quinta-feira, 7 de julho de 2016

A Saga de Arkhan - Livro 2 - Ischtfall - Capítulo 4







Os Homens não sabem ser pedras, não sabem ser chuva,
não sabem ser vento, não sabem ser nada.
E gostam da mão pesada do deus que inventaram, sobre as suas cabeças,
a fazer ameaças, a atormentar-lhes a alma

Inês Dunas: ADeus
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BORREN



Logo após ter deixado as grandes árvores para trás, no Bosque de Sayenn, o esguio rapaz corria a céu aberto com a máxima velocidade que o piso irregular o deixava. Os seus olhos ainda assustados abriam-se como dois grandes sóis e na corrida já deixava de sentir os pés ou a ponta dos dedos. A sua unica preocupação residia na urgência de conseguir chegar aos portões da cidade fortificada de Borren a tempo de prevenir o exército.
As grossas muralhas da cidade estendiam-se num abraço de pedra por toda a planície, numa forma circular, tendo a meio os grossos portões de ferro forjado, sustidos por duas grossas colunas de pedra, onde sentinelas vigiavam indeterminadamente as imediações.
Esbaforido o jovem ergueu os braços em direcção às sentinelas, gesticulando e gritando mas à distância que ainda mantinha, tornava impossível aos três homens nas torres entenderem. Na ânsia de querer chegar o mais rápido possível e desesperado por não estar a ser ouvido, o jovem tropeçou duas vezes na irregularidade do terreno e por duas vezes se levantou e recomeçou a corrida, até chegar já sem fôlego aos portões. Como não tinha já voz, principiou a socar o portão lateral até conseguir recuperar o ar:
-Que fazeis? - Indagou o sentinela mais alto.
-Deixai-me entrar...Urgentemente....Preciso de entrar...Eles vêm aí.
-Que dizeis?
-Eles estão às portas do bosque de Sayenn...São muitos!   - As lágrimas principiaram a correr na face suja do jovem esguio.
-Ninguém te percebe miúdo! Os Portões só voltam a abrir quando o sol se puser...
-Não! - Gritou ele cada vez mais sem forças.
Alertado pela gritaria ao portão, Rasmen o capitão do regimento dos arqueiros de Borren, subiu as escadas até à torre:
-Que se passa aqui?
-Um miudo aos berros no portão. Não entendemos nada do que diz.
O loiro oficial, espreitou pela arcada e então o seu rosto pareceu empalidecer:
-Abri o portão imediatamente! Não sabeis quem é ?
-O miudo, meu capitão?
-Rápido, vamos para baixo! Quero ouvir o que ele tem para dizer e se fosse a vocês redobrava a atenção. Algo se passa de grave!
Rasmen desceu rapidamente a escadaria, saltando os degraus de dois a dois, retirou o elmo de ferro de cabeça e ajoelhou-se junto do jovem que caía sem forças, dentro da cidade fortificada:
-Meu senhor....Eles vêm aí!
-Um exército?
-Sim...cavalos, muitos e homens a pé, com escudos e lanças.
-São muitos?
-Muitos...muitos mesmo! Na frente vem um homem a cavalo de elmo dourado...
-Vill....Certamente que é ele. Mas diz-me Mensull, traziam bandeiras?
O jovem engoliu em seco com alguma dificuldade e aceitou a agua que Rasmen lhe dava em goles curtos do seu cantil:
-Uma espécie de bicho, um monstro azul...
-Orgutt, a ave de dois bicos....E Vill, o temível sétimo de cavalaria. - O capitão ficou cada vez mais apreensivo.
Vendo que os seus homens já o rodeavam  gritou:
-Fechem os portões, arqueiros às muralhas, soem o alarme!
-Sim, meu capitão. - Responderam os seus homens quase ao mesmo tempo.
-Tu miúdo vens comigo ao planalto.
A cidade fortificada de Borren era conhecida pela robustez de uma grande torre em pedra, situada numa ligeira elevação em relação às muralhas e fortemente defendido por cerca de cem besteiros, duzentos arqueiros e cerca de cinquenta soldados de infantaria, guarda principal de Urmm o senhor de Borren. A esta torre, os homens de Borren chamavam de Planalto e era de facto o orgulho da maior cidade fronteiriça de Arkhan.
