Os meus dias monótonos de névoas secas
esperam, sem surpresa, a morte anunciada…
Nunca fiz falta ao mundo,
mas o mundo dela faz-me falta…
Inês Dunas
LÁPIDE
Os beijos que constantemente te roubava eram dobrões de ouro dos tempos dos piratas. Aqueles tesouros guardados secretamente em sacos de linho reforçados num baú de madeira, perdido na imensidão do tempo, enterrado no fundo da minha alma sofrida e no entanto cada novo beijo era diferente do anterior, numa colecção de pequenos recuerdos que amiúde me vinham à boca, como suspiros incontroláveis na força de te amar.
Sabes amor, aprendi muito desde que renasci nos teus braços e mais aprendo agora nesta nova realidade de mim. O tempo, esse vil canalha, passa agora devagar, segundo a segundo e os dias são mortalhas enfermas de dor e solidão em que carrego esta minha alma solitária.
Não me interpretes mal, Cara Mia não são choros ou amuos de infortúnio, apenas constatação da peregrinação dos meus dias.
é certo que durante uns tempos, logo após te perder naquele momento infeliz, que me castiguei, auto-flagelei e berrei como um pobre desalmado. Mentiria, doce criatura dos meus sonhos agora recentes, se dissesse não ter sentido remorsos de te ter largado, de não ter sido capaz, de...Perdão, mas ainda me custa falar disto. No entanto jurei que te poria a par de tudo, que falaria sempre contigo e jamais te esconderia algo, mas que queres? Dói ao recordar esse fatídico dia...
Se bem te recordas, aquela clausura horrível a que chamavas apartamento, algo que pessoalmente e como bem sabes nunca tive em boa conta e nunca gostei dele, seria o teu destino final, o teu sepulcro , o teu e nosso fim. Foi uma boa história...A mim me ensinaste as coisas simples da vida, me mostras-te como é possível amar incondicionalmente alguém e como é possível continuar a amar a memória desse alguém. Contigo, Ma chére me senti de novo útil, amado, querido e sobretudo homem, parceiro e companheiro.
Mas como podia esquecer, arrancar da mente esse dia em que tu, tendo uma consulta agendada no Hospital me pediste que te acompanhasse, ( como se precisasses de o fazer...) pois apesar de ser consulta rotina querias saborear o teu gelado favorito, no miradouro, contemplando o mar, antes de nos fazermos à estrada de regresso ao interior. Gostavas de ver o mar e adoravas colocar a cabeça no meu ombro enquanto te perdias em silêncio em contemplações solitárias, como se eu não estivesse ali, como se de certa forma aquele momento fosse só vosso...O mar e tu, numa partilha de silêncios e onde eu via ondas, tu vias grandeza e onde eu via espuma branca no morrer da onda, tu vias saliva de um beijo que o mar nunca te deu e ali ficávamos, horas em silêncio a repôr a bateria da tua alma e eu não me importava nem um pouco, entretido a fazer cornucópias com o teu cabelo, ou a invadir o teu decote com a mão marota ávida da tua carne.
Para ti a vida sempre foi uma dança, uma Valsa, um Bolero, bolas até mesmo um Tango, e os teus pés tão majestosos e perfeitos, desenhavam no solo os círculos perfeitos. Ah, como devias ter sido bailarina , de saltinhos na ponta dos pés, de movimentos correctos e sincronizados...E nesse dia tudo falhou.
