quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Infidelius - Parte II - Capitulo 3 (2)



No fim seremos cinzas sem identidade e sem historia
que já não fazem sentido algum,
nem guardam a memória do que fomos...
Não vivemos, nem morremos, nem amamos,
nem edificamos nome entre os escombros imortais...
Inês Dunas: http://librisscriptaest.blogspot.com/2011/06/escombros-no-luar-dos-dias.html



De olhar confuso ele implorava que algo de irreal sucedesse naquele momento.Como se por milagre o tempo tivesse parado. o tudo tivesse ficado estático, o dia tivesse sido parado, ali, naquele momento. Talvez não fosse verdade, mas para os seus olhos cansados, as pequen as letras fugidias, escritas à pressa no computador, pareciam-lhe armas apontadas na sua direcção.
Os dedos finos e delgados que seguravam a folha, tendiam a ponderar a hipótese de a deixar cair, como se nada tivesse sucedido, como se aquele relatório nunca tivesse sido escrito.
Mas para o mal dos seus pecados, o relatório havia sido escrito minutos antes e com ar de atrapalhado, o agente da Brigada Criminal, aguardava como se fosse um aluno após realizar um exame oral, que o seu inspector chefe proferisse qualquer comentário sobre o conteudo do mesmo.
Na verdade, ele já tinha lido o relatório por duas vezes e lançava-se na terceira vez consutiva, embora mais devagar, para dar tempo à sua mente paralisada sem resposta, de emitir uma desculpa qualquer, ou no que seria o ideal, arranjar uma interpretação lógica:
-Creio que está claro, bem redigido e sem ponta de duvida que se tratou de um acidente...
-Afirmativo inspector. Não pudemos evitar a colisão!
-Claro que não. - Afirmou o inspector ainda incrédulo.
-Foi uma estupidez, mas o sacana do puto, nunca abrandou, nunca parou.
-Pois...
-Era uma descida, era uma Vespa...Uma Vespa! Nunca pensei que alguem se pudesse matar numa Vespa.
Lançando-lhe um sorriso amarelo, o inspector explodiu, como uma garrafa de champagne a ser aberta:
-O que me faz confusão é o porquê da perseguição! As ordens eram claras, vigiá-lo, segui-lo sem levantar ondas e se possível apanhá-lo em flagrante! Simples e básico.
-Mas inspector...- Interrompeu o agente brincando com o bigode, num tique nervoso.
-Mas nada! Um puto, um diabo de um miudo e conseguiu topar-vos, fugir de vocês e ainda levaram baile de uma Vespa. Acha isto normal Agente Rodrigues?
-Nada teve de normal esta situação...
-Engano seu - O timbre da voz do inspector era agora uns décibeis acima do desejado- A normalidade residiu na vossa incompetência. Só o tinham de seguir...Se viam que ele queria brincadeira, era deixá-lo ir. Sabiamos onde ele morava!
-Pois, não pensamos que...
-Claro que não pensaram!
Com um olhar calmo e contudo algo receoso, o sujeito que se encontrava sentado perto dos dois homens, suspirou ao de leve e interrompeu:
-Pardon inspector, mas acidentes acontecem! Contudo creio que não deviamos abandonar já as buscas.
O inspector encarou o sujeito, sentou-se arfando de fúria e tentou raciocinar:
-O colega desculpe, acredito que na Bélgica seja tudo diferente...
O sujeito sorriu ao de leve:
-Mais nom inspecteur! É um pouco igual aqui.
-Bom, deve ser. Mas que bonita trapalhada temos aqui!
-Sem duvida inspector.
-Bom, vejamos...O caro colega veio da Bélgica com a missão de estudar uma importante rede de tráfico de droga, que segundo os vossos serviços estaria a operar aqui.
-Certo.
-Reconheceu esse miudo pela foto que trazia e acredita que ele estivesse envolvido no esquema...
-Tenho certeza que sim.
-Coloco dois homens a segui-lo, de acordo com o que me solicitou e dois dias depois o puto voa pelo Mirante...
-Verdade!
O inspector ergueu-se e caminhou até à janela semi aberta tentando respirar um pouco de ar fresco.
Lá fora o sol apertava e o calôr caía, como que expelido pelo bafo de um dragão. Rodou sobre os calcanhares e apanhou uma foto do tampo da mesa, pertencendo ao processo do inspector Belga:
-E este, segundo a vossa opinião é o cabecilha?
