quinta-feira, 21 de abril de 2011

Infidelius - ESTREIA - Capitulo 1


"Não sei mais nada amor, já nem te escrevo em letra crescida,
estou perdida, de mim e de tudo..." by Inês Dunas

Marisa escreveu a frase mítica no pequeno bloco, recolheu as lágrimas da pálida face e agarrando pelo casaco de couro, que jazia inerte ao seu lado no papel de confidente mudo, ergueu-se da pequena escadaria, enquanto se certificava que o relógio não a enganava.
Pelo menos este não me engana, nem me mente. Porque os homens são todos uns calhordas?
Percorreu o mesmo caminho estreito, entre muros , que duas horas antes fizera, dessa vez porém com um sorriso de satisfação e ansiedade, dobrou a pequena esquina da Frutaria Pacheco e não evitando mais umas lágrimas, cerrou os punhos de dor e revolta, e praguejando entre dentes num sufoco anunciado, agarrou na Yamaha e ignorando o capacete soltou os cabelos negros. Fazia-lhe bem sentir o vento na cara, as mãos firmes no volante , sentindo com agrado o metal do travão nos dedos.
Era a unica altura em que se sentia que dominava o seu Destino e o seu Mundo, sem loucuras, mentiras e dissabores. A unica coisa que realmente lamentava era a ausência de rádio, de música, de sentir a adrenalina dos Pearl jam, sua companhia de dias maus.
Estacou a mota diante da casa, á qual jurara nunca mais voltar e agradecendo ninguem ter tempo para perceber que ela iria abandonar o seu lar, agarrou na mochila, abriu a porta e escondeu-se de novo nas trevas do seu império ...O seu quarto.
Marisa tinha planeado até ao ultimo pormenor a sua fuga para a liberdade. Combinara com Caio ...Esse Traste!...os pormenores da fuga e tivera o especial cuidado de formatar o disco duro do seu Toshiba, antes de sair e de levar consigo todos os seus apontamentos em pequenos cadernos que ela reutilizara de folhas de rascunho.
O plano era simples: Desde que conhecera Caio, na biblioteca da escola que percebia que ele era o homem da sua vida. O que até era estranho para ela, pois nunca acreditou no amor à primeira vista e sempre se habituou a ser passatempo, ou alvo de estimação de tarados e maníacos.
Marisa sorriu com escárnio. Tinha cumprido todo o ritual para ser alvo de tarados. Desde os 15 anos que acedia á net, que o messenger dela era um poço de contactos estranhos, ( desde pseudo-lésbicas, a gajos a passarem-se por gajas, a cinquentões a jurarem a pés juntos que tinham 15), depois de abandonar o messenger vieram as sms trocadas com gajos que mal conhecia, até ao ultimo sacrificio de sites porno visualizados de manhã, quando a casa estava vazia.
Mas um belo dia, decidida a sacudir o rótulo de Puta, conquistada pelas imagens captadas e difundidas por telemóvel na escola , imagens coloridas em que surgia despida na web camera a gajos que pensava serem amigas de amigas, isolou-se de tentações e loucuras. De agressões e manipulações, de frases e situações ouvidas nos corredores da escola e refugiou-se na biblioteca.
Marisa raramente lia e nem tinha interesse em livros. Para ela, livros era coisa de velhos quadrados, intelectuais de outrora, sem ponta de interesse. lia apenas quando obrigada...Que seca fôra ler os Maias, mesmo descontando o João da Ega...Tendo depois descoberto que nem esses precisava de ler. Bastava-lhe sacar os resumos pela Net e fazer os testes, como se tivesse lido.
Mas surpreendentemente a Biblioteca oferecia-lhe o sossego e a calma que nunca tinha, nem memsmo em casa, Sacana do padrasto que tanto gostava de lhe passar a mão...Como não queria favorecer conversas, sacava os livros aleatóriamente das prateleiras e a inicio fingia ler e tomar apontamentos, quando na verdade escrevia letras góticas para uma banda que um dia iria fundar e conquistar o Mundo.