Saímos à pressa, o teu braço no meu, falavas com calma, pausadamente de um sonho horrível que tiveras nessa noite e eu no meu jeito desengonçado de ser, à procura das chaves do carro, aflito por não as encontrar...Perdoa-me se não estava atento ao que dizias , mas sou homem e como tal sou incapaz de fazer duas ou três coisas ao mesmo tempo e então, não sei muito bem como explicar, estaquei e olhei para a porta de casa. Foram segundos, talvez uns dois minutos, juro-te que não mais que isso. Senti o teu braço a soltar-se do meu, ou teria sido eu a largá-lo, nervoso, levando a mão ao meu bolso, tacteando com a ponta dos dedos o interior à procura das malditas chaves ( onde as teria posto?) e ia dizer-te que esperasses um pouco, levantei os olhos, descias o primeiro degrau...Talvez tenha dito algo, talvez tenha murmurado alguma coisa que te fez rodopiar e girar sobre os calcanhares para me olhares ( bolas, porque sempre prestavas atenção ao que eu dizia?) e de repente a tua mão esticada, o teu grito...Ainda tentei alcançar a tua mão, juro que sim...isso recordo-me bem, estiquei-me todo, desejando prolongar o meu braço, contrariar as leis da física e a forma da anatomia humana ( como nos desenhos que fazia quando era petiz em, que o tamanho dos braços era directamente proporcional ao corpo todo) e segurar-te, puxar-te para mim, mas ao invés disso, permaneci estático a ver o teu corpo a cair pelas escadas de madeira ( porque eu não reagi? Porque eu não saltei ou corri?), nesses minutos de terror e subitamente tudo parou. O teu corpo, os teus gritos, os meus gritos...silêncio. Um pesado e abafado silêncio mortal a ecoar fortemente audível para todos os anjos e os meus primeiros passos, incrédulo a descer degrau a degrau, muito devagar, como que aguardando que a qualquer momento tu te levantasses, ou te sentasses e ririas de ti, de mim e de nós e dirias alguma piada sobre as minhas mãos de manteiga, gozando com o meu ar de terror...Sei lá, qualquer coisa.
Mas não...Os vizinhos, as pessoas, cabeças e mais cabeças, vozes que cortavam o espaço, o nosso espaço e eu não as ouvia. Não conseguia processar. Todo o meu foco era para ti, as lágrimas a inundarem-me o rosto , a falta de ar, o desespero da tua não-reacção, a poça de sangue e o grito, o meu grito....Perdi-te nesse dia!
Tudo o resto que se passou, lamento dizer-te Cara Mia não me recordo, alguém falou algo, outros disseram muitas coisas e eu sentado ali ao teu lado a segurar-te na mão. Depois veio mais alguém...Eu acho...que me quis me afastar de ti, como se fosse uma criança mimalha a quem afastam da mãe, mas recusei-me e barafustei e talvez tenha dito um ou outro termo mais rude...Pelo menos eu acho que disse...Até mesmo ao senhor de uniforme azul . Eu sei lá. Sei que te levaram e me arrastaram lá para fora, depois para uma ambulância e perguntavam...Merda, como faziam muitas perguntas e eu encolhia os ombros e tentava te procurar. Volta e meia sacudiam o meu corpo, senhoras de luvas médicas brancas " Está bem?" .Sei lá se estava bem, sei lá se estava tudo bem, sei lá onde estava o teu corpo, o meu amado corpo que aprendera a amar, a beijar e a sentir...Sei lá onde tu estavas.
Não te escondo Cara Mia que se seguiram tempos tenebrosos e para minha surpresa não tratei de nada. Foi o meu filho que fez questão de tratar do teu funeral, das tuas cosias, da burocracia ...Eu já não consegui ir. Não fui te ver, despedir-me de ti, porque na verdade para mim e no meu coração tu nunca partis-te. Ver-te ali deitada serena e de olhos fechados não serias tu, a minha Pitareca, o meu bálsamo de vida. Só lamento, efectivamente só lamento mesmo que a última imagem que tenha de ti, seja a expressão da tua queda, para o abismo das escadas e essa imagem nunca me larga, como castigo da minha impotência, como medalha do meu descuido.
