quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Poderosa Perversão - Capítulo 6



Deus porém nunca teve mãos,
só Amor e nunca o soube explicar
e deu cores aos Homens como deu cores aos pássaros,
mas os Homens não voam e magoam as aves…

Inês Dunas : ADeus
http://librisscriptaest.blogspot.pt/2015/11/adeus.html




PORQUE VOAM AS BORBOLETAS ?


Jorge era por natureza um homem de poucos escrúpulos e maldizente de tudo aquilo que não conseguia compreender ou alcançar. A vida segundo ele tinha-lhe sido madrasta, mas no entanto talvez o modo como a vida correra até aí se devesse à sua cabeça e às suas decisões. Se a vida é por natureza própria feita de escolhas, de caminhos e de desafios será sempre por nossa culpa que os mesmos não serão alcançados ou quando muito desviados.
O professor tinha no entanto tudo para ter uma vida diferente. Filho único de boas famílias, lá para os lados de Sintra, bem relacionado e aparentemente com margem de folga parental para usufruir da sua liberdade total em adolescente.
Curtiu a escola secundária, como quem curte um ambiente no bar mais badalado da cidade. Vivia para segundo ele aproveitar tudo o que de bom o Universo lhe dava e na cabeça dele a escola não fazia parte desse universo. Praia, surf, noitadas, bebedeiras, alguns charros, motas potentes, alguns acidentes não graves e algures por aqui ele se perdeu, ou então foi Deus quem desistiu dele, na opinião da sua avó paterna, também ela avessa a perder tempo com o plástico Jorge.
No seu cada vez mais curto círculo de amigos, era comentado, criticado e acima de tudo odiado, ainda que a posição social da família, compensasse as suas atitudes e os mais interessados ( ou direi interesseiros), já faziam o possível para o evitar.
Nunca foi Líder, (embora vezes sem conta o tentasse), nunca foi cativante, (embora sacudisse diante dos olhos dos presentes as notas de euros) e sobretudo nunca foi importante na vida de alguém, (embora ele afirmasse com todas as letras 
Porém se na cabeça de Jorge, desde a infância materializou que regras eram apenas um conjunto de dizeres obsoletos impostos aos outros, aos carneirinhos como ele gostava de os chamar, adquiriam no entanto importância quando era ele a ditar as suas leis, qual xerife numa localidade sitiada, sem contemplações ou segundas chances.
Assim que lentamente desde a juventude o continente de oportunidades em que ele se pudesse tornar, foi reduzindo de importância e valor intrínseco até se tornar uma pequena ilha, sozinho e isolado no seu mundo de fantasia, cercado de água inquinada que lhe toldavam os movimentos e a mente. Passou assim a ser refém dos outros, carente de atenção e ciente do falso respeito que impunha e passou então a ter os seus desejos negros. As mulheres tornavam-se cada vez mais descartáveis, dado que as que ainda se mantinham em seu redor apenas desejavam permanecer num mundo ilusório de charme e champanhe e isso fez com que na cabeça adolescente do insosso Jorge Ferreira as mulheres fossem na sua génese frágeis, interesseiras e sem vontade própria e prontamente começou a perder o interesse em conquistas que saberia à priori serem supérfluas.
Jorge gostava de poder, gostava de mandar, gostava de ditar as suas regras e como não se imaginava a trabalhar como empregado para outrem, optou pela carreira de professor, onde na cabeça dele poderia manter a sua ditadura, impor as suas vontades e acima de tudo sair daquela ilha de alma onde se tornara prisioneiro. E foi sensivelmente por esta altura que os problemas começaram a sério na vida do agora professor. Inexplicavelmente surgiu na sua mente que na faixa etária a que dava aulas, poderia moldar a cabeça dos seus alunos, torná-los de certa forma à sua imagem e semelhança ou quiçá imbuir-lhes o espírito dos seus ensinamentos ou ainda até quem sabe ser o mestre e formar os seus discípulos para a dura realidade da vida.
No entanto, uma vez mais, o destino mostrou ser cruel para com as suas aspirações, pois os seus alunos não só o tinham em baixa estima, como catalogavam entre eles as suas aulas de Português como uma valente seca, talvez facilmente explicável pela total ausência de paixão do professor sobre a matéria ou conteúdo leccionado. Ele  que na sua adolescência  satirizara o poder reinante na escola, faltara mais do que assistira, justificando esses contínuos actos com assinaturas do encarregado de educação na figura de seu pai, forjadas com bastante mestria e que criticava os outros que à escola e ao estudo se dedicassem, queria agora à viva força que todos sem excepção se mostrassem sequiosos de aprender e que nunca faltassem, pelo menos às suas aulas.
Assim que lentamente foi abandonando a frágil ideia de ser mestre e no entanto outro pensamento se acercou da sua mente: Ao contrário das mulheres adultas que sempre o rodeavam sedentas das melhores coisas que as posses materiais dele pudessem dar, as suas alunas de catorze, quinze e dezasseis anos assumiam-se agora à sua retorcida mente como ideais para o seu intento prazeroso.