-Acredite inspector. Ele é um cidadão Belga e estamos em crêr que pode estar ligado a outros esquemas criminosos.
O Inspector Pedro Faria pousou a foto de Nicolas no tampo da mêsa, como tentando devolvê-la às entranhas do processo, como se fosse petisco para um mosntro imaginário.
-Bom, a verdade é que temos fotos desse senhor a entrar e a sair da casa do suspeito...
O agente que permanecia estático,mudo e suado, alegre por não ser já o centro das atenções deu uma olhada à foto e quase se engasgou:
-Mas este sujeito esteve envolvido no acidente!
-O quê?
-O terceiro veículo. Foi o gajo que nos bateu, na descida do Mirante.
Pedro Faria olhou-o estupefacto e encarou o sujeito Belga:
-Como disse inspector, está tudo ligado. Ah, nós na polícia Belga nunca nos enganamos, Jamais!
-Okay, creio que temos o suficiente para emitir um mandato de captura. Tragam-me esse gajo aqui e ...
-Desculpe inspector!
Apanhado de surpresa pela voz cortante da detective Angélica, o inspector deu um pequeno salto, como se receaase ser atacado:
-Sim?
-Desculpe interromper, mas acho que deve ler isto!
Algumas folhas de papel mudaram da mão dela para a sua mão. De início não percebeu o porquê da interrupção, mas à medida que lia , começou a empalidecer:
-Raios me partam!
-Inspector?
O atlético sujeito levantou a mão, como que pedindo o maior silêncio enquanto acabava a leitura e por fim, sentou-se pesadamente na sua secretária, encarando os três presentes:
-Aquilo que me foi agora entregue, mais não é que duas peças de um puzzle muito complexo. Acho que vamos ter que adiar para já a detenção.
O Belga assumiu um ar nervoso, como se visse o seu plano a levar um adiamento:
-Mas inspector, é importante...
-Acredite que eu sei, colega. Mas o que temos aqui merece ser analisado e pensado.
Ah bom e o que temos aí? - Perguntou o pequeno Belga, não dissimulando a curiosidade.
-Temos uma carta escrita por um jovem, que acusa o seu suspeito de abuso infantil.
Por uma fracção de segundos, o pequeno Belga teve vontade de ater palmas e gritar urras, mas conseguindo se controlar, apenas respondeu:
-E essa testemunha será credível?
-Creio que sim. Iremos averiguar isso primeiro. Agora se me dão licença tenho os pais do miudo para aturar.
Esta era a parte que ele mais odiava. A parte sempre dura de enfrentar os pais de alguem que desaparecia e comunicar que as buscas, com vista ao hipotético salvamento de Caio, tinham sido canceladas.
Iria exigir um esforço sobre humano da parte dele e cada vez mais, ele se sentia sem forças. Como calculava, a mãe foi a primeira a entrar no gabinete...Fêmea dominate, a cabeça do casal, pensou ele:
-Inspector, rogo-lhe que seja breve...Eu não quero estar longe de casa, ele pode ligar.
Mau, isto ia ser muito difícil!
-Compreendo, mas deixe-me dizer-lhe que ....
-Por favor inspector, sei que pode fazer mais. Eu ainda acho que seria preciso mais homens na água, pois...
O inspector ergueu a mão, tentando nitidamente ganhar tempo e coragem e sem hesitações, saiu do gabinete, correndo em passo acelerado para a máquina do café, fechando cuidadosamente a porta do gabinete nas suas costas.
O incrível poder serenante de um café! Incrível como um liquído castanho pode ser simultaneamente  um acto social e ao mesmo tempo, uma desculpa verdadeiramente excepcional para abandonar à pressa uma reunião.
Sorriu de satisfação, ao ver os pequenos pingos finais, morrerem no copo de plástico e então, como que apelando a toda a sua raiva, deu um gole, depois de soprar para o interior do copo e sacudindo a cabeça, retomou o caminho para o seu gabinete. As vozes dos seus convidados já chegavam ao corredor...Bonito, odeio reuniões ! Pensou ele a contra-gosto e entrou no preciso momento em que a mãe do miudo esgrimia uma série de acusações ao marido:
-Se tu fosses um verdadeiro pai, isto não acontecia. Nunca estás em casa!
-Ah...Claro já esperava por isso, agora sou eu que tenho a culpa. - Respondeu o pai irado.
-Claro que és! Abandonaste a educação dele, deste-lhe sempre o que ele queria..