Dizem-me que fiz questão, que na tua ultima morada fosses calçada com os teus sapatos...Talvez tivesse dito efectivamente algo assim, não sei... Mas parece algo que muito acertadamente eu diria e voltava-me para o outro lado da cama do nosso primeiro quarto que partilhamos quando aqui chegamos e voltava a chorar. Sim, preciosa companheira de vida, não mais consegui voltar ao apartamento, mandei vender tudo, varrer tudo da minha vida. Por mim deitava-lhe fogo e deixava arder, mas as obras da petit maison que mandei construir no pomar, no que era o meu pomar (perdoa-me Salvador) estão quase prontas e em breve voltarei a sorrir, ainda que timidamente, mas voltarei a sorrir.
Bem sei que me pedis-te que nunca chorasse por ti ou para ti, mas também sabes que nunca fui de cumprir promessas. Lembras-te quantas vezes tentei deixar de fumar? Amanhã é que era dizia-te eu de ar confiante....Talvez estes dias eu me deixe disso ( Lá estou eu a prometer...).
Passaram-se meses em que vivi literalmente na cama . É duro o período de luto e nessa altura ecos das nossas conversas, das minhas lembranças e o teu rosto a rir ocupavam todo o meu intelecto. Era talvez a forma mais verossímil de acreditar que ainda te tinha, que ainda estavas perto, que ainda te poderia beijar. Mas depois despertava desse estado e via que estava sozinho, perdido, se reacção e que tu não estavas mais comigo e chorava de novo.
Um dia, sei que era quase fim de tarde, o meu puto...Agora já homem entrou no meu quarto sentou-se na cama, acendeu um cigarro e sem qualquer palavra estendeu-me uma caneca de café forte e fumegante. Depois começou lentamente a contar uma história qualquer de um escritor que perdendo o filho mais novo, se enfiara num mundo de autocomiseração e de sofrimento tamanho que quando um irmão deu por ele, tinha perdido não sei quantos quilos, já quase não conseguia nadar de tão atrofiados que os músculos das pernas estavam e que praticamente era um morto-vivo à espera de deixar de respirar. Não sei se era verdade, mas aquilo de repente começou a fazer algum sentido na minha cabeça, mas confiante na minha atenção ele continuou a sua história, pausadamente como que me dando tempo para absorver tudo na sua plenitude ( quantas vezes teria ele ensaiado isto, ou seria improviso?). Falou de como um dia, segundo o próprio escritor, o filho lhe apareceu em sonhos e lhe disse que tudo estava bem , que o pai seguisse a sua vida e que todos os passos que desse fosse em memória dele. Que de certa forma, experimentasse e vivesse o que ele não viveu e quem sabe até poderia partilhar com o mundo isso mesmo.
Devolvi a caneca, virei-me para o lado mas sem saber explicar muito bem porquê, tudo aquilo que ele falou continuou a ser demasiadamente inteligível para mim e demasiadamente real:
-E que ele fez? - Perguntei curioso
-Tornou-se escritor. Escreveu apenas e só para os olhos do filho...Caso ele ainda estivesse vivo e não contente, todos os dias lia em voz alta o que tinha escrito, para que o filho o ouvisse, estivesse onde estivesse.
Não emiti qualquer opinião, não fiz qualquer comentário jocoso, não proferi a mais fina palavra. Mas assim que ele saiu, ergui-me da cama, tomei banho, fiz a barba e fui comprar cadernos e canetas e voltei a correr para o quarto projectando isto, este meu pequeno livro a que chamei de Lápide, este meu projecto de te sentir e tal como o escritor, todos os dias caminho até à tua campa e leio-te em voz alta tudo aquilo que escrevi no dia anterior e sabes porquê? Porque ainda te amo e muito mesmo e agora que te li o último capítulo, agora que fiz as pazes comigo mesmo percebi mesmo nestas ultimas linhas que tu és a minha luz, o meu sol e única razão do meu viver e que tal como o meu filho disse eu devo perpetuar o teu nome e o nosso amor.
