quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Infidelius - Parte II - Capitulo 8




Há um lodo de desamor próprio que se agarra às pessoas,
as torna deploráveis, as deforma, minimiza e martiriza
em semi-coisas, com semi-vidas, em semi-mortes...
Eu nunca gostei de orlas de casas mortuárias."

 Inês Dunas: http://librisscriptaest.blogspot.com/2011/07/minha-heranca.html


O cheiro a maresia, foi o primeiro sintoma que lhe revelava que lentamente ela voltava a si.
Numa atitude precipitada, contudo de carácter algo ciêntifico, deixara-se cair pelo mirante, na mesma posição em que supostamente Caio teria caído e constatou, à custa de várias feridas e contusões, que as suas suspeitas não tinham a mínima razão de ser.
Na verdade tinha sido devido a um golpe de sorte, o facto de ainda continuar viva, recordando a custo e vagamente, o modo como os dois braços fortes a resgataram da fúria da maré e do silvo cortante do vento gelado na roupa encharcada.
Abrindo lentamente os olhos, de modo a se ambientar á luz que incidia sobre o seu rosto, descortinou aos poucos a face barbuda e enrugada do seu salvador:
-A menina teve muita sorte!
-Acredito. - Respondeu com convicão.
-Não se desse o caso de eu estar a pescar nas rochas e sabe Deus o que lhe teria acontecido.
-Sorte a minha.
Contudo percebeu que não estava sozinha. Perto dela, estavam dois paramédicos a preparar a maca e ao lado, o rosto sissudo do seu superior:
-Que diabo estavas a pensar? - Inquiriu o inspector nervoso.
-Foi apenas uma ideia.
-Foi uma idiotice, isso sim. Andamos nós loucos a afastar os repórteres deste local e a tentar abafar o acidente do puto e logo vens dar espectáculo.
-Inspector, preciso de lhe contar algo grave.
Combalida na maca, pronta a entrar na ambulância, ela levantou teimosamente a palma da mão em sinal de paragem, e alcançando a mão do inspector, como que a pedir perdão pelo atrevimento, indagou a custo:
-O Belga? É preciso vigiar o Belga.
-O diabo do homem desapareceu logo após o interrogatório. Saiu da esquadra e puff volatizou-se.
-Inspector, ele não é quem pensamos. Eu pedi aos colegas belgas que o identificassem, aguardo resposta. - Mentiu ela. cumprindo a sua parte do plano.
-Angélica, o sujeito pode ser estranho, mas não é motivo para...
-Procure-o inspector. Creio que ee é a chave de toda esta embrulhada.
-Do Caio? Mas que poderá ele ter a ver com isso, afinal não encontramos qualquer pista que confirme a teoria de tráfico de drogas.
Deitada, sofrendo dores incríveis, Angélica sorriu ante a não usual ingenuidade do seu superior:
-Esqueça a porra das drogas! Todo este caso gira entre Nicolas e esse sujeito. Afinal são os dois belgas, e não creio que o surgimento desse Nicolas fosse coincidência.
Então, pela primeira vez durante todo o processo " Vespa", o inspector apercebeu-se que tinha sido enganado. Um ágil sujeito conseguira afastar o seu raciocínio do importante, para andar a perseguir moinhos de vento. Era um perfeito D. Quixote. Toda a investigação, estava desde o início enfornada de erro de lógica. No fundo, pensou ele lacónicamente, a unica razão porque ainda não tinham lançado uma verdadeira caça ao homem, devia-se com a demora em relacionar Nicolas com a droga.
Não que o nome desse Nicolas não estivesse já arrolado em alguns crimes, mas nada tem tanta visibilidade para a carreira de um inspector na força policial como a detnção de um suspeito por assasinato ou droga. Se se conseguisse juntar os dois, então era perfeito.
-Como foi possível que eu não reparasse em algo tão obvio?
-Ele o baralhou inspector.
