quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Infidelius - Parte II - Capitulo 2



Os nossos dedos já não são
uma parte da mesma mão,
seguiram tactos diferentes...
Vira as costas,
segue em frente,
desaparece na multidão... - Inês Dunas
http://librisscriptaest.blogspot.com/2011/06/despertador.html

De olhar estático, a jornalista do canal 5 aguardava apenas ordem do cameramen para avançar com o especial informação. Assim que o polegar estendido surgiu, avançou:
-Boa noite, durante todo o dia duas lanchas do ISN estiveram a patrulhar a costa, em conjunto com dois mergulhadores da polícia marítima e até ao momento não se encontrou o corpo. Segundo profissionais da polícia marítima, o facto de ser uma zona de rebentamentos de ondas, torna mais difícil e arriscado o trabalho dos mergulhadores, mas as expectativas de conseguir encontrar com vida o jovem que se despistou numa Vespa, são reduzidas.No estúdio de televisão, o pivot de serviço, fornecia o enquadramento devido:
-Recordo que hoje pelas 14 horas, um acidente ocorrido no Mirante entre um ligeiro de passageiros e um motociclo, originou a queda do condutor do motociclo pela amurada do Mirante. Até ao momento o seu corpo não foi ainda resgatado. Prometeremos avançar com mais directos sempre que a situação o exija!
Com um ar carrancudo o sujeito agarrou pacientemente no comando do televisor e cortou o som da TV, optando em sua substituição, por ligar a aparelhagem e deliciar-se com a voz de Bono. Habitualmente, optaria por usar o MP3 nas alturas, bem colado aos ouvidos e desligar-se do mundo real, mas infelizmente para ele, tinha uma encomenda e em breve teria que a entregar. Orgulhava-se de sempre cumprir prazos, mesmo que isso o obrigasse a noites mal dormidas e a verdade é que ultimamente não paravam de lhe chegar trabalhos às mãos.
Cerrou o olhar a fim de se concentrar um pouco mais no trabalho e de repente, como se admirasse a ideia de ainda se surpreender no seu trabalho, sorriu abertamente.
O mundo não é mais que uma pequna ilha, onde fios invisíveis unem as pessoas, como cordeis, como se no fundo, o mundo não fosse mais que um espéctaculo de marionetas, suspensos nos dedos de alguem habilidoso.
Esfregou as palmas das mãos de contente, com um sorriso rasgado na face, em forma de meia lua e passando a mão pelo rosto com barba de três dias, assentiu orgulhoso:
-Diabos me levem, se isto não é coincidência!
Prestou imensa atenção uma vez mais aos numeros reluzentes no monitor, parou a musica e levantou-se, tirando uma Sagres do frigorífico.
Nunca temos consciência do quanto somos pequeninos e reduzidos, diante dos planos do Verdadeiro. Da Entidade Universal, pensou ele filosóficamente.
Ia tecer ainda algumas considerações sobre o Universo, para si mesmo, uma vez que ele adorava ouvir-se a pensar no que intitulava como "monólogos do caraças", quando o som da campainha o interrompeu.
Confirmou a hora através do seu relógio de pulso e sem perder o sorriso avançou para a porta, abrindo-a sem precisar de olhar pelo óculo para se certificar se era quem pensava:
-Ora viva prima, estava justamente a terminar o que querias,
-E com bons resultados decerto. Para estares a sorrir dessa maneira....
-Sim é verdade. Uma coincidência feliz... - Assentiu ele deliciado.
-Coincidência? - Ela torceu o nariz desconfiada.
-Exactamente. Mas calma, eu já te explico tudo. Deixa-me só arrumar estas tralhas!
Como um anfitreão consciente, tirou as várias revistas de informática da cadeira vaga ao seu lado e sentou-se na sua cadeira almofada, esperando que ela tomasse a liberdade de se sentar ao seu lado. Depois e porque realmente estava eufórico,bateu com a palma direita da mão no seu joelho e enfatizou:
-Uma coincidência do caraças, prima!
Sofia voltou a olhá-lo desconfiado, se havia algo que aprendera na vida é que as coincidências quando existem são apenas sinais de alguem sobre nós. Ela não acreditava em coincidências, nem tão pouco aceitava de bom grado o sorriso de maravilhado no rosto habitualmente carrancudo do seu primo hacker:
-J.P. importas-te de ir directamente ao assunto?
-Oh claro, esqueci-me que tu és a menina sem pachorra. - Afirmou num tom sarcástico.
-Não é isso, é que realmente estou em pulgas para saber o resultado.
J.P. o hacker respeitado por Caio e seus amigos, colocou um ar superior e fixando o seu olhar na jovem, principiou:
-Antes de te dizer o que encontrei, deixa-me só fazer uma pequena introdução...
Ela deu mostras de irritação, mas sem a deixar falar ele continuou:
-Há algum tempo atrás um jovem solicitou os meus serviços, convencido que um certo PC estava infectado com um programa Spyware...
-Espera, se vais falar em Grêgo eu desisto!
-Não, ouve é realmente básico. Presta atenção!
-Okay!
-Como disse, o meu amigo acreditava que um certo PC estava a ser alvo de um vírus ( chamemos-lhe assim para evitar confusões) e então pediu-me para dar uma olhada.
-E então?
-Realmente ele tinha alguma razão. Não era bem um vírus, mas um programa informático muito complexo que permitia a uma terceira pessoa acompanhar o que se passava nesse computador.