Não te preocupes amor, falarei contigo todos os dias, sobretudo agora que eu e Salvador criamos a marca Pitareca,...Sumo de maçã natural, acreditas? E será distribuída em todo o País. Será algo que me manterá igualmente ocupado, nestes meus dias negros sem ti
Sabes amor, aprendi muito desde que renasci nos teus braços e mais aprendo agora nesta nova realidade de mim. O tempo, esse vil canalha, passa agora devagar, segundo a segundo e os dias são mortalhas enfermas de dor e solidão em que carrego esta minha alma solitária.
Não me interpretes mal, Cara Mia não são choros ou amuos de infortúnio, apenas constatação da peregrinação dos meus dias.
é certo que durante uns tempos, logo após te perder naquele momento infeliz, que me castiguei, auto-flagelei e berrei como um pobre desalmado. Mentiria, doce criatura dos meus sonhos agora recentes, se dissesse não ter sentido remorsos de te ter largado, de não ter sido capaz, de...Perdão, mas ainda me custa falar disto. No entanto jurei que te poria a par de tudo, que falaria sempre contigo e jamais te esconderia algo, mas que queres? Dói ao recordar esse fatídico dia...
Se bem te recordas, aquela clausura horrível a que chamavas apartamento, algo que pessoalmente e como bem sabes nunca tive em boa conta e nunca gostei dele, seria o teu destino final, o teu sepulcro , o teu e nosso fim. Foi uma boa história...A mim me ensinaste as coisas simples da vida, me mostras-te como é possível amar incondicionalmente alguém e como é possível continuar a amar a memória desse alguém. Contigo, Ma chére me senti de novo útil, amado, querido e sobretudo homem, parceiro e companheiro.
Mas como podia esquecer, arrancar da mente esse dia em que tu, tendo uma consulta agendada no Hospital me pediste que te acompanhasse, ( como se precisasses de o fazer...) pois apesar de ser consulta rotina querias saborear o teu gelado favorito, no miradouro, contemplando o mar, antes de nos fazermos à estrada de regresso ao interior. Gostavas de ver o mar e adoravas colocar a cabeça no meu ombro enquanto te perdias em silêncio em contemplações solitárias, como se eu não estivesse ali, como se de certa forma aquele momento fosse só vosso...O mar e tu, numa partilha de silêncios e onde eu via ondas, tu vias grandeza e onde eu via espuma branca no morrer da onda, tu vias saliva de um beijo que o mar nunca te deu e ali ficávamos, horas em silêncio a repôr a bateria da tua alma e eu não me importava nem um pouco, entretido a fazer cornucópias com o teu cabelo, ou a invadir o teu decote com a mão marota ávida da tua carne.
Para ti a vida sempre foi uma dança, uma Valsa, um Bolero, bolas até mesmo um Tango, e os teus pés tão majestosos e perfeitos, desenhavam no solo os círculos perfeitos. Ah, como devias ter sido bailarina , de saltinhos na ponta dos pés, de movimentos correctos e sincronizados...E nesse dia tudo falhou.
