso de cerco e guerra, bem como às suas posições defensivas.
Contudo depressa compreendeu que esse caminho escolhido só lhe traria trabalho e exaustão, pelo que foi abandonando a ideia. O seu caminho era o da intriga, das falsas verdades, das irrisórias aparências e ele não tencionava gastar os seus olhos perante a fraca luz das velas a copiar páginas e páginas de linhas de tinta. Paralelamente teria forçosamente de aceitar o seu pouco talento para a arte de escrever sem borratar, bem como admitir a evidência do seu fraco talento para misturar tinta, de forma a torná-la escorrida, mas simultâneamente densa o suficiente para o pergaminho poder absorver sem borratar. 
E na verdade que bem que Gambinnus tinha trabalhado o seu lado intriguista. Sabendo que dificilmente Maleena lhe confidenciaria algo impróprio, o Mosteiral teve a ideia de seguir a jovem aia. Ficou a descobrir do seu relacionamento com Zvar e uma noite, conseguiu ouvir a confidência da aia ao conselheiro do rei, sobre a existência de correspondência menos própria entre a imperatriz e um cavaleiro. Embora não tivesse ouvido o nome de tal ousado amante, Gambinnus teve a coragem de invadir os aposentos da imperatriz e de conseguir encontrar as cartas, ficando finalmente a saber o nome do autor das cartas. Durante algum tempo, ainda meditou entre as mostrar ao imperador ou proceder à chantagem ,deixando Maleena para sempre sua refém e alvo dos seus caprichos. Porém adivinhando o temperamento do imperador, achou melhor escolher alguém como veículo dessa mensagem e num modo perfeitamente natural, confidenciou a Zvar ter visto a imperatriz guardar a correspondência num sítio especial. Sabia que era uma questão de tempo, até ao bom homem e defensor do reino agir e denunciar por ele. 
Como era um homem astuto, Gambinnus elaborou rapidamente um plano B, caso a entrega das cartas colocassem Zvar nas boas graças de Braddus. Se isso acontecesse, era importante desacreditar o conselheiro, pelo que enviaria uma missiva a Ischtfall com a informação de um ataque iminente e assinaria como Zvar. Isso seria considerado traição e num só dia livrar-se-ia da imperatriz, de um general e do conselheiro. Dado que o imperador não nutria grande afecção pelo filho, Gambinnus iria colocar filho contra pai, iria ascender a conselheiro do imperador, sugerir a este que deixasse o filho participar na guerra e contratar mercenários para acabarem se possível com os dois. E ironia das ironias, Orgutt teria novo imperador. Ele!
Caso o príncipe não lhe desse ouvidos, ou fosse avesso às suas intrigas, então já como conselheiro do rei, sugeriria que ele fosse tomar conta de Ischtfall enquanto que em Orgutt, Gambinnus deixaria as suas ervas medicinais e os seus conhecimentos de venenos naturais arrumarem Braddus do caminho.
O Mosteiral estacava abruptamente no centro do quarto. Ele havia pensado em tudo, traçando o seu plano mestre, pensando em todas as contrariedades e calculando alternativas válidas. Mas no fim de tudo, errara uma vez mais.O plano perfeito que contemplava a existência de vigias na torre atentos aos pássaros seriam o toque final para acusar Zvar e no entanto ele cometera um erro.
É evidente que sabia da existência dos vigias e contava com eles para capturarem a ave, aquilo que ele não contava e que mais temia era o facto de ter usado a SUA ave e de a ter largado da SUA janela.   Braddus não era parvo, iria o mandar prender por tempo interminável até ter a situação com Maleena resolvida, isto se entretanto o seu filho não atacasse o poder....
-Oh Deuses, que valente trapalhada! - Concluiu Gambinnus para a sua sombra.
Só havia uma saída, um último destino para ele ser feliz.
Embalando os poucos haveres que se arriscava a levar, Gambinnus apagou a vela, aguardou que o corredor estivesse silencioso e movendo-se entre as sombras desse início de tarde chuvoso, evitou os guardas sentinelas que corriam esbaforidos escadaria acima, com a ave morta nas mãos e sorrindo sem vontade, Gambinnus caminhou em direcção à chuva que caía abruptamente em Orgutt.

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