segunda-feira, 28 de março de 2016

A Saga de Arkhan - Livro 2 - Ischtfall - Capítulo 1



A vida é o milagre que o Amor concede,
enquanto nos perdoa todos os dias
porque nós não nos sabemos perdoar.

Inês Dunas: Oração
http://librisscriptaest.blogspot.pt/2016/02/oracao.html


Antes fosse um reino encantado !

O maravilhoso reino de Ischtfall, assim o apregoava a canção mítica do bardo Stunner, pessoa intensamente culta de barba curta e pequena corcunda nas costas, espraiava-se orgulhosamente sobre o pequeno vale, com as suas ameias pontiagudas a espreitarem sob a copa das àrvores, como se  de certa forma temessem a chegada de alguém.
Ischtfall, um dos reinos de Arkhan, vivia em paz e em próspera actividade sob o comando do benévolo rei Leopoldo II ,que ascendeu ao trono após falecimento por morte natural do seu pai Leopoldo I, um rei carismático, sábio, popular e que lançou as bases para um reino rural, de forte aprovisionamento de cereais, combatendo assim a fome e afastando carências em troco de trabalho braçal.
Foi igualmente no reinado de Leopoldo I que Ischtfall assistiu à cunhagem de moeda própria , os soberanos de prata e bronze e à modernização de utensílios agrícolas. 
Porém, Leopoldo I atravessou os últimos anos, já combalido com problemas no reino e quase se assistiu a uma revolta dos homens da montanha, mas o bom senso do líder da montanha evitou que a revolta acontecesse na forma de guerra.
Aquando da construção das muralhas , cerca de quarenta anos antes da sucessão monárquica, Leopoldo I teve a ideia de mandar homens com a arte de cortar e transformar pedra para a montanha, a fim de obter a matéria-prima desejada para as muralhas e foi básicamente essa necessidade que fez crescer tecnológicamente, dado que os materiais teriam de ser resistentes e assim surgiram os primeiros mestres ferreiros no reino.
Nos primeiros anos tudo correu bem a Leopoldo I. Foi criada uma intensa vala na encosta da montanha por onde a pedra era largada, para posteriormente guardas do reino a reclherem. Os homens habituaram-se à vida fria e de quase subsitência na montanha em troca de soberanos de prata e uma vez por mês desciam a montanha em direcção ao reino onde trocavam os soberanos por mantimentos e outros bens. Mas à medida que a pedra foi escasseando e a construção das muralhas se aproximava do seu final, o rei deu ordens aos homens da montanha para cessarem a sua actividade e voltarem ao seio do reino. Acontece que o Povo da Montanha, já se tinha afeiçoado ao seu modo de vida e viviam em Tribo agora, sem qualquer ligação a Ischtfall, pelo que declinaram a oferta.
O Rei manteve-se apreensivo, desconfiado até das explicações dadas e não compreendia como alguém poderia trocar o conforto do reino, pela vida dura da Montanha, a menos que estivessem a esconder algo importante a ele e a Arkhan. Em absoluto sigilo, Leopoldo I optou por enviar três dos seus melhores homens espiarem a dita Tribo da Montanha.
Dos três homens, apenas um regressou e com um relatório seguro para contar . Na presença do rei e só na sua presença contou o modo de vida precário que persenciara, a completa ausência de modos dos seus habitantes e a falta de decoro assegurando que todos dormiam com todos, nas casas pequenas de pedra. Confirmou que havia uma espécie de líder na Montanha e de certa forma tinham um pequeno exército, embora sem metade do esplendor do exército de Ischtfall e então revelou o segredo que trazia e pelo qual os seus dois companheiros tinham morrido. Sem rodeios, tirou do alforge um pedaço de metal prateado e colocou no colo do rei, assegurando que arma alguma conseguia perfurar esse metal e que em segredo o povo da montanha procedia à sua extracção e à sua utilização em armaduras e armas.
