domingo, 1 de novembro de 2015

A Saga de Arkhan - Pretorius - Capítulo 21 - penúltimo capítulo





Promete que pelo menos existiu
e numa madrugada de tempo frio,
soube derreter a geada e coube nos nossos sonhos...
Promete que metemos as mãos juntas por baixo
para apararmos as gotas todas que escorriam dos nossos olhos,
enquanto nos olhávamos e trespassávamos de compreensão...

Inês Dunas: Fábula da Bela Adormecida e da cobra
http://librisscriptaest.blogspot.pt/2011/04/fabula-da-bela-adormecida-e-da-cobra.html






LET IT FALL 
(parte 2)


O tempo não é todo igual e quem souber desta realidade de antemão, poderá aspirar a controlá-lo ou quiçá torná-lo mais razoável e justo, de acordo com as reais necessidades de qualquer indíviduo. 
Para o general Vil contudo, o tempo não era somente uma unidade de medida inventada pelo homem, para se conciliar com o mundo e com os deuses. O tempo, era acima de tudo uma lâmina gelada de uma guilhotina prestes a cair, em queda livre do alto, sobre a sua cabeça, levando assim em segundos (essa minúscula percentagem de forma horária), uma vida de sacrifícios, desejos e alguns pecados.
Passara já cerca de uma hora e Braddus entretinha-se a falar com Vill sobre a cada vez menos provável invasão a Ischtfall. O que demonstrava que de facto Braddus nada sabia de Brunnus, nem da sua morte, nem do seu cadáver e isso dava um certo descnaso ao general. Contudo face aos últimos acontecimentos em Orgutt e depois de se ver obrigado a livrar-se de Brunnus, assasinando-o sem misericórdia o general percebia agora que tinha sido em vão. Sem a presença do conselheiro do imperador, o único que conseguia guiar o foco e o pensamento de Braddus, mesmo quando estava embriagado, para aquilo que era realmente importante, o imperador divagava, contradizia-se e recomeçava....E Vill tinha de sorrir e fingir concordar, e depois tinha de discordar de si mesmo e voltar a concordar e uma hora depois estava esgotado mentalmente, sem perceber sequer o que dizia.
Reconhecia agora que Brunnus e o príncipe estavam certos. Reconhecia de facto que o imperador já não sabia o que fazia ou o que dizia e no meio desta confusão, sentia falta da clarividência da imperatriz que continuava estranhamente ausente, tal como Pretorius. Orgutt, já não era o império rígido governado com justiça e clarividência. Orgutt era cada vez mais uma aberração, uma antítese de tudo o que Vill conhecera e aprendera a amar e a defender com a própria vida.
Mas os deuses tinham lhe dado o maior dos castigos! Ao opor-se , ainda que intencionalmente à vontade dos deuses, matando o seu emissário. Vill viu cair o seu amor, a sua paixão, a sua verdadeira razão de vida, cuja cabeça fora decepada pela lâmina de Brunnus, num esforço sobre-humano. Lá está, pensou o general fingindo ouvir o imperador, mais uma vez era a prova concreta que os deuses o castigavam.
Mas tudo o que fizera, tudo a que se propusera tinha sido por vontade expressa do respeito que sentia pela figura do imperador, do orgulho que nutria pelo império e acima de tudo da convicção até aí inabalável na crença de a Arkhan unida pela mesma língua, pelos mesmos costumes pelo mesmo imperador. Se porventura, continuou ele a pensar para os seus botões, Brunnus tivesse agido de outra forma, se lhe tivesse sabido expor as recentes deficiências do imperador, talvez...Não! Jamais ele acreditaria em Brunnus, nem que ele lhe levasse um parecer assinado por uma centena de médicos. Agiria da mesma forma, pois afinal tinha sido essa a sua educação e o seu modo de vida e não podia de forma alguma trair a sua convicção ou o seu imperador!
-Pareceis preocupado, general Vill. Algum receio no meu plano?
-Não meu imperador. Como sempre concordo com vossa abordagem! - Assentiu ele nervosamente.
-Bom, mas sempre teremos tempo para voltar a isto...
-Mas meu imperador, as chuvadas e o mau tempo estão a chegar...
-Umas gotas de água, não nos incomodarão. Pelo contrário, dificultarão a defesa de Ischtfall!
Vill olhou atónito e em silêncio para o seu imperador. Como poderia ele tecer tal afirmação? Esquecia-se dos cavalos, dos homens e pior que tudo  das catapultas? Como poderia ele movimentar cinco a seis mil homens, mais os cavalos e mais as catapultas em terreno incerto, alagado e talvez pantanoso?
O general começou a sentir-se demasiado cansado e sobretudo demasiado desmoralizado para expor o seu pensamento e resguardou-se em silencio.
Vill escolhia pacientemente as melhores palavras, numa análise mental de ética e num esforço já evidente, quando o chefe da Guarda imperial assomou na pequena sala, para onde os dois homens se resguardaram a fim de analisar os mapas. Sem perder tempo com vénias, alertou:
-Majestade, creio que deveis vir ver isto.
-Que se passa?