Marisa não vivia sem musica e nestes 16 anos vivia a sua face negra. Gótica assumida, só porque achava que o preto lhe ficava a matar e condizia com o seu estado de espirito. Lógicamente que tentou ver na Net, mais pormenorizadamente o que significava ser gótica, mas depressa desistiu, pois invariávelmente descobriu que era apenas uma das muitas formas de ir parar a Sites de depravados ou porno. Seja como for as botas ficavam-lhe a matar e gostava da ideia de revolta que o seu visual causava nos outros. A ideia não era seguir uma tendência, mas dissuadir quem ousasse olhar para ela como um pedaço de carne.
Deitou fora os tops, os sutiãs reforçados, as saias e tudo o que lhe soasse a feminino. Livrou-se mais tarde das calcinhas de renda quando descobriu que se tomasse a pilula ininterruptamente não tinha período, logo quando muito bastavam-lhe umas boxers masculinas, que comprava com a desculpa que era para oferecer ao irmão.
Desde que conhecera o recanto silencioso da biblioteca, notava para seu agrado que o desejo pela masturbação baixara e simultaneamente a vontade de beijar e experimentar loucuras  desaparecia. Inversamente o desejo de partilhar sonhos, ideias e projectos com alguem crescia.
Mal ela sabia que algo mudaria numa das suas visitas á biblioteca. Entrava como sempre logo de manhã, pousava a mochila e o casaco e agarrava no primeiro livro que encontrava e sentava-se á mesa, acompanhada de um caderno pequeno e lápis. Iria se esquecer de si própria por momentos e deixar as horas passar até um dia deixar de respirar. Esse era o seu plano de vida. Mas subitamente Caio entrou...
Ela já havia reparado nele dias antes, no bar da escola, e sem esforço recordou esses momento em que ele estando calmo, tranquilo nada queque e aparentemente sem amigos ou turma de bestas a rodeá-lo como um séquito real.
EntãoChamou-lhe a atenção o olhar vago dele, entretido no Panike misto que ele mordiscava com sublime paciência, como quem saboreia um manjar dos deuses.
De repente ele olhou na sua direcção, ali no meio do balcão do bar e piscou-lhe um olho...O sacana piscou-me um olho!!!....como ela não reagiu ele sacudiu as migalhas na camisola Paul & Shark e sorriu-lhe...O palhaço está a sorrir para mim!!...Ela ficou em choque, pois a unica vez em que os gajos lhe sorriam era após o acto sexual ( fosse ele mau ou péssimo eles sempre sorriam).
Sem saber como reagir ela agarrou, na mochila, atirando para o seu interior o caderno e o lápis e saiu a correr com toda a fortça que as pernas permitiam...Será que ele tambem vira os videos?...Dois dias depois ele ali estava, na sua frente na biblioteca de novo a sorrir, como se de alguma forma fossem amigos. Ela respirou fundo e aproveitando a desculpa do livro baixou a cabeça , ignorando o modo confiante como ele se sentou ào seu lado e dascaradamente ao ouvido, suspirou-lhe um BOM DIA!. Instintivamente ela agarrou no lápis como se fosse uma faca e voltando ao de leve a cara murmurou:
-Desaparece canalha. não tou para te aturar.
-A biblioteca é publica!
-A minha má vontade tambem..
-Calma que eu não mordo!
-Pira-te daqui!
-Não me parece.
Por uns segundos os seus olhos estudaram o ambiente e certificando-se que a bibliotecária não havia reparado neles, desferiu o bico do lápis no joelho dele. Colhido de surpresa e de dor, ele ergueu-se repentinamente atirando a cadeira ao chão, o que motivou o avanço da bibliotecária na sua direcção:
-Lamento mas estamos numa biblioteca, o senhor vai ter de se retirar.
-Foi sem querer!
-Ele faz sempre isto senhora bibliotecária. - Mentiu Marisa
-Se o senhor não se retirar eu chamo o continuo para o conduzir ao conselho directivo!
-Okay eu saio, mas isto não fica assim. - prometeu caio em voz mansa a Marisa
-Xau, vai á tua vidinha!
 A bibliotecária olhou para ela com apreensão e encolhendo os ombros retomou ao seu posto, enquanto Marisa disfarçava um sorriso de vitória.





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