sábado, 30 de julho de 2016

A Saga de Arkhan - Livro 2 - Ischtfall - Capítulo 7



Era uma vez, uma história que podia ter sido mais que isso,
mas que se resumiu a algumas linhas de duas histórias diferentes,
com duas leituras distintas, de palavras extintas pelas folhas amarelecida

Inês Dunas : Dos Fracos não reza a história
http://librisscriptaest.blogspot.pt/2013/08/dos-fracos-nao-reza-historia.html





Intrigas

Assim que a sua presença foi dispensada pelo soberano, Rutter o conselheiro de Leopoldo II, caminhou nervosamente pelo grosso pavimento do palácio de Ischtfall, em movimentos abrutalhados,  num modo pouco consentâneo com a postura habitualmente serena e formal do conselheiro, segundo ele paladino das boas maneiras palacianas. Mas o tempo escasseava e ele que sempre fora um jogador, um homem que aproveitava todas as ocorrências ou factos para poder capitalizar estatuto e cair em graça junto das forças dominantes no palácio, não poderia ficar sem fazer nada desta vez.
Não sabendo ainda que bicho mordera Leopoldo II e assustado pelo seu comportamento na sala do trono, o conselheiro precisava de se mexer. De facto, já era mau o rei de dispensar os Estados Gerais e de não ouvir os Nobres, mas substituir os Nobres, gente fiel a Ischtfall por sabe-se lá quem, não lembrava nem ao anterior soberano nos picos da demência da doença. Não! Não seria um capricho idiota do rei a colocá-lo em cheque perante os nobres e a destruir o que a custo capitalizara.
Afinal tinha sido escolhido a dedo por Leopoldo I já na recta final do seu reinado e desde então colocara-se estrategicamente junto da segunda classe dominante, a Nobreza deixando transparecer que era o braço direito do rei, com grande capacidade de influência o que de facto até era verdade, dada a doença do soberano.
Mas o magro sujeito já percebera que com Leopoldo II teria de ficar atento, teria de ser ainda mais estratega e sobretudo teria de recorrer a todas as vias de contactos e conhecimentos de forma a manter a sua rede de informações sempre disponível e actualizada e isso não só lhe dava imenso trabalho, como lhe custava imenso dinheiro. Havia dentro do palácio os informantes baratos, gente baixa que até poderiam ser alguém mas que vendia as informações por duas moedas e Às vezes até de graça e os outros, concorrentes dele que perceberam tão bem quanto o conselheiro que informação é poder.
Rutter não tinha a sede do poder, antes preferia ficar na sombra, mas exigia para si veneração e respeito, de preferência respeito e consideração da classe nobre, ignorando por completos os serviçais , a tal gente inferior como ele as catalogara. Por outro lado, o conselheiro sabia perfeitamente que não poderia ficar catalogado com a nobreza se queria usar a falsa discrição junto do rei. Para todos os efeitos o rei precisava de acreditar na sua independência aos nobres e na sua total isenção em relação ás coisas do reino, mesmo no que à rainha diga respeito.
De costas curvadas Rutter acercou-se da ala nobre do palácio, onde por disposição real, os nobres do reino tinham direito a se reunirem e a ocuparem como bem entendessem essa parte do palácio e aguardou pacientemente que as duas serviçais se retirassem com as sobras de Lissiven ( bebida de mel e hortelã destilada fabricada pelo povo da Montanha) e olhando em volta, como para se certificar de que efectivamente poderia falar à vontade, acercou-se de Lord Palacius, tido pela alta esfera do reino  como o nobre mais influente, mais astuto e mais culto :
-Bons olhos o vejam senhor Rutter. Contai que alvíssaras trazeis do nosso bom rei!
O sujeito sorriu desconfortavelmente, acercando-se o mais que pode da pesada cadeira de pinho do nobre e não se intimidando com o tamanho obsesso de Lord Palacius, segredou-lhe o mais perto que pode do ouvido:
-Meu senhor, desculpe esta informalidade mas creio que deveria falar consigo primeiro, antes de comunicar o que trago aos restantes presentes.
-Tolice homem. - ripostou o pesado nobre sacudindo-o com o braço - Falai para todos nós. Bem sabeis que aqui dentro somos todos família, ou achais que os restantes não serão dignos das vossas palavras? - Inquiriu o nobre de sobrolho erguido.
-De todo meu senhor, é que para falar a verdade, nem sei como colocar as coisas que ouvi.
-Eh lá, que temos intriga. - Cortou sarcasticamente o nobre de bigode fino e testa curta, sentado perto dos dois.
-Não direi tanto. Apenas tenho de reportar algo estranho.
-Pois então queira fazer o favor...- Convidou Lord Palacius, num tom de impaciência.
-O que trago é grave, - Rutter não conseguia sair do seu modo teatral e formal-Bem sabeis que Orgutt está em guerra com as cidades vizinhas!
-Sabemos. - Ripostou o obeso nobre cada vez mais impaciente.
-Pois bem, mas agora Orgutt está a avançar por Arkhan. Borren caiu!
-Borren caiu? - O espanto atingiu todos os presentes que repetiram quase em uníssono.
-Sim. O rei acabou de saber a notícia.
-Por Ischtfall, vamos já apresentar espadas ao rei. - Bradou o nobre de bigode fino, erguendo-se de pronto.
-Calma amigo Frund. Creio que é por isso que Rutter está aqui e não um lacaio qualquer. Algo me diz que o rei não nos convocou.
O conselheiro real terrivelmente desconfortável e temendo a ira dos lords anuiu com a cabeça, enquanto procurava uma forma de ainda reverter a situação a seu favor:
-Creio que uma vez tem razão Lord Palacius. O nosso rei, perante um iminente ataque a Ischtfall socorreu-se da presença de um qualquer capitão ou tenente ou lá o que é de Borren. Um sobrevivente penso, entregando-lhe o comando da nossa defesa.
-O quê? Mas pelos deuses da Guerra e da Misericórdia, que raio está a querer dizer? - O obsesso Lord, afagava nervosamente a barba comprida sem desviar o olhar furioso do magro conselheiro.
-Segundo o nosso bom rei, o forasteiro possui já um conhecimento sobre o nosso adversário e as suas tácticas de guerra e a experiência adquirida no confronto de Borren poderá ser útil à nossa defesa.
O conselheiro resolveu omitir o aparte de Borren ter caído em poucas horas e da presença quase garantida de catapultas:
-Temos os melhores arqueiros de Arkhan, temos a melhor infantaria de todo o Mundo Conhecido e pelos Deuses temos os melhores estrategas...Porque decidiu o rei entregar a esse forasteiro a defesa?
O tempo escasseava e o conselheiro sentia-se a diminuir de importância perante a assistência:
-Haverá no entanto um lugar vago para General, que segundo creio Leopoldo II entregará a alguém da sua preferência e com competência para tal.- Apressou-se ele a responder de forma a "colocar gelo" na ira dos nobres.
-E quem será esse homem? - Sondou Palacius.
-Desconheço. No entanto transmiti ao nosso soberano o nome de quem devia ser nomeado e obviamente pensei em si Lord Palacius.
O nobre não se mostrou rogado ou convencido. Rutter sabia que ele não era homem de acção, mas de estratega, optando sempre por ficar no seu canto a elaborar mapas militares e a só abandonar a sua zona de conforto se a situação não envolvesse qualquer risco de confronto físico:
-Pare lá com a bajulação gratuita conselheiro! É de interesse vital para todo o reino que seja Sigur Frund a ocupar esse lugar.
-Oh com certeza meu Lord. Eu só...
A porta abriu-se com algum estrondo dando entrada a um jovem de calções e espada de madeira na mão. Entrara repentinamente e com a mestria de quem o fazia habitualmente:
-Percival, que fazeis aqui?- Ralhou Lord Palacius.
-Perdão meu pai. Eu só queria saber se poderei ter as aulas de esgrima mais cedo?
