sábado, 6 de agosto de 2011

Infidelius - Capitulo 12 (parte 3)




"Tenho fome de rir alto e frio de gritar fúrias...
Falo com os olhos e descubro que as pestanas sabem um código Morse
que nunca descodificámos, porque nos limitámos a olhar depressa...
E leio-te os lábios na esperança que queiras ler os meus..." - Inês Dunas
"Afonia..." http://librisscriptaest.blogspot.com/2011/01/ha-uma-mudez-triste-nos-pensamentos.html


O arranque da pequena Vespa não foi própriamente tão suave quanto desejara, mas num ritmo aceitável ela cumpria a sua função, tragando o alcatrão como se fosse geleia dispersa sob uma mesa de mármore.
Rolava sob o ruido característico deste veículo, ruído esse que motivou a certos trocistas a apelidassem de "secador", e indiferente ao veículo que os seguia bem de perto.
Caio agradeceu profundamente não estar a chover e na sua mente pasavam os mais hipotéticos itinerários uteis, para que se pudesse livrar dos sujeitos que seguiam no seu encalço.
Ele não era própriamente amante de grandes velocidades ou tropelias, mas hoje, especialmente hoje, rodava o manípulo ao máximo, como se por milagre a velocidade duplicasse ou a pequena Vespa se transformasse numa 250 CC.
Sob o sol manso, embriado pelo balançar do motociclo, cedo se apercebeu que não poderia ir muito longe, a menos que utilizasse subterfúgios. E a ideia agradou-lhe vivamente, pois o que ele precisava era precisamente de distracção e confusão e nada melhor que um motociclo para provocar essa algazarra.
Repentinamente ele dava-se conta, que bem vistas as circunstâncias,a pequena motorizada nãe era de facto uma má ideia, só precisava de tirar o máximo partido da sua agilidade.
Olhou de soslaio para o marcador de combustível e congratulado-se por ter enchido o depósito dias atrás, abrandou um pouco a velocidade, permitindo aos seus seguidores uma maior margem de confiança e mentalmente calculou um destino alternativo àquele que pensara tomar.
O que ele precisava era de um trajecto muito movimentado que lhe forneceria não só a hipótese de ziguezaguear por entre os carros, ganhando tempo, bem como pelo facto de haver muitas testemunhas oculares, caso eles tentasse algo.
Reagindo rapidamente ao destino pretendido, abandonou a pequena estrada do Banco Oito, com um sentido para cada lado, virando no primeiro cruzamento para a Casal Torres, essa sim, uma avenida enorme com dois sentidos e três faixas de rodagem.
Escolhendo a da direita, centrou melhor o espelho , reduziu um pouco mais a velocidade e aguardou que a frente do Ford que o seguia surgisse atrás de si. Cada vez que isso sucedia, ele aumentava a velocidade para uns modestos 46 kms\hora e mudava de faixa. Contrariamente ao que pensava, a Avenida não tinha muitos carros pelo que precisava de uma alternativa.
Sempre na faixa da direita, seguia como se fosse um turista. Devagar e calmamente, olhando em redor, ora abrandadno exageradamente, ora acelarando rapidamente.
Como se fosse um jogo de " Follow the Líder", o carro imitava-o nas manobras embora resguardando uma certa distância.
Nada na aparência e no modo como conduzia pareia indicar que Caio soubesse que estava a ser seguido, e as tocas manobras de certa forma serviam para provocar risos sarcásticos nos ocupantes da viatura que o seguia:
-Tens a certeza que esta abécula é o gajo que pretendemos?
-Sim, o chefe foi muito claro quanto a isso.
-Mas é como perseguir um elefante numa plantação de morangos...
-Ainda bem que assim é, no entanto o chefe disse que ele era manhoso!
-Manhoso? Esquisito talvez, agora manhoso...
-Porque te queixas, afinal é dinheiro fácil.
-Oh claro. Estás burro ou quê? Com tanto para tratar andamos a dar uma de ama seca a um guri que nem sabe andar de mota.
-É apenas mais um trabalho...
-Mas não era mais fácil colocar um raio de um dispositivo na mota e segui-lo por um monitor? dava menos sono.
-Tem calma, assim que pudermos isto ficará resolvido e já poderas voltar às tuas amigas Romenas.
O sujeito de bigode farto pareceu sentir a provocação e tentou pela milésima vez explicar o seu ponto de vista:
-Não são Romenas, são da Letónia e as coitadinhas estão desesperadas e sós num País que não conhecem. Precisam de alguem que se preocupe...
-O que raio está ele a fazer?
O sujeito de bigode abandonou a sua tese e olhou para a estrada.
Um sorriso de loucura estalou no rosto de Caio, contrastando com o ar de perplexidade de quem o seguia. Reagindo por impulso, optou por minutos antes seguir para a faixa do meio e posteriormente para a terceira faixa. Aguardou a presença de um duplo traço contínuo a separar os dois sentidos, e então virou para a mão contrária, pisando o duplo traço, e acelerando o máximo que pôde.
Colhidos de surpresa pela manobra proibitiva de Caio e uma vez que seguiam na faixa central entre outros dois carros, não conseguiram imitar a manobra:
-Porra que o gajo é louco!
-Merda, não podemos virar o sentido de marcha aqui!
-Achas que ele nos topou?
-Sei lá!
-Porra, não o podemos perdêr!
Assim que se apanharam livres de carros no lado esquerdo inverteram rapidamente o sentido de marcha, calcando igualmente o duplo traço contínuo e seguiram no encalço da Vespa.
Equilibrado em cima do motociclo, assegurou-se que os seus seguidores ainda se encontravam atrás de si e balançando a cabeça pela ausência de polícia, continuou a sua marcha de entertenimento.
