quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Lápide- Capítulo 12








A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida."

  Vinicius de Morais



Lambe-me o sal do suor inglório
Chupa-me as lágrimas de derrotas vertidas
E ergue-me ao colo, em promessas sentidas
Carpe Diem no resto dos nossos dias

Loucura de risos suspeitos
e beijos a despeito...
em tapetes de jasmim cuspido.

E de tudo o mais

Que ao corpo faça bom proveito!





O CONFRONTO




Sabes Maria gosto do cheiro com que me brindas todas as manhã. Gosto de te sentir ao meu lado, o te corpo quente, a tua pele macia mas com as marcas de idade, as imperfeições na tua barriga de pneuzinho a surgir. Gosto do teu respirar ao meu ouvido, como melodia de Led Zepellin e amo as tuas mãos na minha cara, no meu pescoço, no meu peito. Derreto-me sobretudo quando as metes por baixo da camisa de pijama e sinto os teus dedos a brincarem com os pelos do meu peito. Maria doce Maria. Sabes Maria gosto do cheiro com que me brindas todas as manhã.  Enquanto passo as costas das mãos na tua face sempre tão serena, sempre tão brilhante e fico a ver-te caminhar pelo chão do quarto, coo uma deusa, a minha deusa Maria doce Maria! 
Uma amiga minha disse uma vez que o amor era um relógio de cuco cansado e de certa forma ri ante a analogia deliciosa de algo tão efémero que nos pula cá dentro, como o brinde preferido numa caixa de cereais, ou o super brinquedo num Kinder surpresa. Se o coração é a máquina do corpo humano, então a nível sentimental o meu deixou de ser Ferrari, para ser um amontoado de peças de lata velha agrupado, como atraído por um íman do desastre, do caos e do desespero. Achamos na nossa soberania empírica de donos das coisas que a felicidade é um direito adquirido à nascença, que é naturalmente nossa por direito e que tolo é aquele que se recusa a ser feliz. Temos mesmo o direito de sermos felizes ou será antes um dever que nos é delegado à nascença por uma entidade cósmica e maliciosa crente que vai surgir despiste a qualquer momento?
No fundo tratamos o amor como uma pastilha elástica de mentol que cuspimos no chão do desprezo assim que o açúcar e o paladar acaba e o nosso palato fica farto daquilo. 
Na  verdade nunca estamos satisfeitos, porque para nós homens a satisfação conseguida e atingida traz o fim das conquistas e dos prazeres surdos e secretos. Com o passar dos tempos, trocamos a paixão, essa loucura de viver,  por regras de convivência perdendo a genialidade de sermos capazes de surpreender, de sermos o rei no nosso quintal e o bobo da corte nos momentos intensos. 
A Terra deixa então de ser aquela bola colorida que gira e gira, cheia de seres mágicos e quase mitológicos para passar a ser plana, um visor de GPS 3D na rotina da vida.
Cada vez me convenço mais que os homens Lusos são efectivamente Apostólicos Romanos, pois tal como os Romanos  na antiguidade acreditam em várias deusas e ocupam a mente com bacanais romanos, enquanto aguardam com algum receio o surgimento do mesias e seus apóstolos para voltarem a colocar os elmos e lutarem por aquilo que os apóstolos lhes dizem que vale a pena lutar...Até que o enfado regresse.
E depois temos o sacana do Destino sempre disposto a aprontar das suas. No momento em que já declamava mentalmente o meu amor por Maria, eis que me volta a mente ainda a tua presença estúpida Laura.
Quis o acaso tonta ex-esposa que a minha heroína de trazer por casa e aconchegada nos lençóis que já foram nossos me recordou, na eminência da aventura que iria começar, que necessitaria de uma mala, uma pequena mala que senhora que se preze não viaja sem bolsa, mala e mochila, nem que fosse só até à localidade mais próxima e assim fui para a chuva, saltimbanco de poças de chuva, sapateando como Fred Astaire sem Ginger Rogers por entre as calçadas molhadas, esperançado em não me espalhar ao comprido. Agora mais do que nunca, nada me poderia suceder mas tinha que correr e correr. Enerva-me estes últimos pormenores que têm de ser resolvidos quando tudo o que queria era estar a arrepiar caminho.
