quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Infidelius - Parte II - Capitulo 3 (4)




E eu mastigo mais um ponteiro de ansiedade,
numa vitória de um dia!
Um dia tudo será irrisório e já nem me vou lembrar
do tempo agarrado aos meus dentes...
Mas hoje tudo me sabe a cronómetro

Libris Scripta Est: " O cronómetro"
http://librisscriptaest.blogspot.com/2011/07/o-cronometro.html


Como se tivesse uma pastilha elástica o detective ruminava algo inaudível diante do pequeno sujeito, que sentado à sua frente, esfregava as mãos num nervosismo consciente.
Atrás do inspector, numa vulgar cadeira de madeira, o inspector belga permacia concentradíssimo na expressão da testemunha, como se de repente esperasse mais uma acusação, mais uma pista.
Sacudindo o cabelo com os dedos delgados, o inspector desviou ligeiramente o olhar do miudo e sem perder a concentração atirou incrédulamente:
-Claro que tu tens bem a certeza do que acabas de proferir?
-Perfeitamente senhor! Ponderei bastante antes de vir aqui, mas era o que o meu amigo Caio faria.
O inspector sorriu nervosamente diante da face ruborizada do miudo e deixando cair pesadamente os braços sob o tampo da mesa, sintetizou:
-Em suma, tu afirmas que esse Nicolas, para além do facto de abusar sexualmente da enteada encetou uma cruzada contra a vida do teu amigo, por supostamente este namorar com a enteada...
-Supostamente não. Eles namoravam e apesar de nem toda a escola saber disso eu sei...
-E como tu sabes?
-Porque sou o melhor amigo dele.
-E dela, creio?
Guilherme hesitou e tentando esconder o olhar, retorquiu:
-Não. Dela não!
-Porque não? - O inspector havia encontrado uma ruptura e tentava confundir o rapaz.
-Porque nunca falamos muito. Ela sempre foi muito afastada e...
-Ela é bonita?
-Ah?
-Pergunto se ela é bonita.
-Sei lá!
-Então não sabes apreciar uma coisa bonita?
Guilherme mexeu-se timidamente na cadeira, sem perceber muito bem aonde ele queria chegar.pigarreou num gemido fraco:
-Não sou aluno de História de Arte, sou mais um gajo de matemáticas...
Pela primeira vez nessa tarde o inspector sorriu com prazer, acendeu um Camel, cruzou as pernas e mantendo o contacto visual com o miudo, indagou o seu homólogo Belga:
-Que lhe parece esta fantuchada?
-Bom, não sei...
-Ora pode falar à frente dele, que o puto ainda se borra mais.
-A sério que não sei inspector. Eu tenho as minhas reservas sobre esse Caio, igualmente sobre esse Nicolas, mas parece-me que aqui o nosso amigo está a falar a verdade.
-Então a coisa complica-se e de que maneira...
-Não vejo como inspector. No meu ponto de vista continua relacionado com a droga. Penso já termos motivos para actuar. Esse Nicolas deve ser preso para interrogatório.
O inspector sorriu, mais pelo sotaque do seu convidado que pela ideia proposta. Na verdade, ele já estava um pouco farto desta estória e quanto mais tempo perdesse com este caso, menos tempo teria para se dedicar a outros bem mais interessantes a nivel de carreira.
Levantou-se lentamente, cruzando os braços, enquanto mordiscava o filtro já molhado do Camel e ao fim de umas passas, asentiu:
-Muito bem miudo, vamos supôr que falas a verdade e que de alguma forma podes sempre comprovar o que dizes...recomeça o relato do principio...
Guilherme suspirou, como se já prevendo a seca enorme que seria, mas não estava em condições de provocar o inspector e tudo o que ele queria de momento, era sair dali o mais rápido possível. Beberricando um pouco de água, como se tivesse receio que o liquido ganhasse vida e saltasse do copo para o seu rosto, apressou-se a pousá-lo delicadamente na mesa e recomeçou:
-Conheço Caio desde os meus cinco anos de idade e posso assegurar que era o melhor amigo dele. Com ele fui para a equipa de Futsal, cheguei a ir de férias com a família para Monte Castro e por vezes para Tavira, em suma sempre fui o ouvinte e confidente dele.
-Uma amizade muito "intensa" - provocou o inspector.
-Pode até ser - ele optou por ignorar a provocação- Mas a verdade é que eramos bons amigos. De repente ele mudou...