Quando as trompetes de alarme cessaram, já Urmm com o seu manto vermelho, Rasmen com a sua armadura reluzente e Mensull, o sobrinho pastor de Rasmen se encontravam na varanda principal de olhos fitos no horizonte:
-Eles sabem que tu os viste.
-Impossível tio, eu escondi-me bem.
O capitão soltou um sorriso nervoso e atalhou:
-Mas escondeste os animais?
-Oh não...
-Mas há uma chance de eles não virem para cá? - Indagou nervosamente o senhor de Borren
-Não meu senhor! Orgutt está em guerra, bem sabeis o que fizeram em Ravelis e Samerti  e creio que se dirige para Ischtfall.
-Mas não estamos na direcção de Ischtfall e eu duvido que Orgutt queira enfrentar o Planalto! 
Rasmen levantou o queixo, contemplando por alguns segundos a bandeira da espada fulminante desenhada sob a figura do pequeno castelo:
-É precisamente  por causa do Planalto e das vossas ligações a Leopoldo II que eles nos irão declarar guerra! Se nós cairmos Ischtfall ficará desprotegido e sozinho.
-Sim... - Concordou o senhor atabalhoadamente, mandaremos um escudeiro a Ischtfall. São nossos aliados, eles virão em nosso socorro.
-Senhor, não creio que Vill possa aguardar até que  os nossos reforços cheguem!
A menção ao General mais detestado de Arkhan fez empalidecer a face do senhor de Borren:
-Tendes a certeza que é ele?
-Sim. A descrição coincide. É o único Orguttiano a usar elmo dourado.
-Não o conheço, mas ouvi o que ele fez Samerti. Degolar crianças...é desumano!
-Para além disso, um bom estratega e cuidai...Não tem quaisquer escrúpulos.
Um vulto feminino surgiu despreocupadamente do interior do pequeno castelo:
-Ah a grande sacerdotisa Murrein. Contai-me as novas! - Indagou o senhor assustado.
-Meu senhor, as pequenas pedras mágicas falaram - Disse a idosa senhora mostrando pequenas pedras esbranquiçadas na palma da mão.
-E então?
-Não combateis! Vejo desgraça e morte!
-Para eles seguramente. - Interrompeu o capitão, confiante.
A sacerdotisa acenou negativamente a cabeça, cuspiu ruidosamente e voltou a atirar as pedras para o chão, viu-as saltar , rodar e num movimento estranho, viu-as a juntarem-se todas para o sítio onde cuspira.
-As pedras não mentem, vejo pilhas de cadáveres e ruínas.
Urmm afagou penosamente as barbas já grisalhas que escondiam o seu queixo deformado desde nascença e propriamente assumiu:
-Veremos as condições de uma rendição!
-Não podeis meu senhor! Nós venceremos, estou certo.
-Nunca contradigas os Deuses, esse foi o conselho que me deram e por isso cheguei onde cheguei!
-Não vos preocupais irei liderar a defesa do Planalto e derrotaremos o invasor.
De início pareciam pequenos pontos pretos a sair das árvores, para depois, a trezentos  metros , todo o exército de Orgutt se apresentar devidamente formado a Borren, ao som de tambores e cornetas de guerra. nas primeiras fileiras da infantaria Orguttiana as lanças eram erguidas ao alto, acompanhadas de gritos e uivos de guerra. O opositor apresentava-se em batalha forte e moralizado, parecendo desdenhar da silhueta imponente do Planalto.
-Muito bem, irei ao encontro do general Vill, se o pedido for razoável...
-Senhor, não podemos trair Ischtfall!
O olhar apreensivo de Urumm pousou por uns momentos na população que corria, para o interior das suas casas de madeira para se esconder. Sentia o medo, ouvia o choro e também ele temia por eles. Era o responsável por todos, sabia da importância do seu acordo com Leopoldo II, mas não podia de forma alguma contrariar Braddus o rei de Orgutt.
-Leopoldo II compreenderá! Tenho de salvar vidas, se isso me custar a rendição e a perda do Planalto, pois que seja.
-Por outro lado,- Interrompeu nervosamente o capitão- Se os derrotarmos, o Planalto ainda irá ser mais temido e conseguireis um bom acordo com os dois Reinos de Arkhan. Sereis respeitado até pelo Senhor da Guerra!