Arriscara uma manobra perigosa com o intuito de chamar a atenção das autoridades, mas a verdade é que nem olhara direito para ver se alguma estava no local e agora havia denunciado que sabia que estava a ser seguido.
Definitivamente o jogo entrava no segundo nível.
Minutos depois o carro surgia na sua traseira e desta vez mantinha ainda uma distância maior, precavendo-se contra outra brincadeira de Caio.
Mas ele não podia de forma alguma abrandar, pois o tempo corria contra si e nunca antes como agora, os minutos a mais poderiam para sempre afastá-lo do seu Destino.
Caio seguia agora em direcção à praça central, serpenteando com alguma habilidade por entre os carros que seguiam imersos nas vidas e rotinas dos seus proprietários.
O vento brindava o ar entusiasta do condutor que ia tentando cada vez mais manobras apertadas, cada vez se sentindo mais confiante. Na verdade era dono e senhor da Vespa e pela primeira vez começava a apreciar a condução descuidada e a vantagem que a maleabilidade da Vespa, permitia em manobras instintivas.
Dobrando a esquina, entrou na Avenida dos Mártires, uma avenida larga que desembocava num imenso cruzamento pertos dos lindos jardins da praça principal.
Ao fundo, à medida que ele se aproximava do cruzamento para a praça, viu o sinal do vermelho no semáforo, viu o carro atrás de si a ser forçado a parar e isso deu-lhe uma ideia sublimar. Só podia aproveitar agora esta excelente oportunidade. Os carros não conseguiam serpentear por entre as outras viaturas paradas e ele conseguia. De olhos postos no sinal vermelho, com um sorriso confiante e repleto de loucura, rodou o manípulo aumentando a velocidade,com um olho no velocímetro, 70 kms/hora, sob o traço limitador das faixas, um ângulo de 90 graus evitando as duas viaturas estacionadas, o Ford que o perseguia lá atrás parado, ao seu lado esquerdo evitou o autocarro por um triz e finalmente estava perto. Porém a Vespa não era suficientemente rápida e caiu o verde. Desesperado e forçado a reduzir a velocidade, aproveitou a faixa central  e então viu Nicolas, a estacionar em segunda fila e prontamente a sua auto-confiança desapareceu.
O que ele estava a fazer ali? E se ele estava ali, então quem eram os outros dois que o seguiam?
A sua mente turvou-se, a sua concentração alterou-se e um só pensamento o invadiu com algum terrôr: Se Nicolas estava ali, ele sabia do plano e do local do encontro, teria que o atrair, e salvar Marisa.
Parou um pouco à frente de Nicolas, que estava ao telemóvel e aguardou até ter a certeza que ele o viu. Então apertou a fundo o manípulo e percebeu que segundos depois Nicolas arrancara na sua direcção, atrás do Ford que tamem o seguia.
Para o local do encontro, teria que virar à esquerda nesse cruzamento, mas em contrapartida optou pelo lado direito, como forma de o atrair para longe de Marisa. Por incrível que possa parecer o Ford ganhou igualmente terreno e estava já na sua rectaguarda, seguido de perto pela viatura de Nicolas. Caio não tinha outra solução senão continuar a improvisar.
Uma das saídas da praça, uma artéria de sentido unico, que descia vertiginosamente, acabando numa curva fechada, sob o grande rochedo. Caio já tinha feito várias vezes aquele percurso em bicicleta, era a descida favorita para ele, a mais radical, a sua preferida nos seus passeios com Guilherme. Caio sorriu despreocupadamente e aumentou a velocidade ao máximo embalando a Moto. Sem carros à frente, apenas o Ford atrás de si. Uma faixa apertada, com carros estacionados ao lado direito e ao lado esquerdo. No entanto parecia-lhe mais fácil em bicicleta.
Acelerou, prego a fundo, tentando aproveitar todo o impacto da descida. Sabia como fazer a curva final, sabia que em bicicleta, teria de dar um cheiro no travão traseiro, incliná-la e aproveitar o unico ângulo possível. Com uma Vespa, a manobra não seria diferente, até porque na ideia de Caio a sua BMX tinha mais velocidade.
Sim, ele sabia como efectuar aquela curva e sabia igualmente que carro algum poderia fazer aquela curva, àquela velocidade. Ou eles travariam no fim, ou se livraria deles.
A descida quase vertical, o motôr da moto a suar, o vento na sua face, entrando ávidamente pelo capacete sem viseira, a ânsia de querer ir mais além, de aproveitar todas as potêncialidades da descida.
A 20 metros da curva, percebeu que que a parte em que teria de travar não iria ser aplicada. Já não havia tempo para travar.
Dentro da viatura atrás de si, o sujeito forte de bigode, rosnava:
-Mas o puto quer se matar?
-Não percebo como ele julga ter hipótese de fugir.
-Estará a preparar alguma?
-A esta velocidade? Mesmo que circule a 80 kms\hora um embate representa o dobro da velocidade.
-Bom, cheira-me que isto vai acabar mal. Ponho o pirilampo?
-Podiamos abrandar ou parar, talvez ele abrandasse.
-Achas? isso só lhe daria confiança. O puto está em fogo!
Caio olhou para o relógio, já estava atrasado, muito atrasado, mas em breve tudo estaria meio ultrapassado. Só tinha uma curva em forma de cotovelo. Uma curva apertada, fechada mas perfeitamente ao seu alcance.
Ele era dono de si, do controle da mota e responsável pela segurança de Marisa.
O que poderia correr mal?

Sem comentários:

Enviar um comentário