quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Lápide - Capítulo 13







O Amor não é um corpo que nos chama na cama,
não é ter compatibilidade ou a harmonia da empatia .
O Amor esventra-nos,
 dilacera-nos,
 morde-nos a alma,
não se acalma com nada.

Inês Dunas: O Amor não tira senha na Segurança Social...



"Antes isso que chegar lume e deixar arder"


Abro as  janelas de par em par, deixando entrar oxigénio,  pólen, poeira e tudo o mais que o tempo e o vento trouxerem. Anunciam períodos de chuva, o que não sendo propriamente raro neste país, é sempre uma condição chata e peculiar. Pois que entre a chuva também, que inunde, que encharque e que devore esta habitação, este mausoléu de dor, um santo sepulcro conspurcado por lágrimas de passado não muito remoto.
Tu olhas-me com esse ar de incredulidade, ainda às voltas com a falta da mala, que eu obviamente não comprei, mas também não te disse o porquê. Como poderia eu dizer que acabara de ver e falar com um fantasma, vulto já sem cor nem sabor de uma outra vida acabada há semanas atrás e oficializada hoje. Interrompi-te o discurso, as indagações e a perplexidade e dei aos teus lábios o bálsamo devido da minha boca, a língua que cantará odes em tua homenagem e que agora invade os recantos majestosos dessa tua boca que constrói as verdades mais Universais em tempos de incertezas.  Vá, vamos embora de vez. Abandonemos esta casa, sussurrei-te eu ao ouvido num suspiro mental, mas não sem antes nos despedirmos de tal vil sepulcro. Calemos a morte do tempo que passou e celebremos a vida pulsante dos minutos, horas e séculos que nos aguardam. Vamos celebrar  a subida à eternidade como os Romanos celebravam na glória da batalha vencedora. Arranco-te a folha de papel amarela por mim escrita, igual a tantas outras que espalhei pela freguesia a anunciar leilão de recheio, com a morada certinha e o dia marcado. Deixemos esta questão pois estes bens são meus ainda, bem literalmente metade deles serão e já não quero saber de metades, já sonho com o Uno, a mágica unidade de nós dois num só futuro.
Vem bela ninfa, pede-me que me venha no teu colo, em espasmos de prazer efervescente. Pede que manche, que te inunde, que te marque o senhor teu colo e se crie uma nova devoção, beatificação de meu sexo pulsante. Segura-o com a mesma firmeza com que abrias a minha porta de casa de manhã. E observa o contorcionismo próprio de um pedaço de carne quente enquanto extensão máxima do teu,meu ...nosso desejo. Beija-o e prova-o num beijo aspirante a sucção momentânea, deixa que o fruto da tesão, vertida em sémen de branco imaculado te percorra a boca, fecundando o palato e cobrir a língua. Duas voltas até o soltares, para que te marque o queixo e morra na descida para seios. O amor não é isto, isto é perversidade, imoralidade, trauma, desequilíbrio, emoção, momento...Mas talvez o amor não sendo isto, se manifeste neste prolongamento de meu corpo, de carne esvaída em desejo na boca que aprendi a amar e a desejar.
Ouço os teus passos incertos em direcção ao carro. Estrategicamente nesse teu jeito único de ser, deixas-me a sós para qualquer despedida que eu pudesse fazer, para um último pensamento, talvez um último lamento. Mas eu sorrio de prazer. Abro as portadas das janelas de para em par, abro as gavetas dos móveis do quarto de par em par e parto para o carro, para a tua beira, sem fechar a porta. "Antes isso que chegar lume e deixar arder" era o chavão proferido pela minha Ex sempre que algo corria mal. 
Entro no carro, a estrada negra de alcatrão nos espera, tu sorris esperançada. Que se dane a mala, não levo nada, vou nu, sou rei da loucura e por decreto real posso ir nu, desfilar na passadeira invisível dos olhares que eu não verei, mouco dos comentários tinhosos de uma vizinhança que jamais verei e livre, livre para te ter enquanto tiver vigor, enquanto tiver ardor e enquanto tiver amor, esta coisa ardente que me explode no peito em tremores de vulcão renascido, este amor que me havia fugido, soterrado nas rotinas de passos e sorrisos perdidos....Como eu estive tantos anos sem sentir isto? Como eu estive tanto tempo alheado da felicidade transbordante de sentir falta de alguém a todo o momento, mesmo quando esse alguém dorme a meu lado. Tenho medo de ter perder e essa é a mais pura verdade. Tenho igualmente medo de te ver envelhecer, não por te estar a ver a definhar mas porque cada dia que passe é mais um dia que o tempo roubará os teus lábios do meu corpo e quando já não houver forças para um beijo, que me deite ao lado do teu olhar e reviva contigo todas as emoções que empolaram nestes novos dias.
O roncar do motor levava-nos assim para o nosso refúgio, o nosso canto idílico, a nossa nova vida, feita no embalo do teu regresso. Sim querida este é o meu grande plano. levar-te ao Norte, devolver-te às tuas raízes, deixar-te beber o vinho de sangue familiar, apaziguar os mal entendidos e por fim voltares a sorrir no sítio onde sempre deverias ter estado. No nosso lar, no meu colo, mas junto dos teus.
Foi sensivelmente a meio da viagem que tu percebeste as minhas reais intenções e uma vez mais os teus olhos brilharam, como um clarão de dois faróis em dias de nevoeiro cerrado. Como o tinha feito? Quando tinha eu congeminado tal plano? Porque não a consultara previamente? Perguntas que tu formulavas na tua mente mas não as dizias e contudo eu lia nos teus  olhos essas questões. Entrava na tua mente e saltava a corda com estas tuas questões e rebolava no chão do teu lóbulo parietal, estendendo-me ao comprido no lóbulo frontal, misturando as tuas emoções e o raciocínio e saía para assistir divertido  à tua sensação de perdida.
Simples, respondi eu como se tivesses realmente formulado as questões...Improvisei! Assim sendo cara preciosidade da minha nova vida, não há hotel marcado, não há qualquer contacto, não sei ao certo como vai ser, mas há apenas este maço de notas no bolso e uma vontade enorme de te aprisionar a uma cama e me perder em ti durante muitas e muitas horas.
No fundo, talvez esteja a ser parvo. Talvez tenha deixado a casa saqueada por qualquer vândalo que resolveu entrar, talvez tivesse agido com mais ponderação, talvez tivesse tido mais juízo, talvez tivesse te contado o meu plano, talvez te tivesse sugerido que ligasses a teus pais, talvez tivesse ficado....
Soltei uma gargalhada bem audível, acenei a cabeça e piscando-te o olho, confidenciei-te, enquanto a minha mão livre subia na tua perna:

" Antes isto que chegar lume e deixar arder"

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