segunda-feira, 23 de maio de 2016

A Saga de Arkhan - Livro 2 - Ischtfall - Capítulo 3





Os olhos são as janelas que o sonho teme,
a voz curva-se e geme,
os dedos são velas derretidas 
a rezar-nos no corpo magoado pelo pecado

Inês Dunas: Sentido obrigatório


LEOPOLDO II


O rei de Ischtfall, encostou-se morosamente, afundando-se na cadeira real, perdido em pensamentos e remorsos, indiferente ao desfile de Mocidas que à sua frente desfilavam ordeiramente aguardando o seu veredicto.
Leopoldo II sabia de antemão que o enfado da escolha era sempre recompensado pelo prazer carnal que á força recebia das jovens escolhidas, mas é sempre como cantam os bardos do reino, depois de tanta sujeira logo o corpo fica farto.
A culpa não era dele, mas do reino e da morte repentina do seu progenitor, o bom rei Leopoldo I que não só precipitadamente lhe deixou um reino ainda em construção, como igualmente o deixou numa situação dificil de gerir.
Arkhan estava em guerra, ou melhor dizendo, o reino de Orgutt e o seu rei sedento de glória e poder estava em guerra com todo o Mundo Conhecido. Braddus era um rei temível, um estratega sem coração mas ainda assim sem o poderio do Senhor da Guerra. Quanto a Ischtfall, apesar de ter um bom exército não possuia os mesmos argumentos quer em número de homens, quer em armamento. Para além disso, Ischtfall sempre se orgulhou da sua aliança estratégica com as várias cidades-fortalezas da região, em especial Samerti, a "menina dos olhos" de seu pai, que agora tremia de medo de um possível ataque de Orgutt.
O curioso, pensou ele acenando afirmativamente com a cabeça para a jovem que se despia à sua frente, é ter sido Orgutt a despertar e não o Senhor da Guerra. No ínicio da contenda, à medida que as notícias das conquistas de Braddus iam chegando aos ouvidos do rei, Leopoldo II atribuia esses factos ao Senhor da Guerra, tendo ficado estupefacto quando se comprovou que não havia qualquer elemento do Senhor da Guerra na contenda. Contudo a grande questão residia unicamente na grande dúvida que assolava a cabeça dos seus conselheiros, até onde chegaria Orgutt?
O rei ergueu-se prontamente num misto de enfado e indiferença, caminhando em passo largos pela passadeira vermelha, esperançado em ver a silhueta da sua rainha escondida no topo da nave do palácio.
Até no seu casamento ele não tivera sorte. O que devia ser uma aliança duradoira e sustentada, tornara-se um imbróglio que aqui e ali, pelas partes mais escuras do palácio e do reino, provocavam um rastilho de piadas de gosto duvidoso, recheadas de referências à rainha virgem, rainha de gelo, até certos eufemismos como Imaculada fonte gelada.
Na verdade, concluiu o soberano após conseguir surpreender a rainha, que rapidamente abandonou o seu posto de vigia, a decisão de a enviar para o outro extremo do palácio não tinha sido uma decisão fácil de se ter e embora sendo certo que ele se tinha aproveitado do poder do trono para ter a mulher mais bonita do reino, não deixava igualmente de ser uma táctica de proveito próprio. No amor e na guerra vale tudo e secretamente Leopoldo II sabia que mais valia uma bonita e inteligente rainha do que mil jovens inexperientes. Mas tratava-se da sobrevivência de Ischtfall e ele não deixaria que o trono caísse nas mãos dos seus adversários:
-Majestade, ainda restam mais jovens à espera do seu veredicto. - Alertou o tímido conselheiro.
-Creio já termos acabado por hoje. 
-Preocupado com Orgutt, senhor?
-Não seria rei se não o receasse. - Leopoldo II caminhava rápidamente, levando atrás de si o esbaforido conselheiro- Quando regressam os espiões?
-Aguardamos a sua chegada a qualquer momento majestade.
O soberano encolheu os ombros, retirando-se para o seu quarto agora vago, batendo pesadamente as portas num sinal claro ao seu conselheiro de que a sua presença já não seria solicitada.
Desde que assumira o trono que ele não tivera um minuto de sossego para repensar o reino ou alterar o que quer que fosse em termos económicos e políticos. Tinha a perfeita consciência que para o seu povo ele era um rei demasiado jovem,  sem mestria, de competência duvidosa  e temia para além do juizo popular que diariamente os seus súbditos lhe fazem às escondidas, que as intrigas palacianas de quem nada tem para fazer, aumentassem e colocassem em causa a sua continuidade no reinado.