-Contudo a verdade é que  desde o início que as coisas se complicaram: O corpo do miudo nunca apareceu, as cartas a acusarem um e só um sujeito a chegarem de todos os quadrantes, a carta do miudo teatralmente colocada no quarto...
-Acredita que foi encenação? - indagou soltando um gemido.
-Bem, não sei. Mas que cheira mal, lá isso cheira.
-Percebo...
-Angélica, que fazias aqui?
Ela sorriu pela segunda vez, e sem largar a mão do inspector, advertiu:
-Sossegue inspector, eu não sou louca, nem tenho tendências suicidas! A queda do miudo, li no relat´rio, ninguem o viu na realidade cair e segundos depois depois há o segundo acidente, pensei...
-Claro que o viram cair...
-Não, viram-no bater no mirante, rebolar a amurada e supostamente cair, mas nunca ninguem o vu na água...pensei...
-O inspector passou nervosamente a mão pelo cabelo e assentiu:
-Pelos visto andamos os dois a perseguir moinhos de vento. Tens sorte em estar vida e ao contrário de ti, o miudo não tinha ninguem que o resgatasse das àguas. Goza uns dias de descanso, falamos quando tiveres alta.
Ela nunca se habituaria ao jeito rude que o inspector usava sempre nas despedidas, apesar de ela saber que ele odiava despedidas. Uma vez, num pausa para café, nos confins do corredor do segundo piso da esquadra, ele confidenciara-lhe que neste mundo violento, há cada vez maior chance de efectivamente ao dizer adeus, nunca mais voltar a ver essa pessoa. Mas ela nunca levou a sério tal filosofia, até hoje, ao lutar desesperadamente com o que parecia ser uma tentativa de suicídio. Ao esbracejar sem força contra um mar impiedoso. Ao contrário de Caio ela fôra salva e feliz por voltar a ver o ar carrancudo do inspector, afinal ele é a paixão da sua vida e o motôr de toda a sua aplicação ao serviço.
Tudo para chamar a sua atenção e motivar o seu sorrido.
Enquanto a via entrar na ambulância, ele amaldiçoava-se de ter permitido que o " processo Vespa" lhe tivesse escorregado pelas mãos.
Havia muito pouco tempo agora para voltar ao inicio, tecer outra abordagem, rectificar ideias e suposições. O tempo corria à velocidade luz e ainda sem perceber muito bem como, dera-se ao luxo de quase perder uma das melhores operacionais ao seu serviço.
Decidido entrou no carro descaracterizado, agarrou no rádio e deu a ordem de captura para Nicolas, bem como para Jerome. Chegou à conclusão que cada segundo que estes dois estivessem soltos, mais alguem corria perigo de vida.
No fundo o que ele temia, era que tudo voltasse a acontecer. Que o passado que ele a custo tentava esquecer, regressa-se em força e inexplicavelmente teria um novo banho de sangue associado ao seu nome.
Há dois anos, tivera um caso complicado, associado à mafia de leste e devido a um erro de suposições imediatas, no que era um simples confrontar ideias com um dos suspeitos, acabou no tiroteio mais rápido e sangrento da sua carreira, onde dois agentes perderam a vida.
Se ele tivesse ponderado, se ele ao menos tivesse relacionado as armas desaparecidas, com a presença de antigos elementos do exército Juguslavo em solo Português...Se...Pois, mas agiu por impulso, errou na análise e subitamente viu-se em tiro cruzado cntra homens experientes.
Abrindo um maço novo e retirando um Camel com os dentes, acendeu-o e praguejou entre dentes:
-Tenho um suposto pedófilo, uma miuda abusada, um miudo morto e um belga petulante à solta. Se a mãe da miuda sonha com isto ou descobre e se o pai do morto resolve tirar satisfações com esse Nicolas...Bem, os sinais são os mesmos que há dois anos...Merda!
Com um pisar decidido no acelerador, o veículo rosnou nervosamente e desapareceu em direcção ao centro da cidade num ruido frenético de pneus a chiar.

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