O pânico instalou-se nas muralhas de pedra da cidade- fortificada, quando os arqueiros os viram a carregar as catapultas:
-Que fazem eles? Não esperam pela minha presença?
-Não seriam loucos a esse ponto! - Assegurou o capitão numa confiança inabalável.
Por uns segundos o responsável pela cidade pareceu hesitar, mas prontamente ordenou:
-Preparai a defesa, armai a infantaria na praça central que eu vos darei o tempo que necessitais.
Urumm saltou para a sela do cavalo e aguardava que os portões se abrissem, quando um enorme estrondo se ouviu:
-Eles estão a atacar....Eles estão a atacar! Às armas...
As enormes bolas de pedra eram atiradas pelas catapultas perante a inércia dos homens de Borren, apanhados de surpresa pelo ataque:
-Mas que fazem eles? Eu quero me render e...
Nova chuva de pedras explodia violentamente sob as muralhas fazendo-as tremer e precipitando a queda de arqueiros:
- Homens, mantenham as posições! Fogo total, gastem as flechas todas se tiver que ser, mas não abandonem os vossos postos na muralha.
Saltando por entre os destroços,enquanto protegia a retirada da praça do senhor de Borren,  Rasmen alcançou um outro oficial de infantaria:
-Use a saída secreta e leve homens consigo. Quero aquelas catapultas destruídas!
-Sim meu senhor!
Correndo para o Planalto organizou a defesa:
-As muralhas vão cair! Preparem o óleo a ferver, pois assim que as muralhas caírem eles entrarão como ratos...
Pequenas postigos ocultos de madeira deram lugar a postos de arqueiros e besteiros, tornando o pequeno castelo como um caule uma rosa em que os picos eram flechas.
Sentado na sua enorme sala, o senhor de Borren era cada vez mais um homem só e derrotado. Não conseguia enfrentar o inevitável , não percebia porque Vill não o tinha deixado render-se e sabia, porque os Deuses assim o disseram que o Planalto cairia em breve.
Na ala oposta da Torre , o capitão preparava-se para ocupar o seu lugar defensivo, quando viu o jovem Mensull a ser atingido no centro da praça por estilhaços de pedra. Sem pensar duas vezes, abandonou a torre a fim de se juntar ao seu sobrinho, única família que lhe restava. Mas mesmo na praça central desdobrava-se em mil, tentando organizar e serenar os seus soldados que tal como o líder máximo da cidade, já não acreditavam que as muralhas aguentassem muito mais tempo.
Minutos depois e como o temido pelos guerreiros de Borren , a muralha a Norte cedeu e por esse espaço surgiam os homens de Orgutt.
Era apenas a primeira vaga e surgiram tão confiantes na vitória que desconhecedores dos postigos secretos se expuseram às primeiras flechas dos besteiros.
Aproveitando a desorganização ofensiva do opositor, Jong Rasmen escondeu o jovem ferido atrás de uns montes de madeira, fruto de uma parca habitação que desmoronara, e oculto por uma viga de pedra, serviu-se do seu arco,  atingindo mortalmente vários oponentes .
Sabia que não aguentaria ali muito tempo e começara agora a perceber que era impossível de assegurar a defesa do Planalto. Sem remorsos, abandonou o seu local, levou ao colo o jovem ferido e dirigiu-se para a saída secreta da cidade sem conseguir contudo voltar a olhar para trás.
Alguns bons metros à frente, Rasmen ganhou a coragem necessária, pousou o jovem no chão, sentou-se à sombra de uma árvore e viu, por entre lágrimas a bandeira de Orgutt a subir.
Borren caíra e só lhe restava comunicar a queda a Leopoldo II.


Mais informação auxiliar aqui :
http://rabiscosdealma.blogspot.pt/2015/09/a-saga-de-arkhan-pretorius-capitulo-1.html







1 comentário:

  1. Os Deuses falaram mas os Homens esquecem-se de ouvir o que lhes sussurra o destino... As tuas batalhas sempre empolgantes e tão visuais!

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