-Uma terceira pessoa?
-Exacto. Bastavalhe aceder ao mesmo programa, noutro computador e se quizesse, abria uma cerveja e ficava a ver, como quem vê um filme. Tudo o que ela fizesse, enquanto estivesse online, ele veria em tempo real, mesmo as conversas de messenger...
-Ela? Não disses-te que era um amigo? - Perguntou Sofia desconfiada.
-Quem me contactou foi um amigo, mas o IP era de outra pessoa, de uma certa rapariga!
-Mas que isso tem a ver comigo?
-Tudo.
-Como assim?
J.P. sorriu orgulhoso da sua descoberta e de forma a retabilizar a totalidade dessa mesma descoberta, deu dois goles pela garrafa de cerveja e continuou:
-Minha querida prima, a pen que me trouxes-te tem os aplicativos desse programa. Apesar de encriptados e de ser preciso o ...
-Em Português e de forma que eu perceba...- Advertiu ela farta de termos informáticos.
-Em suma, graças à tua Pen descobri que a terceira pessoa, que tem acesso ao tal IP da rapariga é o dono do PC que tu copias-te para a pen.
Sofia sentiu-se como se tivesse sido atingida por um raio. Fuzilada em pleno coração. Ela bem calculara que Nicolas tinha muito a escondêr, mas isto ultrapassava tudo o que calculara:
-Quem é a rapariga? - Perguntou a mêdo.
-Calma, não és tu! - calmou ele após uns segundos de silêncio.
-Eu sei que não sou eu! Quem é?
Os dedos de J.P. voaram sobre as teclas, mal se notando o impacto da cabeça dos dedos nas teclas, tal a velocidade com que escrevia. Não fosse o Tac,Tac do barulho dos dedos no teclado e ninguem poderia dizer que ele realemente estava a escrevêr:
-Conheces uma Marisa Vernstein?
Sofia humedeceu, apertando as mãos sob o seu regaço e evitando olhar o seu primo nos olhos, depois timidamente, como se até então tivesse tentado recuperar alguma força, respondeu:
-É a filha do dono do PC da pen!
-Porque raio ele vigia a filha? Aí está um pai protector...
-Não. Ele é tudo menos protector...
E tudo fazia sentido agora na cabeça de Sofia. Ela compreendia agora o que ele fazia, fechado no gabinete, incomunicável. Ele estava a vigiar a filha, ou estaria a .....Acenou negativamente com a cabeça, como se recusando a aceitar o seu próprio pensamento:
-De que falavam eles?
-Quem?
-Pai e filha.
Do alto do seu 1,80 metros de altura J.P. riu sarcásticamente, confuso pela atitude séria da prima:
-Tu ainda não percebes-te pois não? Eles não falavam no PC. Ela nem sabia que ele estava a assistir, mas o curioso é que gravou tudo. Todas as conversas e ainda um pequeno brinde.
Ela olhou-o confusa:
-Brinde?
J.P. abriu um ficheiro video e exibiu no monitor, a face de Marisa, as mãos dela a tirarem a tee shirt, os seios firmes e redondos sem sutiã, os apertões que ela dava...
-Desliga isso, tarado!
-Okay, Okay....
Sofia levantou-se abruptamente, precisava de pensar e como tal, precisava de se mexêr. Odiava ficar quieta enquanto pensava.
Entretanto, o hacker continuou a falar:
-Agora vêm um facto mais curioso. Segundo percebi, esta miuda é namorada do meu amigo, que me pagou uma boa nota para descobrir quem ele era! Eu só tinha suposições, mas mesmo assim avancei com um relatório e não me enganei. - Concluiu orgulhoso.
-Então ele sabe!
-Sim. Há já alguns dias. Bolas, isto é tão incrivel....Um amigo meu, que se apaixona pela filha do teu patrão, que por sua vez a vigia e a grava, não sabendo que a própria empregada o vigia....
-Eh, eu nunca te disse quem ele era!
-Não precisas.O IP está registado em nome da firma na qual trabalhas.
-Estou fodida!
J.P. olhou-a desconfiadamente, e acabando de beber a cerveja, inquiriu:
-Porque?Ele não vai desconfiar que tu...
-Viste as notícias?
-As notícias?
-Sim. Viste-as?
-Não. Quer dizer, eu estava a ver o noticiário mas não...
-O teu amigo por acaso tem uma Vespa?
J.P. pensou um instante e sorrindo atirou:
-Vejo que tambem o conheces. Sim ele comprou há pouco tempo e...
Sofia desatou a chorar. Ali, naquele momento, naquele dia sentiu as forças abandonarem-na. Ela tinha reconhecido a Vespa, lembrara-se de Nicolas ter perguntado se ela estava interessada. Até a levou para o trabalho, mas por uma fracção de tempo, ela esperava que estivesse enganada. Tentando impedir a queda de mais lágrimas, sentenciou numa voz embargada:
-Primo não acho que voltes a ver o teu amigo. Ele faleceu hoje no Mirante!
Ele que a observava incrédulo com o choro repentino dela, largou a garrafa de cerveja e só então se recordou da reportagem que ouvira antes dela chegar. Merda, porque não dou atenção às coisas? indagou mentalmente.
Encostando-se pacientemente nas costas da cadeira, endireitou-se o mais que pôde, tomou a mão fria da prima entre as suas e num tom sério, confidenciou:
-Se isso for verdade, eu tenho muito trabalho para acabar. Foi-me solicitado um serviço, caso as coisas corressem mal e pelos vistos correram.
-Não. Foi um acidente!
-Duvido. Mas mesmo assim...
O olhar que o primo lhe deitou, era um olhar frio de raiva e simultaneamente um olhar profissional, de quem não sentirá remorsos pelo que terá que fazer.
E quando J.P. trabalhava com raiva, era mortífero!


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