domingo, 23 de outubro de 2011

Infidelius - Parte II - Capitulo 4




 Na verdade somos cordas independentes
que se enlaçam umas nas outras...
De comprimentos e texturas diferentes,
nascemos na mesma trave e buscamos as mesmas coisas,
desde que sejam só para nós...
Inês Duas : " A Teoria das Cordas"

http://emjeitodeescritaportugal.wordpress.com/

Por volta das sete da tarde, ela entrou na habitação, atirou as chaves de casa para cima da mesa de jantar, descalçou-se e deixou-se cair pesadamente na cama, depois de caminhar em choro incontido os ultimos metros do corredor.
Devastada. Completamente devastada era como Marlene se sentia naquele momento. Rios e rios de braços de lágrimas salgadas, escorriam-lhe pela face, como se de um dilúvio de Janeiro se tratasse. Como se a sua face fosse somente uma vidraça, exposta à fúria arrebatadora das chuvas e granizos da sua própria dor.
Havia resistido toda a viagem de taxi , pois saberia que nunca aguentaria a demora de um autocarro e agora, deitada em posição fetal, sentia-se perdida de si mesma, avassalada por uma tempestade de remorsos consistentes, que plainavam quais nuvens ameaçadoras na sua mente.
A revelação de quem era o verdadeiro Nicolas, a constatação a frio e sem preliminares, de como ele havia abusado de si e da sua filha consistiam numa dor que o tempo jamais poderia apagar.
De inicio, claro, ela sentiu repulsa pelo comportamento da filha, sentia-se em choque por saber que ambas , mãe e filha, disputavam o mesmo homem, mas agora que o sentimento maternal vinha ao de cima ela amaldiçoava-se a ela mesmo.
Pelo bem estar de Marisa, ela abdicara dos seus amigos, do seu ninho familiar e qual garça ferida no orgulho, abalou levando-a no bico, para outras terras, por outros caminhos, sofrendo sempre em silêncio as saudades da família e a solidão.
Por ela, lutara para criar raízes, muitas vezes sem sucesso, é certo, mas simplesmente lutara.
Sofrera na pele o drama de ser uma mãe solteira, estivera ao alcance de criaturas exploradoras, que apenas queriam uma foda por a acharem frágil e insegura, mas a tudo ela soube fazer frente.
Mal ou bem, foi gerindo cada vez mais a sua vida em nome do bem estar da sua filha e raramente no seu.
Agora que encontrara um homem diferente, aparentemente um cavalheiro, um sujeito atencioso, que ...cuidava ela....tratava bem de Marisa e via-a como uma filha....Agora que tinha realmente um projecto de futuro concreto e definido, percebeu que mais uma vez havia sido enganada.
Mas desta vez era diferente, desta vez havia sido completamente enganada, entregando o seu verdadeiro tesouro, a sua filha Marisa que ela lutara tanto para a pôr a salvo de hipócritas e abusadores, ao pior de todos os homens.
Nicolas, era o diabo em forma de gente, de sorriso fácil, de ar meigo, de ar subserviente....fachada, tudo fachada... Durante os seus 38 anos de vida jamais Marlene conhecera alguem assim!
Não sabia ao certo até que ponto as aventuras entre Nicolas e Marisa chegaram. Nem sabia se em algum momento ela sorrira, ou se pelo contrário chorara ou gritara. Simplesmente não sabia!
E ela? Ela vivia num emprego fantasma, supostamente rígido, tão falso quanto Nicolas, impossibilitada de defender a sua cria, impossibilitada de em algum momento os supreender.
Enquanto rezava para chegar a casa e poder dar largas ao caudal de lágrimas que se amontoavam, atrás da sua Iris, escondidas de vergonha, dos outros, sobretudo daquele inspector Belga que não disfarçava o seu mau estar por ela ter sido tão "tapada", Marlene compreendia que jamais Marisa lhe contaria algo.
Ela percebia perfeitamente a cabeça de Marisa, ou pelo menos julgava que a entendia, mas pior que tudo, percebia perfeitamente a loucura de Nicolas pelo sexo. como ela nunca se apercebeu? Como ela nunca dera por nada?
Quando colocamos alguem a dormir ao nosso lado, esperamos, regra geral que seja pela vida inteira, que nos vá amar sempre, mesmo que os dentes caiam, mesmo que os cabelos fiquem brancos ou caiam de velhos, mesmo que a rotina dos passos diários, nos transformem em zombies sem emoção. Nunca esperamos, que esse alguem abuse da nossa confiança, do nosso amor e sobretudo das nossas filhas.
Apetecia-lhe de subito, apagar todos os traços e vestígios de Nicolas daquela casa, rasgar os seus preciosos fatos Pierre Cardin em mil pedaços, queimar os seus preciosos polos da Lacoste ou Sacoor, varrer da casa de banho, todos os seus utensilios de guerra, usados para conquistar e violar meninas.
Fungou o nariz e limpando umas dezenas de lágrimas, disse entre dentes: Bem, talvez fosse melhor matá-lo!
Claro que apesar de ela o afirmar, jamais o faria. Por duas grandes razões: Em primeiro lugar, porque nunca teria nem a coragem, nem a força de enfrentar Nicolas. Ela era mais do estilo de fazer a mala e partir. Ppor outro lado, se ela realmente perdesse a cabeça, então voltaria a entregar Marisa, desta vez aos cuidados de um tribunal.
Não, a experiência dizia-lhe que o Estado nunca protege as mães solteiras ou vítimas de violência doméstica. Sobretudo quando o Juiz lhe perguntasse: E a senhora não sabia? ...Nunca iria acreditar que efectivamente ela não sabia , nunca iriam acreditar que ela nem suspeitasse.
No fundo Marlene sentia-se a pior mãe do mundo e tinha a consciência que as relações dela com Marisa jamais seriam as mesmas. o tempo não apagaria nunca este episódio da vida das duas e pela primeira vez na sua vida, Marlene, entre soluços de dor, percebeu que estava dependente de outro homem. Completamente dependente da ajuda do Inspector Belga.
Sabia contudo que ele tiinha um plano e por se encontrar demasiadamente frágil e chocada não quiz participar, optando por ficar à espera que Marisa retornasse ao seu colo, onde então lhe pediria desculpas e falariam, como duas mulheres adultas, sobre o que havia se passado. Ou então não falariam, esperando que o tempo fizesse a sua parte.
Com um soco na cama de punho fechado, ela gemeu de dor e sentindo os olhos inchados de tanto chorar, esperou o longo abraço de Morfeu, para a entregar a um sono sem castigo.
Amanhã seria outro dia, murmurou enquanto mastigava um Prozac.

2 comentários:

  1. Ola =)

    Tenho tentado ler com atençao o teu blog, confesso que ainda nao li tudo mas o que tenho lido, acho muito bom! Muito bem escrito.
    Gosto!

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  2. Obrigado Carina :)

    Muito me agrada saber que me leiem e que gostam :)

    Este conto está a aproximar-se do final. Já estou a preparar um outro.

    Beijos :)

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