- O general Brunnus está diante das portas do castelo!
-Não é possível! - Exasperou o general Vill.
-Sim. E não está só!
-Que dizeis? - indagou Braddus confuso.
-Todo o exército o acompanha!
O ar de terror e pânico estampou-se na face ruborizada do imperador:
-Não é possível. Estais equivocado!
-Não estou general Vill. O estandarte é dele, assim como a armadura e o cavalo.
-Então é só o seu batalhão! - Bradou o imperador.
-Negativo majestade. O estandarte de Vill também está hasteado!
-Quê? Que infâmia dizeis. - Vill estava tambem ele desnorteado.
Sem perder mais tempo, os dois homens correram às ameias do castelo e com tremendo choque constataram que o guarda falava a verdade.
-Que brincadeira vem a ser esta? Não comandais os vosso homens?
-Majestade, desconheço...
O imperador, voltou-se imediatamente para o Chefe da Guarda Imperial:
-Ordenai que fechem os portões. Arqueiros ás ameias. Não os deixeis entrar!
Prontamente o atlético e robusto sujeito avançou para o seu posto, transmitindo fielmente as ordens.
-Agora percebo tudo...também vós estais metido nisto. - Concluiu o imperador visando a figura assustada de Vill.
-Não majestade eu juro...
-Guardas! Prendam este homem.
Vill tremia de raiva, empalidecia de morte e sentia o suor a cir-lhe avidamente pelo rosto.
-Rogo-vos que me escutais. Eu matei Brunnus! Eu mesmo coloquei o seu cadáver no cavalo. Ele não pode estar vivo!
-Esperais que acredite nisso? - Inquiriu furiosamente o imperador.
Uma vez mais os deuses o castigavam. Mandavam vir da terra da Morte um cadáver para fazer justiça. Vill sabia que tal não era possível, mas mergulhado no pânico e na raiva, já não sabia em que acreditar. Os dois guardas que entraram avançavam para ele e mecanicamente a sua mão pousou no punho da espada.
No exterior, ao som dos trompetes anunciava a caminhada das várias falanges do exército, todas concentradas agora na ordem do cavaleiro que as guiava, estacando diante do portão:
-Vimos em paz, quero ser recebido pelo imperador. - Falou o cavaleiro.
-Temos ordens para não vos deixar entrar e reprimir a vossa presença! - Bradou o Chefe da Guarda do cimo da ponte do portão.
-Volto a frisar. Não Queremos lutar contra nossos irmãos. Apenas quero ser recebido pelo imperador!
-General Brunnus sois procurado por traição. Por ordem expressa do vosso imperador. Vivo ou morto!
O cavaleiro ergueu a espada e apontou para a sua direita, pouco acima da colina de Esrsten surgiram as catapultas, prontas a abrir fogo.
-Ide procurar novas ordens! Se uma única flecha cair, os meus homens avançam impiedosamente sobre vós.
-Lamento. São as ordens que tenho. Nem morto entrais pelo portão general Brunnus!
Mais acima, na parte leste do castelo, Maleena fazia um esforço por entre a dor que sentia da tortura infligida pelo imperador e apoiada na aia, dirigiu-se à pequena janela, avida de voltar a ver o rosto amado de Brunnus e   tremendo de receio ante a loucura deste em enfrentar o imperador.
Na ameia central, Vill chegara a uma conclusão. Já que os deuses o tinham castigado, que morresse a corrigir o seu erro. Instintivamente desembainhou a espada, golpeando mortalmente os dois guardas que o tentavam prender e antes que qualquer arqueiro reparasse nele, aproveitando que as atenções estavam voltadas para o cavaleiro, encarou o imperador e berrou:
-Por Orgutt!
E enfiou a espada, penetrando na carne de Braddus até onde as suas forças o permitiram, numa última explosão de fúria. Ao sentir o frio da lâmina a rasgar-lhe as entranhas o imperador agarrou-se a Vill e devido ao impacto da fúria do general, desequilibrou-se tombando da ameia e arrastando Vill consigo até se estatelarem na praça central a poucos metros do portão.
Um silêncio mortal imperou durante uns segundos e o Chefe da Guarda Imperial, sem saber como reagir ia erguer a mão e dar o sinal aos arqueiros para iniciarem as hostilidades quando o cavaleiro remove o elmo:
-Abri o portão ao vosso príncipe ou vos mandarei prender por insubordinação .
-Pelos Deuses...Senhor...desculpai-me!
Na janela a imperatriz gritou de dor, assim que viu o jovem príncipe no lugar do seu amado. Sabia agora no seu coração que Brunnus morrera e atirando-se para o chão chorou convulsivamente, nem se importando com a queda do imperador.
No chão. a gemer de dores da queda, encharcado em sangue vindo da sua cabeça,perante o último suspiro que tardava em chegar Vill viu a entrada do príncipe no corcel de Brunnus e secretamente sorriu. Os deuses tinham reposto tudo através do seu gesto e o tinham perdoado:
-Morreu o imperador. Viva para o novo senhor de Arkhan. Serenamente fechou os olhos num último suspiro, partindo para a Terra dos Mortos, onde certamente contaria a Brunnus o desfecho da sucessão.

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