Leopoldo II percebeu que seria sempre um alvo vulnerável se não colocasse barreiras ou defesas próprias, pelo que a sua desconfiança de tudo e de todos e os seus modos arrogantes para com o seu séquitos eram já imagem de marca. Talvez se tivesse sido aconselhado por alguém mais experient o jovem soberano tivesse agido de outra forma, mas  em sobressalto constante, temendo pela sua vida , foi desenvolvendo uma obsessão doentia contra tudo e contra todos. O seu maior erro foi motivado pois pela sua insegurança, dado que repentinamente despediu todos os conselheiros de seu pai, reuniu séquito novo, destituiu generais e promoveu novos generais, tentando que a recompensa gerasse homens fiéis e instituiu o provador, aquela pessoa que prova e come tudo o que for servido ao rei, à sua frente. Na verdade ele mal dormia e não raras vezes chegava a ver vultos suspeitos entre os seus cortinados ou algures nas sombras de seu quarto.
Passou a dormir de adaga debaixo da almofada e secretamente requisitou a um carpinteiro que parte do soalho do seu quarto fosse falso, mediante um mapa desenhado por Leopoldo que só a ele mostrou, mediante juras de confidencialidade, em que ao pisar proferisse um som retumbante. As obras acabaram no momento certo, dado que na mesma noite em que acabou, o carpinteiro foi encontrado morto, degolado na sua parca habitação a sul do reino Não obstante as melhorias, contratou pessoalmente  quatro guardas pessoais, colocando-os estratégicamente e permanentemente à porta dos dois quartos reais. Tivera contudo o cuidado de os escolher fora do aparente círculo de confiança da nobreza que agora com a provável entrada em guerra de Ischtfall reclamava para si quimeras e estaturtos perdidos.
E esse era precisamente o grande problema de Ischtfall! A nobreza que no tempo de seu pai tinha granjeado status e alguma riqueza, via-se agora dependente das boas graças Leopoldo II, que os ia mantendo ocupadosenquanto  ia resolvendo dia após dia os pequenos problemas do reino, ignorando os conflitos de interesse e poupando os seus súbditos a repentinas reformas. No entanto tinha presente que o afastamento de antigos generais e restante corpo diplomático arrastaria sempre ódios e ressentimentos que agora com Orgutt a declarar guerra a metade das cidades- fortalezas do reino podiam colocar em causa a sua liderança.
Mas ele tinha um plano pronto a executar. Um plano mais audacioso que o do seu pai e no entender dele, um plano que afastaria de vez a sua insegurança e simultaneamente reforçaria a segurança no reino. Criaria de raiz uma guarda pessoal, que seria dotada dos melhores elementos do reino e equipada com as melhores armaduras jamais construidas em Arkhan. Sonhava todas as noites com essa força de guarda pessoal, tendo inclusivamente já delineado na sua mente, os homens certos para tal cargo. Uma vez mais asseguarar-se-ia que seriam fora do círculo de confiança da nobreza e acima de tudo pagos a peso de ouro, incorruptiveis quer em poder quer em dinheiro. E então, só então abdicaria da nobreza uma vez mais e recuperaria para o reino terrenos aráveis agora em posse de vários brazões de famílias nobres.
Num suspiro enervado o jovem soberano, verificou se as janelas permaneciam fechadas, confimou se a farinha que depositara em redor da sua cama se mantinha imaculada, desembainhou a espada e picou os cortinados como para se certificar de que alma alguma se escondia e sentindo-se seguro, abriu as portas do quarto requisitando as duas primeiras Mocidas desse dia. De acordo com  o protocolado, as duas jovens apresentaram-se nuas e ajoelharam-se perante o soberano, de olhar cabisbaixo enquanto ele se despia. Raramente o rei proferia o que quer que fosse e elas já sabiam que a partir do momento em que são escolhidas para Mocidas deixam de ter nome, deixam de ter existência civil e após essa noite serão marcadas com um número que ficaria nos rgistos reais associado à zona de Arkhan a que pertenciam.
Lopoldo II já nu, ordenou que se levantassem, examinando libidinosamente os contornos corporais das duas jovens e sem qualquer entusiasmosegurou o queixo da jovem morena de seios redondos e nariz pequeno, sentando-a na cama, onde colocou as mãos dela sob a sua cintura e a convidou a provar o seu mastro enquanto a mais jovem se deitava de bruços, aguardando a sua vez.
No mesmo piso, mas no outro lado do palácio a rainha assistiu á entrada apressada dos dois espiões no palácio e algo no seu íntimo a fez acreditar que a roda do destino se moveria uma vez mais, cansada e sem forças ajoelhou-se e chorou pela décima vez nesse dia.




2 comentários:

  1. Latvéria tem razão, sem saber...
    :))) Tão bom perder-me um pouco em Ischtfall...
    Beijinhos em ti

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