-Contigo?
-Não. Comigo continuou o mesmo Caio de sempre. Apenas afastou-se do grupo da escola e abandonou o Futsal.
-Hum...- Retorquiu o inspector chateado por ele repetir palavra por palavra o mesmo depoimento de horas antes.
-Só mais tarde soube que esse afastamento se deveu à sua nova namorada. A Marisa!
-Filha de Nicolas
-Não, ele é o  padrasto
-Continua!
-Mas algum tempo depois ele confidenciou-me que as circunstâncias eram bem piores. Ele não se havia afastado de todos só pela Marisa, mas apenas devido ao padrasto dela.
-Ou seja, na tua opinião o gajo ficou com ciumes de Caio, uma vez que abusava de Marisa.
-Não sei se eram ciumes ou mêdo que ela falasse, ou outra coisa qualquer. O que ele queria eu não sei, sei que Caio andava assustado com ele.
-Porque nunca vieram cá antes?
-Não posso falar por ele. Eu só vim agora porque ele....ele....- As lgrimas principiaram a brotar dos olhos rasgados de Guilherme.
-Bom, bom...adiante, dizes que tens provas disso?
-Sim. Mas ainda aguardo as receber no mail...
-Ah, ou seja, não as tens.
-Tenho.Isto é, já as vi, mas estão em segurança.
-E quem te vai mandar esse mail?
De subito o isnspector apanhara algo novo no depoimento e até o seu colega Belga pareceu acordar de um sono, chegando-se o mais à frente possível:
-Um amigo...Oh não sei, apenas sei que vou receber.
-Hum.
-Sim estava programado. Inclusivamente Caio tinha-me pedido para caso algo lhe sucedesse falar com Marisa.
-Caio achava que algo de mal iria acontecer?
-Sim inspector.
-Só nesse dia, ou era algo que ele fazia habitualmente?
-O quê?
-Pedir-te algum plano B
-Oh não. Caio nunca tinha planos Bês.
-Compreendo, mas desta vez teve!
-Não.
-Não?
-Se o tivesse não estava...não estava.... - Os lábios tremiam-lhe num esgar.
Era a segun da vez que o inspector o obrigava a falar tudo e desta vez conseguira sacar um pouco mais, contudo era tão irrelevante para o caso que se preparava para o mandar embora, quando Angélica assumou à porta:
-Inspector, não vai acreditar nisto.
-Que foi?
Ela manteve-se calada e ele encolhendo os ombros saiu resignado, deixando os dois na sala:
-Que foi?
-Fomos fazer a inspecção à casa do miudo, certo?
-Sim e?
-Encontramos isto, aberto na mêsa dele no quarto. Nem se deu ao trabalho de a guardar.
O inspector leu a carta que Caio deixara como isco, com todo o cuidado e sorrindo levemente ordenou:
-Muito bem, está aberta oficialmente a caça ao Homem. Quero esse Nicolas na sala de interrogatório hoje mesmo.
-Certo chefe.
Ele esfregou as mãos de contente e sorridente entrou na sala:
-Puto podes te ir embora. Qualquer coisa a gente liga-te.
-Mas eu ainda não...
-Ou saltas daqui para fora, ou prendo-te por tentativa de terrorismo à minha paciência.
Sem esperar outra ordem Guilherme apressou-se a deixar a sala, seguido de perto pelo inspecor Belga:
-Só me referia ao miudo...
-Oui inspector eu sei, mas preciso de apanhar um bocado de ar.
-Ok, mas deve se despachar se quizer assistir daqui a pouco ao interrogatório desse Nicolas.
O Belga afrouxou o passo e ocultou rapidamente um sorriso polido:
-A ver onde ele guarda a droga...
-Quero lá saber da droga homem. Eu sou de homicídios esqueceu?
-Cést vrai. Muito bem inspector, até já.
Baixinho e nafado o inspector desceu as escadas em passos lentos, evitando as zonas sujas da escadaria e após abandonar a esquadra, de mãos cruzadas atrás das costas percorreu o quarteirão sem contudo prestar grande atenção ao que o rodeava. Após ter dobrado a esquina, encarou Guilherme:
-Acha que ele engoliu?
-Oui. Estives-te bem meu rapaz.Foste firme. O teu amigo teria orgulho em ti.
-Obrigado, espero que tenha valido a pena.
-Oui, valeu. Agora deixa as coisas comigo. Eu trato do resto.
-Muito bem.
De ar agradado, Guilherme deixou o sujeito baixo e rumou a casa.
Gerome respirou fundo esacudindo a cabeça, sussurrou:
-E no fim a aranha é derrotada pela borboleta. Cést la vie!

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