sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Infidelius - Capitulo 12 (parte 2)



"É o grito, grito que declama
grito que entoa a cidade
grito que por ti chama
é o grito da imensa saudade" - “Grito de Saudade” de Dany Filipa
http://emjeitodeescritaportugal.wordpress.com/2011/06/02/grito-de-saudade-de-dany-filipa/

Quase ao mesmo tempo que Caio arrancou na Vespa, perto dali, Guilherme preparava-se para seguir à risca a recomendação do amigo e tambem ele rumar ao local combinado para recolher a Vespa, contudo o seu meio de transporte era mais modesto e dependente de horários e agarrado ao varão de metal do autocarro pensava em tudo o que havia sucedido nessas ultimas semanas.
Como um desfiar de novelo colorido, as emoções eram puxadas a conta-gotas pela sua memória, recordando em finos fios de lã, as imensas cores com que catalogou mentalmente os acontecimentos.
Incrível como tudo mudara, para ele e para o seu amigo Caio, fruto do surgimento de um périplo de acontecimentos que não estavam previstos.
Guilherme sempre tivera uma queda natural para a Filosofia e simultaneamente um gosto especial pela melancolia e pela mágoa.
Não que fosse um jovem amargurado e triste, apenas se sentia deslocado dos demais, inseguro sobre si mesmo e necessitado de grandes doses de atenção. Para além de tudo, até na sua sexualidade ele era diferente. Nunca tivera no fundo, recordou com alguma amragura, alguem com quem pudesse livremente bater estes temas e questionar sobre os seus receios...Serei Homosexual?
Curiosamente essa timidez, esse receio de confronto colocaram-no nas mãos de um sujeito perigoso, manipulador e carismático. Curiosamente, esse receio de assumir ou pelo menos discutir o que sentia, sem amarras ou censuras, colocaram-no diante do mais infame plano de destruir uma jovem e a sua reputação. Fogo, como são lixados os corredores de uma escola, pensou semi-assustado.
Recordava com amargura a campanha de difamação que iniciara, de boca-a-boca, pelos corredores sujos da escola, o cuidado extra que colocara na caracterização de uma máscara de bruxa, com que brindara Marisa e pior que tudo, auxiliara à difusão de um certo video dela nua. E que mamocas ela tinha, pensou com desgosto.
A paisagem desaparecia diante do rectangulo de vidro do autocarro laranja e conseguindo um lugar, sentou-se acondicionando a sua mochila Nike.Com custo, compreendeu o efeito que teria a sua reputação na escola se soubessem que ele era maricas, que gostava de ver gajos nus. Entre dentes, Guilherme emitiu um suspiro e pela primeira vez, admitiu a coragem de Marisa e o modo como ela soube encarnar num papel que não era o dela. A força que ela tinha todos os dias a ir para a escola, sendo alvo de chacota e de risinhos tímidos. Sim, ele lixara a sua vida, mas isso iria ser resolvido em breve e talvez um dia ele se dispusesse a pedir desculpas pelo que lhe fizera.
Coçando o queixo, indiferente ao olhar severo de uma mulher de meia-idade que fazia os possíveis para que ele reparasse nela e lhe cedêsse o lugar, pensou igualmente em Caio. Nunca percebera como ele se atravessara no caminho de Marisa. Justo na altura em que ela já estava acomodada num canto, em que já não representava qualquer perigo, em que já não possuía qualquer critério de honra, ele aproximou-se dela. Porquê?
Sacudiu gentilmente o cabelo como que procurando soluções para o seu dilema, e concordou que tudo lhe parecia estranho. Caio era o galã da escola, tinha montes de pretendentes, incluindo a Susana, a gaja boa do 9ºC, a gaja que fazia lembrar a Shakira no modo como andava e sorria e o amigo, feito trouxa, aproxima-se da Bruxa da escola. Os homens, são tão casmurros, pensou seriamente, até se recordar que ele tambem era homem e prontamente deu uma leve sapatada no joelho, envergonhado com o seu pensamento.
Mas a verdade é que de alguma forma Marisa conseguira o que jamais alguma conseguira. Caio largou a equipa de Futesal ( granda burro, logo ele que era o melhor marcador do Torneio), comprou a Vespa dela,parecia ter perdido o interesse nas aulas e mesmo na relação com ele, Caio mudara.
E como por magia surgira tambem Nicolas no caminho do amigo e então tudo se complicou. Guilherme passou a estar mais calado com o amigo, passou a evitar vêr o amigo, com receio que o seu tio Nicolas se apercebesse que algo de estranho se passase. Bem, a verdade é que ele o viu com Caio na esplanada do café, perto do escritório do tio, mas é igualmente verdade que o tio nunca lhe questionou nada, Pensando bem, Guilherme achava que ele nem reparara em si, mantendo apenas o seu olhar em Caio e Caio a olhá-lo desfaiadoramente...Pois, eles já se deviam conhecer.
E depois veio aquela cena do video que ele fez para a Marisa, se por acasso algo lhe sucedesse. Caramba, o que raio poderia suceder a um jovem de dezanove anos pronto para descobrir o Universo das coisas escondidas?