Leopoldo I ficou inquieto com a notícia temendo que se tal segredo fosse descoberto provocaria uma corrida ao metal pelos três reinos de Arkhan e Braddus , rei de Orgutt e o senhor da Guerra arrasariam Arkhan só para terem esse metal. Então fez, o que qualquer líder sábio e amante da paz poderia fazer. Embrulhou o metal com cuidado na sua capa, dirigiu-se ao seu soldado e degolou-o, escondeu o metal debaixo da sua cadeira de trono e acusando o soldado de traição gritou, para que os guardas viessem em seu socorro, embora já encontrassem o soldado sem vida.
Rápidamente e sem ninguém no reino perceber bem como este episódio de falsa traição ganhou forma e alastrou- se de boca em boca, na versão mais estranha que algum dia poderia ser contada. Corria como o vento do norte por entre o Reino, que o Povo da Montanha, fruto de algum feitiço virara o pobre soldado contra o rei de Ischtfall e que viria com um exército tomar o reino e vingar assim o desrespeito com que Leopoldo I tratara o Povo da Montanha.
Surgiram prontamente relatos de bruxarias e alquimias cometidos pela Tribo e avançava-se em surdina, pelos meandros do reino, que a Tribo tinha um pacto com Rarrhh o Deus da Morte.  Os Nobres de Ischtfall, anseando uma boa guerra e a glória, depressa apresentaram-se a Leopoldo I oferecendo a ajuda com homens e dinheiro e a população irada contra o Povo da Montanha, organizava vigílias populares e armava os camponeses, oferecendo ao seu rei a vida numa batalha contra a Tribo.
Leopoldo I viu-se assim acossado pelos seus súbditos, pressionado a tomar uma decisão que não a poderia tomar e continuava sem perceber como um acto perfeitamente aletório tinha motivado todo aquele circo. O rei começava a temer contudo que de certa forma principiava a perder o comando no seu reino e por esta altura Ischtfall era uma fogueira de brasas à espera de uma aragem para os ânimos reacenderem bem forte.
A única esperança do sábio rei seria a de esperar que o tempo apagasse a desconfiança do seu povo e serenasse os ânimos, para então tranquilamente reaver o completo comando do seu povo, mas Leopoldo I depressa perceberia que os pequenos incidentes, quando desvalorizados podem se tornar no maior problema do reino.
As coincidências, para aqueles que acreditam nela, surgem por obra do Destino em tempo oportuno e normalmente quando são mais inconvenientes.
Sucedeu que o Líder do Povo da Montanha, depois de interrogados os dois espiões capturados no seio da montanha, resolveu dirigir-se pessoalmente a Ischtfall com a necessidade de indagar o rei sobre o motivo da presença deles, bem como se assegurar que a ordem teria efectivamente partido da boca do rei.
Ora, habitualmente o Líder não se faz acompanhar pelo seu séquito de guerreiros Yrhun, guerreiros cuja unica função na Tribo era assegurar a protecção do líder, mas para criar impacto protocolar de respeito e de intimidação, nesse dia Saemon, resolveu convocar os Yrhun na sua deslocação ao reino vizinho.
Como é natural, assim que tal comitiva surgiu no horizonte visual dos guardas-sentinela de Ischtfall, estes prontamente soaram o alarme de ataque inimigo e prontamente o pânico e a confusão instalou-se no pequeno reino.
O rei, aturdido por todo o alvoroço, conseguiu no entanto ter o sangue frio para evitar que sangue fosse derramado, montando a cavalo e reunindo-se com os pretensos invasores de modo a poder de certa forma desculpar-se longe dos ouvidos do seu povo.
Tudo acabou por se resolver com  o corte total de relações entre os dois povos, deixando após doença mortal abrupta a responsabilidade da manutenção da paz ao seu herdeiro, algo que Leopoldo II tinha agora que resolver e o segredo permaneceu segredo.


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