Saímos à pressa, o teu braço no meu, falavas com calma, pausadamente de um sonho horrível que tiveras nessa noite e eu no meu jeito desengonçado de ser, à procura das chaves do carro, aflito por não as encontrar...Perdoa-me se não estava atento ao que dizias , mas sou homem e como tal sou incapaz de fazer duas ou três coisas ao mesmo tempo e então, não sei muito bem como explicar, estaquei e olhei para a porta de casa. Foram segundos, talvez uns dois minutos, juro-te que não mais que isso. Senti o teu braço a soltar-se do meu, ou teria sido eu a largá-lo, nervoso, levando a mão ao meu bolso, tacteando com a ponta dos dedos o interior à procura das malditas chaves ( onde as teria posto?) e ia dizer-te que esperasses um pouco, levantei os olhos, descias o primeiro degrau...Talvez tenha dito algo, talvez tenha murmurado alguma coisa que te fez rodopiar e girar sobre os calcanhares para me olhares ( bolas, porque sempre prestavas atenção ao que eu dizia?) e de repente a tua mão esticada, o teu grito...Ainda tentei alcançar a tua mão, juro que sim...isso recordo-me bem, estiquei-me todo, desejando prolongar o meu braço, contrariar as leis da física e a forma da anatomia humana ( como nos desenhos que fazia quando era petiz em, que o tamanho dos braços era directamente proporcional ao corpo todo) e segurar-te, puxar-te para mim, mas ao invés disso, permaneci estático a ver o teu corpo a cair pelas escadas de madeira ( porque eu não reagi? Porque eu não saltei ou corri?), nesses minutos de terror e subitamente tudo parou. O teu corpo, os teus gritos, os meus gritos...silêncio. Um pesado e abafado silêncio mortal a ecoar fortemente audível para todos os anjos e os meus primeiros passos, incrédulo a descer degrau a degrau, muito devagar, como que aguardando que a qualquer momento tu te levantasses, ou te sentasses e ririas de ti, de mim e de nós e dirias alguma piada sobre as minhas mãos de manteiga, gozando com o meu ar de terror...Sei lá, qualquer coisa.
Mas não...Os vizinhos, as pessoas, cabeças e mais cabeças, vozes que cortavam o espaço, o nosso espaço e eu não as ouvia. Não conseguia processar. Todo o meu foco era para ti, as lágrimas a inundarem-me o rosto , a falta de ar, o desespero da tua não-reacção, a poça de sangue e o grito, o meu grito....Perdi-te nesse dia!
Tudo o resto que se passou, lamento dizer-te Cara Mia não me recordo, alguém falou algo, outros disseram muitas coisas e eu sentado ali ao teu lado a segurar-te na mão. Depois veio mais alguém...Eu acho...que me quis me afastar de ti, como se fosse uma criança mimalha a quem afastam da mãe, mas recusei-me e barafustei e talvez tenha dito um ou outro termo mais rude...Pelo menos eu acho que disse...Até mesmo ao senhor de uniforme azul . Eu sei lá. Sei que te levaram e me arrastaram lá para fora, depois para uma ambulância e perguntavam...Merda, como faziam muitas perguntas e eu encolhia os ombros e tentava te procurar. Volta e meia sacudiam o meu corpo, senhoras de luvas médicas brancas " Está bem?" .Sei lá se estava bem, sei lá se estava tudo bem, sei lá onde estava o teu corpo, o meu amado corpo que aprendera a amar, a beijar e a sentir...Sei lá onde tu estavas.
Não te escondo Cara Mia que se seguiram tempos tenebrosos e para minha surpresa não tratei de nada. Foi o meu filho que fez questão de tratar do teu funeral, das tuas cosias, da burocracia ...Eu já não consegui ir. Não fui te ver, despedir-me de ti, porque na verdade para mim e no meu coração tu nunca partis-te. Ver-te ali deitada serena e de olhos fechados não serias tu, a minha Pitareca, o meu bálsamo de vida. Só lamento, efectivamente só lamento mesmo que a última imagem que tenha de ti, seja a expressão da tua queda, para o abismo das escadas e essa imagem nunca me larga, como castigo da minha impotência, como medalha do meu descuido.
Dizem-me que fiz questão, que na tua ultima morada fosses calçada com os teus sapatos...Talvez tivesse dito efectivamente algo assim, não sei... Mas parece algo que muito acertadamente eu diria e voltava-me para o outro lado da cama do nosso primeiro quarto que partilhamos quando aqui chegamos e voltava a chorar. Sim, preciosa companheira de vida, não mais consegui voltar ao apartamento, mandei vender tudo, varrer tudo da minha vida. Por mim deitava-lhe fogo e deixava arder, mas as obras da petit maison que mandei construir no pomar, no que era o meu pomar (perdoa-me Salvador) estão quase prontas e em breve voltarei a sorrir, ainda que timidamente, mas voltarei a sorrir.