Nada, claro está. Caio não era propriamente um bom condutor de mota, mas tambem eram apenas 29 Kms, quase todas em linha recta. Mesmo que ele tomasse o caminho da praça central, o mesmo caminho que Guilherme agora fazia no autocarro, onde por vezes os condutores se esqueciam do Stop do lado direito, mesmo assim, aquilo não é uma mota potente e apesar do tio ser um traste não acreditava minimamente que pudesse por em perigo a vida do amigo.
E então Guilherme estremeceu ao recordar-se que ele teria que trazer a Vespa embora. Ele nunca andara numa mota, mas na verdade aquilo tambem não era uma mota. Ou seria?
E será que seria preciso carta para aquilo?E se a polícia o mandasse parar?
Depois teria de se preocupar com isso, o que seria aliás um excelente sinal. Significava que Caio e Marisa eram agora livres e a ele competia limpar a porcaria que deitara nos corredores da escola e livrar-se do seu tio.
 O destino sempre nos surpreende e a coincidência, catapulta inevitavelmente uma séria de sensações quando somos colhidos de surpresa, com o olhar em suspenso no vidro do autocarro,Guilherme apertou teimosamente a alsa da mochila, num reflexo nervoso e com uma ponta de preocupação não ficou indiferente quando nos ultimos semáforos antes do grande cruzamento perto da saída da praça central , viu no interior da viatura Nicolas sorridente a falar ao telemóvel. 
Por momentos sentiu-se petrificado, mudo, com receio que ele o visse, para posteriormente, como que ganhando coragem, venceu a inércia das suas pernas que o medo acometera e encolhendo-se no banco, ocultando com a palma da mão os seus olhos,numa tentativa desesperada de passar incógnito, tacteou o seu bolso e sacando o seu Nokia preto, procurou o numero de Caio nos contactos e ligou, enquanto se voltava de costas para o carro estacionado perto do autocarro, rezando entre dentes para que o sinal verde surgisse.
Para seu infortunio, assim que estabeleceu a ligação ouviu a voz feminina metálica a anuncia " O numero para o qual ligou, não se encontra de momento disponível...".
Palidamente e tomado de medo, consultou mentalmente as paragens até ao lugar marcado. Faltavam cinco paragens, num total talvez de 3 kms, mais coisa, menos coisa. 
-O menino está a se sentir bem? - Perguntou uma senhora de idade vendo-o pálido.
-Ah? Oh sim, estou bem, apenas enjoado...
-Logo vi! É das porcarias que estes miudos comem agora na escola, no meu tempo...
Guilherme levantou-se caminhando hesitante em direcção ao condutor, ignorando a senhora e o tempo em que ela estudou:
-Motorista, deixe-me sair aqui. Preciso de ar!
A contragosto e vendo o jovem pálido com ar agoniado,abriu a porta da frente, que abriu em fole:
-Antes uma multa por o deixar sair fora dos pontos de paragem, que ter o autocarro sujo.. O jovem saltou para o exterior e atabalhoadamente consultou o relógio de pulso. Faltavam 20 minutos para a hora acordada entre ele e Caio e rapidamente dirigiu-se ao local. Sabia que dificilmente surpreenderia Nicolas, dado ele estar de carro a menos que...
Sem pensar correctamente, sem analisar as consequências, Guilherme programou o seu Telémovel para anónimo e escolhendo um sítio afastado, ligou para Nicolas, diesfarçando a voz, com o lenço de pano que usava para aparar a sua rinite:
-Sim?
-Sei o que pretendes, cabrão!
-Quem fala?
-Não te faças de inocente...
O autocarro arrancava finalmente, assim como o carro de Nicolas e concentrado Guilherme tentou ampliar o angulo de visão, rezando para que ele estacionasse:
-Não sei de quem se trata, mas não me parece que seja para mim, boa tarde!
(meu deus, ele ia desligar....pensa Gui...pensa)
-Nicolas!
-Como?
-A polícia sabe de tudo.
De subito Guilherme viu os farois de stop do carro acenderem e viu o vidro a abrir. Que bom, ele iria parar:
-Quem fala? - Indagou, num sotaque belga, nervosamente.
-Tu sabes muito bem quem fala. Sei que tens boa memória para as vozes.
-Ouça, não sei o que pretende mas asseguro-lhe que não vou participar mais desta conversa.
-Dez mil euros.
-O quê?
-Perguntou-me o que pretendo! Pretendo dez mil euros.
-Por que eu haveria de lhe dar dez mil euros?
-Para fazer desaparecer as provas.
-Que provas?
-Não se faça de inocente comigo!
Guilherme estava a adorar este seu modo duro de falar e por momentos até se sentiu tentado a ir mais longe, quando uma mão lhe agarrou o braço:
-O menino está melhor?
Confuso olhou com pânico a face serena da velhota do autocarro e apressando-se a desligar a chamada, voltando as costas à senhora e assistiu ao rápido arrancar do carro de Nicolas.
Merda, agora é que lixei tudo....Raios partam a velha!
Desesperado, começou a correr com toda a força que tinha em direcção ao encontro.
É certo que talvez tenha conseguido ganhar uns 10 minutos a Nicolas, mas agora se ele desconfiava de algo, mais depressa andaria.
Sou tão burro, pensou ele entre dentes!



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