Uma vez mais Jorge se iludiu, trapaceado pela sua exagerada auto-estima e desmesurado ego. As jovens podiam de facto, sucumbir a prendas e melhorias inexplicáveis de notas, mas estavam longe de querer ou ter interesse em viver no mundo dele ou do que ele tivesse para lhes ensinar. Mas Jorge achara que tais jovens eram no fundo borboletas prontas a voar, a conhecer o mundo longe da alçada disciplinar dos pais, prontas, segundo o que avançara à dias ao seu barbeiro, a serem guiadas e protegidas pelo menos enquanto a cor das suas asas não perdesse o brilho. Eram no fundo, pequenas e inocentes borboletas a aprenderem a voar num turbilhão inocente sob a sua alçada e ele era o senhor das borboletas, talvez um feiticeiro de ilusões e magias inexplicáveis ao espírito das jovens borboletas.
Seguindo o seu plano, saiu apressadamente de casa dos pais, uma luxuosa vivenda situada na linha de Cascais, mudando-se para o centro de Lisboa, num T2 com bastante conforto pago a pronto com um dos cheques do papá, baralhado por tão repentina mudança.
Assegurou-se contudo que o apartamento não ficava muito distante das principais escolas ( para evitar os pais de trazerem e levarem os jovens), mas recatado o suficiente dos olhares dos outros mortais, da gentinha que jamais perceberia o que realmente ele queria fazer.
Prontamente continuou com o seu plano, avançando para a segunda fase do plano na qual se  dedicou a analisar as potenciais borboletas que pudessem integrar a sua colecção. Estudava-as secretamente nas aulas, tentando compreender o que as movia, os seus interesses e os seus pontos fracos. para além disso, na terceira fase do plano e uma vez que enquanto docente tinha acesso privilegiado a toda e qualquer informação sobre os seus alunos, estudava-as em função da zona onde residiam, podendo mesmo em certos casos conseguir o número de contacto dos pais. Posteriormente avançaria a terceira fase do plano, em que baixaria surpreendentemente as notas escolares dos seus alvos e ligaria preocupado aos pais, oferecendo a sua ajuda enquanto explicador para que a jovem voltasse a subir as notas e assim seria visto aos olhos paternais das adolescentes como o salvador, onde aumentaria as horas de explicação e a gratidão dos pais e quando a jovem se desse conta, estava literalmente presa na rede de borboletas de Jorge caído em boa conta perante os progenitores das jovens.
Para ser caçador de borboletas precisava  não só de tempo, de paciência, de mestria mas também de bastante cuidado, uma vez que fosse provável que no processo pudesse haver acidentes ou imprevistos que fossem necessários resolver. 
Havia contudo um denominador comum entre as suas vítimas; Todas elas teriam de ser financeiramente carentes, facilmente influenciáveis e terem a auto-estima baixa. Por outro lado era para ele vital elas tivessem igualmente preocupações escolares ou pelo menos a perseguição dos pais às boas notas.
Mas mesmo até no melhor plano, algo corre mal e foi precisamente isso que sucedeu ao professor. Após anos e anos de abusos e alguns sobressaltos, um dia deparou-se com um terrível erro de cálculo no processo. Avaliara mal a situação de uma das suas recentes borboletas  e não só ela lhe resistira aos avanços, como resolvera voar da sua alçada, disposta a contar o que sofrera, o que vira e o que gravara com o telemóvel. Pior, a jovem ousara mencionar a plenos pulmões, na sua própria casa que havia uma amiga pronta a colocar toda a informação ( que Jorge não sabia ao certo qual fosse) no Youtube caso o professor ( a agora atente-se bem no modo como a pequena borboleta queria voar), não se demitisse.
A fúria descontrolou-se dentro do professor que sem perceber ao certo como, se viu com a garganta da petiz na sua mão grossa  para posteriormente ficar a observar em silêncio o modo como o corpo sem vida escorregava lentamente pela parede.
O professor livrou-se peremptoriamente do corpo, apressou-se a apresentar uma baixa médica por tempo indeterminado e a tirar um ano sabático em Espanha, sempre atento ao youtube, notícias e facebook, até se convencer de que a jovem inventara a figura da amiga e retomar por fim à sua caça de borboletas.
E agora inexplicavelmente o texto que ajudara essa infeliz a escrever para uma prova intermédia surgia agora nas mãos de outra infeliz. Uma pobre criatura, uma lagarta que nunca ascendera a borboleta e que seria lentamente e angustiantemente espezinhada por ele, até ao último suspiro.
Jorge chegava agora ao seu remodelado apartamento, fingiu não ver o carro serenamente estacionado à sua porta, serviu-se de uma cerveja gelada e sentou-se nervosamente no cadeirão de madeira, forrado a veludo verde.
Tinha a polícia desconfiada dele, mas era vital que se livrasse daquela ameaça e que se certificasse de tudo o que de incriminatório ela pudesse ter a seu respeito e só o conseguiria fazer, tendo acesso à casa dela, ao quarto dela sem testemunhas.
Assobiando uma melodia dos Depeche Mode , o professor pegou no seu velho canivete suíço, assegurou-se que as persianas estavam fechadas, abriu o tampo falso da parede onde guardava as suas ferramentas e preparou-se para uma visita nocturna.
Ah, pensou ele atarefado, porque voam as borboletas da sua aura, quando ele as satisfaz e lhes proporciona tudo o que na teoria precisariam.


1 comentário:

  1. Hummmm macabro... Um psicopata molestador e pedófilo... Porém deposito fé na borboleta ainda que em fase lagarta, gosto muito de borboletas, acho-as sempre surpreendentes! Beijinho em ti!

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