Bem sei que me pedis-te que nunca chorasse por ti ou para ti, mas também sabes que nunca fui de cumprir promessas. Lembras-te quantas vezes tentei deixar de fumar? Amanhã é que era dizia-te eu de ar confiante....Talvez estes dias eu me deixe disso ( Lá estou eu a prometer...).
Passaram-se meses em que vivi literalmente na cama . É duro o período de luto e nessa altura ecos das nossas conversas, das minhas lembranças e o teu rosto a rir ocupavam todo o meu intelecto. Era talvez a forma mais verossímil de acreditar que ainda te tinha, que ainda estavas perto, que ainda te poderia beijar. Mas depois despertava desse estado e via que estava sozinho, perdido, se reacção e que tu não estavas mais comigo e chorava de novo.
Um dia, sei que era quase fim de tarde, o meu puto...Agora já homem entrou no meu quarto sentou-se na cama, acendeu um cigarro e sem qualquer palavra estendeu-me uma caneca de café forte e fumegante. Depois começou lentamente a contar uma história qualquer de um escritor que perdendo o filho mais novo, se enfiara num mundo de autocomiseração e de sofrimento tamanho que quando um irmão deu por ele, tinha perdido não sei quantos quilos, já quase não conseguia nadar de tão atrofiados que os músculos das pernas estavam e que praticamente era um morto-vivo à espera de deixar de respirar. Não sei se era verdade, mas aquilo de repente começou a fazer algum sentido na minha cabeça, mas confiante na minha atenção ele continuou a sua história, pausadamente como que me dando tempo para absorver tudo na sua plenitude ( quantas vezes teria ele ensaiado isto, ou seria improviso?). Falou de como um dia, segundo o próprio escritor, o filho lhe apareceu em sonhos e lhe disse que tudo estava bem , que o pai seguisse a sua vida e que todos os passos que desse fosse em memória dele. Que de certa forma, experimentasse e vivesse o que ele não viveu e quem sabe até poderia partilhar com o mundo isso mesmo.
Devolvi a caneca, virei-me para o lado mas sem saber explicar muito bem porquê, tudo aquilo que ele falou continuou a ser demasiadamente inteligível para mim e demasiadamente real:
-E que ele fez? - Perguntei curioso
-Tornou-se escritor. Escreveu apenas e só para os olhos do filho...Caso ele ainda estivesse vivo e não contente, todos os dias lia em voz alta o que tinha escrito, para que o filho o ouvisse, estivesse onde estivesse.
Não emiti qualquer opinião, não fiz qualquer comentário jocoso, não proferi a mais fina palavra. Mas assim que ele saiu, ergui-me da cama, tomei banho, fiz a barba e fui comprar cadernos e canetas e voltei a correr para o quarto projectando isto, este meu pequeno livro a que chamei de Lápide, este meu projecto de te sentir e tal como o escritor, todos os dias caminho até à tua campa e leio-te em voz alta tudo aquilo que escrevi no dia anterior e sabes porquê? Porque ainda te amo e muito mesmo e agora que te li o último capítulo, agora que fiz as pazes comigo mesmo percebi mesmo nestas ultimas linhas que tu és a minha luz, o meu sol e única razão do meu viver e que tal como o meu filho disse eu devo perpetuar o teu nome e o nosso amor.
Não te preocupes amor, falarei contigo todos os dias, sobretudo agora que eu e Salvador criamos a marca Pitareca,...Sumo de maçã natural, acreditas? E será distribuída em todo o País. Será algo que me manterá igualmente ocupado, nestes meus dias negros sem ti
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarUma linda e comovente história de Amor, um Amor resiliente e vigoroso ao mesmo tempo, Amor-pecado e Amor-céu, um Amor verdadeiramente merecedor da palavra Amor. Amei!
ResponderEliminarObrigada por escreveres esta história meu, muito querido!