-Esqueça a esgrima por hoje. Vá, retire-se que a sua habitual má educação já se torna crónica.
O miúdo envergonhado pela "descasca", encolheu os ombros, embainhou a espada de madeira na bainha de pano presa à cintura e fechou a porta, não sem soltar primeiros duas lágrimas:
Recuperando o seu tom de voz mais calmo, Palacius levantou-se lentamente, convidando com a mão os presentes a aproximarem-se mais da pequena mesa ao centro e colocando a mão no ombro do conselheiro, numa atitude de falsa intimidade, como para o intimidar, retomou:
-Fazei ver ao rei que jamais um nobre de Ischtfall seguirá os conselhos, sugestões ou ordens de um forasteiro e fazei igualmente ver ao nosso soberano que estamos ao corrente das notícias e que estamos perfeitamente irritados por não terem sido convocados os Estados Gerais. Fazei isso e poderei no entanto dar a entender ao nosso soberano que a nossa ordem não tolerará esta pequena afronta, a menos claro está que Leopoldo II tenha o bom senso de nos ouvir e voltar atrás na decisão.
-Mas meu Lord não vos preocupeis. - Sussurrou o conselheiro já em desespero. - Por um lado até é bom que um dos generais seja o forasteiro!
-Que dizeis? - Bradou o nobre Frund.
-Claro. Se o senhor Frund comandar a nossa defesa junto com o forasteiro, o irá fazer com a sua habitual destreza e o rei verá que agiu mal, até porque sairemos vitoriosos e pagará esse equívoco para sempre.
- Não está mal pensado. Transmiti o que eu lhe pedi ao nosso rei. Aguardaremos a posição de sua majestade.
O conselheiro despediu-se cerimoniosamente com uma vénia e saiu pouco confortado com as palavras do líder da Nobreza.
Na sala, após a saída do conselheiro, Palacius foi prático no que sentenciou aos seus:
-Este fuínha está pelo rei apenas. Não podemos confiar nele. Ou o forasteiro sai da equação ou teremos de agir.
Um silêncio momentâneo instalou-se na pequena sala enquanto os presentes olhavam intrigados para o seu líder. Foi o nobre mais alto e calvo da sala quem inquiriu:
-Agir senhor?
-Sim. Infelizmente teremos de ter um plano acessório, no caso de as coisas se complicarem.
-No caso da nossa ajuda não ser solicitada. - Traduziu o nobre Frund alisando o bigode.
-Precisamente. já bastou não nos ouvir, mas ter a audácia de sequer se imaginar um combate feroz em que se arrisca o nosso reino, sem a nossa presença ultrapassa tudo o que possamos imaginar.
-Pode ser que o rei mude de opinião. - Opinou o sjeito calvo.
-Duvido Sir Grudsenn. Teremos de envolver a rainha no nosso plano.- Palacius estava cada vez mais taciturno.
-Mas o rei não ouve a rainha! .
-É certo que não, mas nem precisa de ouvir caro Grudsenn. No entanto se a rainha piorar o rei não terá cabeça para a defesa do reino e incubirá o conselheiro de o fazer.
-E ele então passará as rédeas da defesa do reino a nós.
-Obviamente. - Palacius voltou a sentar-se pesadamente.
-Mas como adoecerá a rainha?
Pela primeira vez nessa tarde o obeso lord riu e acalmou os presentes:
-Calma. Isso será preocupação minha. Para já tratem de saber quem é esse forasteiro e averigúem onde ele está instalado. Creio que lhe teremos de fazer uma visita quanto antes.
-Por Ischtfall assim seja!
Um clima de confiança instalou-se no seio dos presentes, tão confiantes e moralizados com o seu plano que não perceberam a presença do pequeno vulto junto à porta semi-aberta.
Palacius e os seus companheiros nobres deveriam saber que um palácio tem muitos olhos e o dobro dos ouvidos....






1 comentário:

  1. Palacius e os seus companheiros nobres deveriam saber que um palácio tem muitos olhos e o dobro dos ouvidos....
    E ainda a procissão vai no adro!!! :))))

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