Lembrei-me da loja ao fundo da avenida onde tu estúpida criatura compraste as malas para o Erasmos do puto e aqui estava eu de carteira em punho, a sacrificar mais alguns euros em coisa desnecessária, que por mim se atirava a roupa para a mala do carro e ala que se faz tarde.
Foi quando te vi no centro da loja, caminhavas serena e de sorriso rasgado, de calças de ganga e camisola de gola alta e aquelas botas de cano alto imensas que sempre fazias questão de usar, mastelando o nosso soalho como uma festarola de trovões, ias de braço dado com ele, o infeliz canalha que te levou, que te arrancou dos meus braços e da nossa casa. Tremi, não sei se da raiva de te ver a sorrir ou se foi do ar de feliz do canalha, qual pescador regressado do mar com o maior caviar do mundo nos braços. Temi, naqueles segundos seguintes fazer uma cena, erguer as minhas penas de pavão e cantar de galo guerreiro ou investir de cabeça como um touro, agora que tu estúpida ex-esposa me adornaste a testa, sobre a pobre criatura, mas ao invés disso contemplei o meu rosto no vidro da porta da loja e notei que sorria. Não se pode enganar a alma.
Dei por mim a rodar os calcanhares e caminhar serenamente na tua presença, lançar-te o meu mais sincero e feliz sorriso e tu que tremias e hesitavas, como se buscasses as palavras que a tua boca escondia na língua que te travava. Este é o Jean Paul, não sei se conheces, chefe de cozinha, como? Ah sim, conheci-o no workshop de culinária vegetariana. Lembras-te? Sim, aquele mesmo em que fiz questão que tu viesses e tu disseste que eras carnívoro...Sussurraste tu com medo não sei de quê! E pois sim, que cumprimentei o encolhido Paul de mão flácida ante o meu vigor e a súbita vontade de lhe dar um beijo na face, não só por me ter permitido descobrir a Maria e um novo recomeço ou por ao estilo mafioso Chicago anos 30, ser o beijo de despedida do padrinho, uma espécie de prenúncio de morte. Na verdade, pensei eu meio divertido, não o queria marcar de morte ou a fazer qualquer ameaça velada pois já me bastava o sossego de saber que após a primavera da relação deles e quando as andorinhas retornarem para outro calor, o inverno virá e ele verá a companheira com o mesmo enfado que eu a vi. Ou será que o Jean Paul chefe de cuizine vegetariano se apaixonará por outra febra?
Perdi vinte minutos a falar com o cada vez mais encolhido mestre das beringelas e afins, enquanto observava deliciado o teu ar de estupefacção. Saboreei cada minuto do nosso encontro que ainda perdido no éter do teu desconforto, vos arrastei para um café rápido e fiz todo o meu circo de prazer e risos e sorrisos, mas desta vez genuínos que me saiam sem esforço. Observei durante a conversa, as coisas que deixaste no WC esquecidas e confidenciei-te ter usado a tua camisa de dormir para limpar as manchas de whiskey que havia entornado nos primeiros dias. Pedi desculpa por ter deitado ao lixo a tua escova de dentes. Tu espantada não falavas, rias num misto de receio que tivesse enlouquecido ou só a ser cínico sem te dares conta que estava apenas a expurgar o que restava de ti no meu ser. Sim, defunta Leonor, menti ao afirmar que mudara a fechadura mas que daí a dois dias te deixaria a chave debaixo do tapete pois iria viajar e voltaria dentro de poucos meses. E os anos do nosso filho? Perguntas-te tu ainda atarantada. Ele que os festejasse numa party de arromba com stripers e tudo, mas infelizmente não iria estar contactável. Aliás já não estaria mais disponível, avancei eu de pronto enquanto fazia questão de pagar aqueles dois míseros cafés e o teu descafeinado. Assim que saísse da porta do café, que ela me desculpasse mas deixaria de estar contactável. Como? Não já não usava o mesmo número de telemóvel, nem tão pouco usava telemóvel, mas com certeza o destino se encarregaria de promover tão doce encontro nos próximos anos. Em despedida , mesmo segundos antes de te voltar as costas para sempre te falei da Maria, a Maria convertida ao meu catolicismo na igreja dos meus últimos dias.
E regressei a um lar que já foi nosso, sem mala para amostra, mas com uma vontade enorme de ser feliz.

















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