-E fiz mal? Acaso ele não foi sempre um miudo responsável?
-Lá nisso não saiu a ti, seu traste...
O inspector respirou fundo, passou pelo meio dos dois e sentando-se gritou a plenos pulmões:
-Calem-se!
Um silêncio sepulcral instalou-se no gabinete:
-Em primeiro lugar eu não sou psicólogo, pelo que essas  conversas aqui não têm sentido e em segundo lugar solicitei a vossa presença aqui para vos colocar ao corrente do que foi feito.
-Mas...
-E se realmente quizerem saber o que eu sei, vocês os dois vão ter que guardar essas discussões e ouvir.
- Compreendo. - Respondeu a mãe chorosa.
-Perfeitamente inspetor. - Confirmou o pai.
-Muito bem, então a verdade é que já usamos todos os nossos recursos técnicos e até agora, não encontramos qualquer pista sobre o corpo do jovem.
O silêncio entre os dois adensava-se:
-A noite vai mais uma vez cair e em breve já não será possível continuar com as buscas.
Os olhos da mulher fuzilaram-no com um esgar de dôr:
-Por esta altura e segundo todos os especialistas do ISN, o corpo poderá já estar em pleno mar alto e será impossível um dia ser encontrado.
-Meu Deus. - Desabafou o pai, levantando-se como se tivesse dificuldade em respirar.
-No entanto, iremos mantêr alguns homens junto à costa, só para ter a certeza que...
-Ele está morto, não está? - Perguntou a mãe, temendo uma resposta.
O inspector acabou o café, limpou os lábios nas palmas dos dedos e enfatizou:
-Nunca saberemos ao certo. Sem corpo, não é possível saber. No entanto, na minha opinião, ele faleceu logo após a queda. Desculpem, é o que penso!
O pai deu um murro no tampo da mesa e subitamente, assumiu um ar sério:
-Que faz aqui a foto deste senhor?
O inspector olhou para a foto de Nicolas:
-Conhece?
-Perfeitamente. É do Conselho directivo da escola do Caio.
-Do Conselho Directivo?
-Sim. Ele esteve lá à poucos dias. Foi fazer um convite ao nosso filho.
O inspector sentou-se melhor na cadeira, perfeitamente concentrado nos lábios do seu convidado, como se por acaso, alguem tivesse accionado um botão de emergência:
-Que tipo de convite?
-Então, creio que ele tem uma empresa sólida e viu no Caio um reforço para o ajudar.
A mãe escutava igualmente atenta, estudando o rosto do inspector:
-Hum, e o seu filho aceitou?
O pai ficou uns segundos imóvel, tentando perceber a pergunta e por fim, disparou:
-Não creio. Ele recusou. Aliás eu recordo-me de ter sido desagradável com ele. Mas era o director da escola, ou lá o que era!
-Meu Deus. O Caio estava certo. Ele não era da escola, pois não inspector?- Perguntou a mãe assustada.
O policial ergueu-se e acenando a cabeça, confirmou:
-Não sabemos ao certo, ainda a actividade dele, mas garanto-vos que nada tem a ver com a escola. Aliás ele é suspeito de vários crimes...
-Oh meu deus! - Desabafou a mãe.
-Meus senhores, iria solicitar que permitissem que um dos nossos homens se dirigissem a vossa casa, ao quarto do miudo a fim de recolher provas do envolvimento desse homem na vida do vosso filho....
-Claro inspector, mas pelo menos prossiga com as buscas mais um dia, por favor. - O pai exibia os seus dotes de negociaor.
-Muito bem. Um dia mais!
Abandonando a secretária, o inspector abriu a porta e berrou pela detective Angélica:
-Creio que será a melhor opção, mandá-la a si acompanhar este casal até casa. Eles a conduzirão ao quarto do miudo. Procure tudo o que possa estar relacionado com este homem- Solicitou ele mostrando a foto de Nicolas.
-Muito bem inspector.
-Tudo. Mas mesmo tudo, entendeu? - Confirmou com um piscar de olho.
-Perfeitamente. - Angélica percebeu que o tudo se referia tambem a computadores e telefones.
Após a saída dos três, o inspector sentou-se na cadeira, acendeu um Camel e nervosamente pegou na capa do processo Francês do colega Belga e começou a lêr.
Um simples acidente despoletava agora uma série de acontecimentos estranhos que aparentemente nada tinham a ver uns com ols outros. Talvez fosse um somatório de coincidência e ele odiava coincidências!


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